Cafés Sustentáveis e Denominação de Origem:a Certificação De Qualidade Na Diferenciação de Cafés Orgânicos, Sombreados e Solidários - Maria Célia Martins De Souza

            As transformações observadas nos últimos vinte anos no mercado cafeeiro para diferenciar o produto com base em parâmetros de qualidade atendem a novos valores associados ao consumo. Mais do que uma estratégia de concorrência para agregar valor, a diferenciação de cafés reorganiza as relações sociais em todo sistema produtivo, desde a produção e o comércio dos grãos até a torrefação e a distribuição para os consumidores, por meio de ações cooperativas que viabilizam a coexistência das novas formas de organização com os mercados tradicionais.

            A qualidade do café pode assumir uma ampla gama de conceitos, sendo os mais tradicionais relacionados a fatores como clima, solo, altitude, sistema de produção e beneficiamento. Os novos parâmetros dos cafés diferenciados, chamados de especiais, apresentam tanto dimensões materiais - que incorporam atributos de natureza física e sensorial, e geralmente se traduzem em qualidade superior da bebida – quanto dimensões simbólicas, relacionadas a uma nova ética associada a características ambientais e sociais da produção, como no caso dos cafés orgânicos, sombreados e do comércio solidário, definidos como cafés sustentáveis.

            Tendo em vista a forte associação entre a qualidade dos cafés e a dos vinhos, esta pesquisa investiga a organização social do mercado de cafés sustentáveis, para
responder porque, em meio a uma proliferação de selos de qualidade, os mecanismos de certificação sustentável de café se estruturam de tal modo que não consideram a origem dos plantios. O eixo temático está nos processos de padronização e de certificação de qualidade. Estes novos mercados vêm sendo construídos para expressar novas relações de poder no segmento de cafés especiais, e transformam o mercado com atores anônimos em mercados onde eles têm identidades. A valorização material e simbólica de parâmetros ambientais e sociais da produção e comércio é capaz de formar redes de cooperação que funcionam dentro de uma lógica distinta da estrutura vigente, e proporciona maiores ganhos a atores sociais que estavam em alguma desvantagem no mercado de commodities por não terem a qualidade e identidade de seus produtos devidamente recompensada e reconhecida.

            Estudos desta natureza exigem uma análise que inclua a sociologia dos mercados para avaliar o emaranhado de relações sociais na vida econômica. A abordagem teórica da sociologia econômica fornece elementos para avaliar o processo de construção social dos mercados, especialmente os novos, por meio de quatro pilares que lhes dão sustentação: os direitos de propriedade, as estruturas de governança, as regras de troca e as concepções de controle. O enfoque político-cultural enfatiza a perspectiva histórica dos mercados para compreender o papel dos grupos dominantes e desafiantes em arenas de ação, considerando a participação de atores sociais como governos, firmas e consumidores, entre outros, e seus incentivos para ações cooperativas a partir dos laços cognitivos que os unem.

            O estudo empírico focalizou duas regiões geograficamente delimitadas, pioneiras no cultivo, comércio e certificação de cafés sustentáveis: a Serra de Baturité, no Ceará, onde se cultiva o café em sistema sombreado e os municípios de Machado e Poço Fundo situados no Sul de Minas, no estado de Minas Gerais, onde se encontram cafés orgânicos e do comércio solidário. Estes casos foram escolhidos pois, ao contrário de outras regiões produtoras de cafés especiais, os cafeicultores destas regiões mostram evidências informais de valorização da origem dos plantios e estão submetidos a um conjunto de regras e de controles específicos que os diferenciam como sustentáveis.