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Brasil, OMC e o Comércio Desleal
Em
31/08/2009, o Brasil obteve vitória em contencioso contra os subsídios
norte-americanos ao algodão, considerados prática desleal de comércio. O
processo teve início em 27/09/2002, quando o Brasil apresentou uma consulta ao
governo dos Estados Unidos sobre o descumprimento de regras acordadas na
Organização Mundial de Comércio (OMC). Como não houve acordo entre as partes,
foi instalado um painel (DS267)1 que resultou em ganho de causa ao
Brasil.
Os
Estados Unidos recorreram ao Órgão de Apelação, mas a arbitragem decidiu a favor
do Brasil, que ganhou o direito de retaliação no valor de US$294,7 milhões por
ano, tendo 2006 como base2.
Dumping e subsídios são práticas desleais de comércio e que são objeto de
inúmeras disputas internacionais. Os acordos firmados no âmbito da OMC preveem
que um país, sempre que se julgue prejudicado pelas práticas de seus parceiros
comerciais, deve tentar negociações bilaterais. Não sendo bem-sucedido, tem dois
caminhos possíveis: introduzir medidas de defesa comercial para neutralizar o
prejuízo ou recorrer ao Órgão de Solução de Controvérsias
(OSC).
As
disputas são levadas ao OSC quando o país acredita que seus direitos negociados
na OMC estão sendo desrespeitados. Caso a demanda seja julgada procedente, a OMC
formaliza suas recomendações em relatório para induzir o cumprimento dos acordos
firmados ou para que o país que violou os acordos forneça compensações ao
prejudicado.
O
país perdedor pode recorrer ao Órgão de Apelação, que tem a função de julgar o
relatório quanto à sua conformidade com os termos dos acordos firmados na OMC.
Se o país infrator não obedecer as recomendações, a OMC pode autorizar
retaliações. Foi o que aconteceu no caso do algodão.
O
Brasil tem se utilizado dos dois meios de defesa dos produtores domésticos. O
recurso ao OSC no caso do algodão foi o 21º painel de um total de 24 em que o
Brasil foi reclamante. O primeiro data de 10/04/1995, quatro meses após o início
de operações da OMC e também foi contra os Estados Unidos. Naquela ocasião, o
Brasil saiu vitorioso em seu pleito contra a adoção de barreiras técnicas no
comércio.
Os
dois processos mais recentes também foram dirigidos contra os Estados Unidos. Em
01/07/2007, o Brasil abriu um painel contra sua política agrícola (DS365) e, em
27/11/2008, contra suas restrições às importações de suco de laranja
(DS3282)3.
A
presença dos Estados Unidos no primeiro e últimos painéis propostos pelo Brasil
não é mera coincidência. Este país, a despeito do discurso liberalizante, é um
dos mais demandados na OMC por práticas desleais de comércio. No caso
brasileiro, dos 24 painéis em que foi reclamante, 10 foram contra os Estados
Unidos, 6 contra a União Europeia, 3 contra o Canadá e 2 contra a Argentina. Os
3 últimos referem-se ao México, Turquia e Peru, com 1 processo para
cada.
Contra o Brasil foram abertos, ao todo, 14 painéis desde a criação da OMC e,
também nesse caso, os Estados Unidos e União Europeia lideram as reclamações com
4 painéis cada. Os demais foram abertos por Filipinas, Sri Lanka, Canadá, Japão,
Índia e Argentina, com 1 painel cada.
A
adoção de medidas de defesa comercial é uma prática muito mais frequente. Como
signatário dos três acordos de defesa comercial (Antidumping, sobre
Subsídios e Direitos Compensatórios e sobre Salvaguardas) entre 1988 e 2008, o
Brasil computou 295 investigações para averiguar a prática de dumping, 16
de subsídios e 6 de salvaguardas.
A
investigação é feita a pedido dos produtores nacionais ou de suas entidades de
classe, que se julgam prejudicados pelas importações4. Se houver
comprovação de que as importações causam ou ameaçam dano à indústria nacional, o
país adota direitos antidumping, medidas compensatórias aos subsídios ou
salvaguardas5.
De
1988 a 2008, das 295 investigações sobre dumping, 55% resultaram em
medidas definitivas antidumping. Dez das 16 investigações sobre subsídios
resultaram em medidas compensatórias, correspondentes a 63% do total. Nesses 10
anos, houve 6 investigações de salvaguardas e apenas 1 não resultou em aplicação
de medida (Tabela 1).
Tabela 1 - Investigações e Medidas
contra Práticas Desleais e Salvaguardas, Brasil, 1998-2008
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,
INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC/SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR – SECEX.
Relatório DECOM, n. 12. 2008. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1242396716.pdf>.
Acesso em: 8 set. 2009.
Entre
1988 e 2008 foram abertas 311 investigações contra práticas desleais de comércio
de 60 países, resultando em 173 medidas definitivas contra 42 deles. Em outras
palavras, em 42 casos as investigações mostraram evidências de que as
importações causavam ou ameaçavam causar dano à indústria brasileira (Tabela
2).
Tabela 2 - Investigações e Medidas
Definitivas contra Práticas Desleais de Comércio, Países Selecionados, Brasil,
1988-20081 % 1Foram selecionados os países que
registraram quatro ou mais medidas definitivas.
Observa-se que China, Estados Unidos e Índia lideram o ranking,
respondendo por mais de 40% das investigações e medidas definitivas adotadas
pelo Brasil nesses 20 anos. A China é o grande destaque, pois contra ela foram
dirigidas 62 investigações que resultaram em 38 medidas definitivas, 19,9% e 22%
do total, respectivamente.
Por ordem decrescente, em segundo lugar
encontram-se os Estados Unidos, contra o qual o Brasil abriu 45 investigações de
que resultaram 13 medidas definitivas (42,2%). A Índia ocupou o terceiro lugar
e, das 18 investigações, 13 resultaram em medidas definitivas (72,2%). Seguem-se
Rússia e Argentina com 11 e 10 investigações,
respectivamente.
Pelos dados do DECOM, em 31/07/2009 havia 24 investigações de comércio desleal e
2 sobre salvaguarda em curso6. Destaca-se que mais uma vez a
liderança é da China, com 10 investigações. Também com data de julho, existem 74
medidas de defesa comercial em vigor envolvendo 25 países, sendo que 1/3 delas é
contra comércio desleal praticado pela China. 2Ver relatório final em: WORLD
TRADE ORGANIZATION – WTO. WTO issues arbitration reports in US-Brazil cotton
dispute. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/news_e/news09_e/267arb_e.htm>. Acesso em: 8
set. 2009.
3Ver: WORLD TRADE ORGANIZATION –
WTO. Find disputes cases. Disponível em:
<http://www.wto.org/english/tratop_e/ dispu_e/find_dispu_cases_e.htm>.
Acesso: 8 set. 2009.
4Os interessados encontram
legislação, regras e formulários eletrônicos para petição de defesa comercial
em: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC.
Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/
interna.php?area=5&menu=232>. Acesso em: 8 set. 2009.
5Pode-se adotar medidas
provisórias antes mesmo da conclusão da investigação se houver risco de dano
imediato.
6Ver em: MINISTÉRIO DO
DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC. Investigações em curso
- Posição em agosto de 2009. Disponível em:
<http://www.mdic.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=233>.
Acesso em: 8 set. 2009.
Palavras-chave: comércio desleal,
solução de controvérsias, defesa comercial, OMC.
Indicador
Investigações
Medidas definitivas aplicadas
Medidas/investigações
País
China
Estados
Unidos
Índia
Rússia
Argentina
África do
Sul
México
União
Europeia
Alemanha
França
Espanha
Reino
Unido
Romênia
Bangladesh
Outros
Total
Fonte: MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,
INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR – MDIC/SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR – SECEX.
Relatório DECOM, n. 12. 2008. Disponível em: <http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1242396716.pdf>.
Acesso em: 8 set. 2009.
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1DS são as iniciais de
dispute settlement, solução de controvérsias entre signatários da
OMC.
Data de Publicação: 17/09/2009
Autor(es):
Maria Auxiliadora de Carvalho (macarvalho@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
César Roberto Leite da Silva Consulte outros textos deste autor