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Os Novos Desafios da Cadeia Produtiva da Carne Frente à Crise Econômica
É
próprio da economia de mercado que haja flutuações cíclicas de curto e de longo
prazo nos preços dos produtos e serviços e na rentabilidade dos agentes
econômicos. Em períodos de crise como a atual, essas oscilações normais dos
mercados tornam-se acentuadas por variáveis macroeconômicas e se resumem em
drástica redução da demanda agregada por conta da absoluta crise de confiança
dos agentes econômicos e dos consumidores.
Esses
fenômenos valem, com mais forte razão, para os mercados de produtos
agropecuários, e tornam-se mais agudos diante de crise de confiança pela qual
atravessa a economia mundial. Suas flutuações que já são por si só "mais
nervosas", por serem intrinsecamente relacionadas às flutuações (e frustrações)
da oferta, podem ser amplificadas à medida que posições são feitas nos mercados
futuros de produtos agropecuários, por sua crescente exposição aos riscos dos
mercados financeiros.
Além
disso, associado à conjuntura descrita, os países ditos emergentes sofrem com o
protecionismo agrícola dos países desenvolvidos, fator que prejudica ainda mais
a rentabilidade e as cotações dos produtos agropecuários, em geral, e da carne
bovina, em particular, cuja produção brasileira atingiu a cifra de 8,13 milhões
de toneladas, em um processo de crescimento que permite a privilegiada posição
do Brasil como segundo produtor e primeiro exportador mundial dessa
commodity.
Em
levantamento recente, realizado com o apoio da FAPESP, o Instituto de Zootecnia,
em conjunto com os Institutos de Economia Agrícola e Agronômico, foi detectado
que a pesquisa científica e tecnológica voltada para a cadeia da carne
defronta-se com desafios muito significativos para que o elo fraco "pecuarista"
possa se tornar mais rentável.
Nos
seis itens pesquisados junto a agentes-chave da cadeia que constituíram o
projeto (macroeconomia, microeconomia, tendências de mercado, mudanças
climáticas, tecnologias ambientais e da fronteira do conhecimento e políticas
públicas), a pesquisa apontou para a importância da execução de estudos e
pesquisas econômicas, a partir da disponibilidade de um conjunto bem articulado
de estatísticas, que tornem disponíveis os enfoques regionais e/ou setoriais
(sobretudo no que se refere à articulação da cadeia), de geração de renda e de
estrutura da demanda, para que os passos relacionados à definição das demandas
tecnológicas sejam mais bem contemplados.
A
pesquisa desses institutos detectou ainda como parâmetros-chave para melhorar a
remuneração do produtor, que as demandas tecnológicas sejam orientadas, em larga
medida, pela questão ambiental e pela qualidade da carne bovina in
natura, tanto para as exigências do mercado externo quanto para o interno, o
que implica rastreabilidade, análise de pontos críticos e aplicação de
requisitos de natureza étnica e religiosa. O quadro 1, conforme Sabadin
(2006)1, apresenta um panorama dessas exigências, e como elas
determinam a segmentação do mercado.
Quadro1 - Principais Exigências dos
Mercados Externos para a Compra da Carne in Natura
Brasileira
Os
resultados da pesquisa, realizada antes da atual crise econômica mundial,
apontaram para uma divisão de opiniões entre agentes do mercado quanto à
importância da intervenção governamental no setor da carne bovina no
Brasil.
Entretanto, nos novos desafios que se antepõem ao setor da carne bovina diante
da crise mundial, pode-se inferir que essa conjuntura tenha se alterado,
sobretudo com as dificuldades financeiras de alguns elos da cadeia,
especialmente os frigoríficos. No momento, a atuação estatal parece ser
demandada de forma significativa, para que os objetivos estratégicos da cadeia
sejam alcançados a longo prazo.
Assim, além do socorro emergencial aos frigoríficos, a sanidade, a geração de
bancos de dados econômicos confiáveis, ou ainda a fiscalização sanitária e
ambiental são atividades que desafiam tanto os agentes privados, como sobretudo
o setor público, seja em áreas de pesquisa a serem contempladas, seja como
serviços prestados.
No
caso do Estado de São Paulo, a maioria dos animais abatidos são oriundos de
outros estados, do que resulta serem necessárias pesquisas e adaptações
tecnológicas de manejo para gerar ganhos compensatórios desse trânsito de
animais. Além da pesquisa científica e tecnológica propulsora da esfera
produtiva, coloca-se também a questão de tornar disponíveis novos produtos e
processos tecnológicos, como vacinas, antígenos e genética superior, em que a
pesquisa pública terá um caráter de propulsão científica de fundamental
importância, inclusive no cenário nacional. Alguns dados do abate de bovinos de
corte em São Paulo, para 2005, podem ser verificados na tabela
1.
Tabela 1 - Abate de Bovinos de Corte,
Estado de São Paulo, 2005
O
caráter compensatório da pesquisa no Estado de São Paulo pode ser verificado com
os índices zootécnicos (reprodutivos, ponderais e de produção) ainda sofríveis
do rebanho paulista, como mostra a tabela 2.
Tabela 2 - Índices Zootécnicos
(Reprodutivos, Ponderais e Produção), Bovinocultura de Corte Paulista,
2005
Em
decorrência de mudanças já observadas em um curto período de 8 a 10 anos, o
abate clandestino reduziu-se de forma acentuada no País, e no Estado de São
Paulo pode-se afirmar que é praticamente nulo. Em 2005, já se verificava uma
proporção relativa da carne bovina inspecionada no montante global brasileiro
significativamente maior em relação à mesma proporção de carne bovina total
(16,7% versus 11,4%), comprovando que praticamente toda a carne bovina produzida
no Estado é inspecionada. Na tabela 3 podem ser comparadas as Regiões Sudeste,
Sul e o Estado de São Paulo no período de 1997 a 2005.
Tabela 3 - Produção de Carne Bovina
Inspecionada, em Relação à Brasileira Total e Inspecionada,
1997-2005 Os
progressos tecnológicos obtidos até o momento são de natureza compensatória e
compõem também avanços recentes das pesquisas científicas, tendo ocorrido uma
relativa convergência de padrões na cadeia produtiva (sobretudo sanitários e de
processamento do produto final), facilitada, em grande parte, pela demanda
mundial.
O
projeto de pesquisa detectou uma agenda de esforços científicos e tecnológicos
dirigidos para cadeia produtiva considerada como fundamental ao seu
desenvolvimento, que inclui ações propositivas que vão desde a consideração das
mudanças climáticas até a adoção da zootecnia de precisão, visando à qualidade e
à rastreabilidade da produção. Grande parte dessa agenda já tem sido atendida
pelos pesquisadores da área agropecuária do Estado de São Paulo. Espera-se que o
cenário de crise econômica mundial não comprometa os avanços já conquistados
nesse Estado e os novos caminhos a serem trilhados.
Por
outro lado, os desafios ora impostos pela crise dizem respeito a como aumentar a
eficiência entre os elos da cadeia, de modo a reduzir custos e ampliar escalas
de operação, em cenários de preços estáveis ou em queda. Ainda que de longo
prazo de maturação, a pesquisa na área da genética, que já vem contribuindo de
modo significativo para o avanço do setor, deverá ser fundamental para ganhos de
escala, contribuindo para a homogeneização do rebanho, para redução de custos de
logística, e para a qualidade da carne, por meio da tipificação da carcaça, e
viabilizando uma indústria que opera de forma mais coordenada e harmônica com o
setor produtivo primário.
___________________ 2Op. cit nota
1.
3PINATTI, E. Produtividade da
bovinocultura de corte paulista em 2005. Informações Econômicas, São
Paulo, v. 37, n. 6, p.17-25, jun.2007.
4Op. cit nota
3.
Palavras-chave: pesquisa científica e
tecnológica, cadeia produtiva da carne, agenda de pesquisas, prospecção de
demandas tecnológicas, políticas públicas.
Fonte: Sabadin (2006)2.
Mercado
Exigências
Países da
União Européia
Rastreabilidade, Sistema de Inspeção Federal (SIF), aprovação para
comercialização, diferentes especificações de corte, selos de qualidade,
Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), EurepGap, entre
outros.
Países do
Oriente Médio
Análise de
Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), ritual religioso do Hatal.
Alguns países requerem apenas SIF, outros, como a Arábia Saudita, requerem
habilitação e documentações específicas.
Países da
Ásia
Varia conforme
o país. Os requisitos são basicamente SIF, APPCC e ritual religioso do
Hatal.
Rússia e
Europa Oriental
SIF
Fonte: Pinatti (2007)3.
Descrição
Abate
Produção de
carne
Peso médio
de abate
Idade de
abate - Boi gordo
Idade de
abate - Vaca gorda
Peso de
abate - Boi gordo
Peso de
abate - Vaca gorda
Fonte: Pinatti (2007)4.
Índice
Taxa de
natalidade
Idade ao
primeiro parto
Intervalo
entre partos
Idade de
descarte de vacas
Relação
touro/vaca
Idade de
desmama
Peso de
desmama
Peso aos 18
meses (novilho)
Produção
por área
Produção
por animal
Taxa de
abate
Taxa de
lotação
Taxa de
lotação
(em
%)
1Levantamento preliminar.
Ano
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
20051
Fonte: Dados da
pesquisa.
1SABADIN, C. O comércio internacional
da carne bovina brasileira e a indústria frigorífica exportadora. 2006. 123
p. Dissertação (Mestrado)-Universidade Federal do Mato Grosso do Sul,
2006.
Data de Publicação: 01/09/2009
Autor(es):
Abel Ciro Minniti Igreja (abelciro@iz.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Benedicto Do Espírito Santo De Campos (benedicto@iz.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Marina Brasil Rocha (mabrasil@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Eder Pinatti (pinatti@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sônia Santana Martins (soniasm@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Flávia Maria De Mello Bliska (bliska@iac.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor