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Primeiras Medidas do Atual Governo Federal em 2019 e Possíveis Impactos na Agricultura
Em janeiro de 2019, o governo Bolsonaro iniciou seu
mandato com medidas que podem impactar negativamente a agropecuária brasileira,
responsável pelo maior volume e valor de exportações do país e por abastecer a
mesa da população, ambos com importância para a economia do país. A Medida Provisória n. 870, de 01 de janeiro de
2019, extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)
e transferiu sua competência para o Ministério da Cidadania, que passa a ser o
responsável pela criação de políticas da área. Com isto, este conselho deixou
de ser órgão de assessoramento à Presidência da República1. A medida
ainda altera disposições de 2006, previstas na Lei Orgânica de Segurança
Alimentar e Nutricional (LOSAN), que asseguravam o direito humano à alimentação
adequada2. O CONSEA foi criado pela Lei n. 11.346 de 15 de
setembro de 2006 e era parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (SISAN)3. Era um espaço institucional para o controle social e
participação da sociedade na formulação, monitoramento e avaliação de políticas
públicas de segurança alimentar e nutricional, com vistas a promover a
realização progressiva do Direito Humano à Alimentação Adequada, em regime de
colaboração com as demais instâncias do SISAN4. Seu caráter era consultivo e cabia propor entre as
atribuições diretrizes e prioridades da Política e do Plano Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional com base em resoluções das Conferências
Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional5. As primeiras
discussões e propostas sobre segurança alimentar ocorreram na década de 1980 e
culminaram no governo Itamar Franco, com a elaboração do Mapa da Fome,
organizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada (IPEA). Este foi
consequência da campanha Nacional Contra a Fome e a Miséria e pela Vida, do
sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, iniciada em 1992. Estudo deste instituto
apontou que 32 milhões de pessoas passavam fome na época6. Aquele
governo, junto à mobilização da sociedade civil, elaborou o Plano de Combate à
Fome e à Miséria – Princípios, Prioridades e Mapa das Ações do Governo7. Em 1993, formou-se o CONSEA (Decreto n. 807 de 24 de
abril), como órgão de aconselhamento da presidência da República. Extinto em
janeiro de 1995, a opção no governo Fernando Henrique Cardoso foi criar o
Conselho do Programa Comunidade Solidária e focar apenas em algumas ações
relacionadas à segurança alimentar 8. Luiz Inácio Lula da Silva reativa o CONSEA com o
Decreto n. 4.582 de 30 de janeiro de 2003, regulamentado pela Lei n. 10.683 de
maio de 2003, como Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com
competência de “propor e pronunciar-se sobre as diretrizes, os projetos e ações
prioritárias dessa política9”. A política de segurança
alimentar e nutricional (SAN) teve o objetivo estratégico de formar um conjunto
“diversificado e articulado de órgãos, ações e políticas públicas” 10.
Outros temas, ainda no primeiro
mandato do presidente Lula, entraram na pauta, uma vez que são temas que
permeiam as discussões de várias cadeias produtivas, “como transgênicos,
programas de transferência de renda e agricultura urbana”, com reforço da
participação de organizações da sociedade civil11. Estas novas
pautas podem ter relação com o fim do CONSEA, pois o debate sobre alimentos
transgênicos e liberação do uso de alguns agrotóxicos vai contra interesses de
alguns setores rurais. A Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do
Desenvolvimento Agrário, que era da Casa Civil, da Presidência da República,
teve seu status reduzido na estrutura
do governo, passando as competências de coordenação, normatização e supervisão
do processo de regularização fundiária de áreas rurais na Amazônia Legal,
expedição dos títulos de domínio correspondentes e efetivação da doação em
áreas urbanas, para o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA)12, executor da
reforma agrária e do ordenamento fundiário nacional13. A antiga secretaria tinha como missão promover a política de desenvolvimento do Brasil
rural, a democratização do acesso à terra, a gestão territorial da estrutura
fundiária, a inclusão produtiva, a ampliação de renda da agricultura familiar e
a paz no campo, contribuindo com a soberania alimentar, o desenvolvimento
econômico, social e ambiental do país14. As
demais atribuições da antiga pasta serão tratadas na atual Secretaria de
Agricultura Familiar e Cooperativismo, ligada ao Ministério de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (MAPA). A nova ministra da pasta, Tereza Cristina, se
comprometeu a dar tratamento especial à agricultura familiar. Entretanto,
deixá-la ligada a um órgão do ministério a retira das prioridades do governo e
reduz sua relevância15. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ainda
reforçou positivamente o estímulo à agricultura familiar nas metas para os 100
dias, ampliando para dois anos a validade das Declarações de Aptidão (DAP), ao
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar16. A DAP é documento exigido para o agricultor familiar
requisitar linhas de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) e para cerca de 15 políticas públicas do
governo federal nas áreas de assistência
técnica e extensão rural, seguro da produção, comercialização da produção e
direitos e benefícios sociais17. A prorrogação do prazo
garante a continuidade do acesso de pequenos produtores a políticas da
agricultura familiar. No entanto, a transferência da Secretaria de
Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário para o MAPA é indício de que
o novo governo tirou o setor das prioridades. Isso poderá trazer consequências
negativas para as políticas públicas aos produtores familiares, como diminuir
os recursos do PRONAF; abalar o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA)18,
que tem os objetivos básicos de promoção do acesso a alimentação e incentivo à
agricultura familiar19 e alterar as propostas do Plano de Safra da
Agricultura Familiar. Quanto às questões ambientais, o presidente, já no
governo de transição, decidiu que o Brasil não sediará a Conferência das Partes
da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP-25), que concluirá a
regulamentação do Acordo de Paris. Também aventou não participar mais do acordo20. Para André Ferretti, do Observatório do Clima,
esta decisão teria impacto negativo entre os países com interesse em parcerias
de negócios, com investimentos para o desenvolvimento de tecnologias e comércio
de produtos de baixo carbono. A demanda de tecnologias de baixo carbono está em
alta, pois tem potencial para contribuir com a redução na emissão de gases de
efeito estufa21. Para Ferretti, o Brasil poderá perder a ocasião de
se tornar o maior produtor de alimentos sustentáveis, com uma agricultura de
baixo carbono22. Um dos maiores riscos é perder mercados importantes,
que restringem a compra de produtos agrícolas que não sejam produzidos com
responsabilidade ambiental e sustentabilidade. Por isso, o presidente não teve
apoio do agronegócio brasileiro, pois o acordo é uma garantia para os produtos
exportados. Dados do Conselho Empresarial Brasileiro para o
Desenvolvimento apontam que o país deve reduzir
as emissões de gás carbônico em 37% até 2025, em relação às de
200523. Algumas formas de alcançar a meta são: aumentar a
participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira;
promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial; estimular medidas de
eficiência e infraestrutura no transporte público e áreas urbanas; restaurar
florestas; fortalecer o cumprimento do código florestal; e alcançar o
desmatamento ilegal zero na Amazônia24. Outra estratégia para o desenvolvimento sustentável
é o fortalecimento do Plano de Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (Plano
ABC), especialmente por meio da restauração de pastagens degradadas e do
incremento de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Florestas (ILPF)25,
entre as seis tecnologias propostas. Antes do fórum de Davos, o atual ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles, declarou que o Brasil permaneceria no Acordo de Paris26,
provavelmente devido à repercussão negativa na França e na Argentina, primeiros
países a se pronunciarem. Em Davos, o presidente reiterou que o país se manterá
no acordo27. Este recuo pode conciliar a produção agropecuária
e a preservação ambiental. O sucesso dos objetivos para cumprir o acordo
depende da ação de todos os envolvidos28. Como acordo
estabelecido entre países, decisões contrárias às definidas geram desconforto
entre as partes, podendo fragilizá-lo. A decisão de manter a participação do Brasil no
Acordo de Paris foi um avanço. O impacto da medida anteriormente aventada seria
desastroso para o país, pois o agronegócio, atual carro chefe da economia,
teria como consequências problemas nas negociações de exportação com alguns
países o que afetaria negativamente nossa economia. Tanto a segurança alimentar e a agricultura familiar
- fundamental para o atendimento da demanda de alimentos do país - quanto a
questão do clima e a preservação ambiental estão entre os 17 objetivos globais
de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas29
para implantação até 2030. Tais objetivos e metas são parte de uma agenda
universal na qual se prevê: o fim da pobreza; acabar com a fome, alcançar a
segurança alimentar e melhorar a nutrição e promoção da agricultura
sustentável; tomar medidas urgentes
para combater a mudança climática e seus impactos; e proteção, recuperação
e promoção do uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gestão de forma
sustentável das florestas, combate à desertificação, detenção e reversão da
degradação da terra e detenção da perda de biodiversidade30.
Os setores têm se
mobilizado diante das medidas que poderão ter maior impacto para a agropecuária
nacional, pois o mercado internacional
tem exigências voltadas para a produção sustentável e consumo seguro e
consciente, que garanta à população acesso a alimentos que não tragam prejuízos
à saúde. O setor agropecuário
brasileiro tem potencial para atender a demanda mundial por uma agricultura de baixa emissão de carbono a partir de
tecnologia limpa, tendo em conta a segurança alimentar e nutricional da
população. Entretanto, a extinção do CONSEA, as alterações na Secretaria
Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, e a decisão de
não sediar a COP-25 alteram o caminho traçado pela política nacional até o
momento. O país carece de medidas que continuem a contribuir
positivamente com estes eixos para não haver impacto na economia brasileira. Resta saber como será o desenho final destas
políticas para ter um quadro real de como afetarão o setor agrícola. Vale ressaltar a frase de Ana Toni, do Instituto
Clima e Sociedade: “clima não é mais um tema de meio ambiente, é um tema
econômico fortíssimo”31. 1BRASIL. Medida provisória n.
870, de 1 de janeiro de 2019. Estabelece a organização básica dos órgãos da
Presidência da República e dos Ministérios. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 3 jan. 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Mpv/mpv870. 2SEGURANÇA alimentar sob
risco de retrocesso no governo Bolsonaro. Brasil: Terra, jan. 2019. Disponível
em:
<https://www.terra.com.br/noticias/brasil/seguranca-alimentar-sob-risco-de-retr 3BRASIL. Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o direito humano à
alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 18 set. 2006. Disponível em: <http://www. 4MACHADO, R. L. A. O
que é o Consea? Brasília: Consea, jun. 2017. Disponível em: <http:// 5NASCIMENTO. R. C. O
papel do Consea na construção da política e do sistema nacional de segurança
alimentar e nutricional. 2012. 215 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais)
- Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura
e Sociedade,
Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: <http://institucional.ufrrj.br/portalcpda/ 6PELIANO, A. M. T. M. (Coord.). O mapa da fome II:
informações sobre a indigência por municípios da federação. Brasília: IPEA.
1993. 62 p. (Documento de política nº 15). 7Op. cit. nota 5. 8Op. cit. nota 5. 9Op. cit. nota 5. 10Op. cit. nota 5. 11Op. cit. nota 5. 12Op.
cit. nota 1. 13INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA -
INCRA. O Incra. Brasília: Incra.
Disponível em: <http://www.incra.gov.br/institucional_abertura>. Acesso
em: 22 jan. 2019. 14SECRETARIA ESPECIAL DE AGRICULTURA FAMILIAR E DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - SEAD. Banco
dados. Brasília: SEAD. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/miss%C3%A3o-vis%C3%A3o-e-valores>.
Acesso em: 22 jan. 2019. 15GONÇALVES, C. Tereza
Cristina promete tratamento especial à agricultura familiar.
Brasília: Agência Brasil, nov. 2018. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/ 16VALOR. Veja as 35
metas de Bolsonaro para 100 dias de governo. São Paulo: Valor econômico,
jan. 2019. Disponível em:
<https://www.valor.com.br/politica/6082627/veja-35-metas-de-bolso 17SECRETARIA ESPECIAL DE AGRICULTURA FAMILIAR E DO
DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO - SEAD. Direitos
e benefícios. Brasília: SEAD. Disponível em: <http://www.mda.gov.br/sitemda/dap/ 18MINISTÉRIO DA CIDADANIA. Secretaria Especial de
Desenvolvimento Social. Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). Brasília: Ministério da Cidadania. Disponível
em: <http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/programa-de-aquisicao-de-alimentos-paa>.
Acesso em: 29 jan. 2019. 19Op. cit. nota 18. 20IG."Se não mudar, saímos
fora", diz Bolsonaro sobre Acordo de Paris. São Paulo: IG, dez. 18. Disponível em: <https://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2018-12-13/jair-bolsonaro-acordo-paris.html>.
Acesso em: 21 jan. 2019. 21MOYSÉS,
A. Ceticismo climático de Bolsonaro
põe em risco benefícios econômicos da transição energética. Brasil: RFI, nov. 2018. Disponível em:
<http://br.rfi.fr/brasil/20181130-ceticis 22Op. cit. nota 21. 23MENDES, G. O que é o acordo de Paris e as metas
da NDC brasileira? Rio de Janeiro: CEBDS, jan. 2019. Disponível
em:
<http://cebds.org/blog/acordo-de-paris-e-ndc-brasileira/#.W2OZ5dVKjIV>.
Ace- 24Op.
cit. nota 23. 25Op.
cit. nota 23. 26CHADE, J. Bolsonaro diz em Davos que o Brasil,
‘por ora’, permanece no Acordo de Paris. São Paulo: Estadão,
jan. 2019. Disponível em: <https://sustentabilidade.estadao.com.br/ 27Op. cit. nota 26. 28Op. cit. nota 23. 29NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL - ONUBR. 17 objetivos de desenvolvimento
sustentável da ONU. Brasil: ONUBR, abr. 2017. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 28 jan. 2019. 30Op. cit. nota 29. 31Op. cit. nota 21. Palavras-chave: CONSEA,
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Data de Publicação: 15/02/2019
Autor(es):
Katia Nachiluk (katia.nachiluk@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor