Mudar Para Manter: Pseudomorfose da Agricultura Brasileira - José Sidnei Gonçalves

            O conteúdo deste livro é a tese de doutoramento que o autor defendeu no Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP). É o resultado de longa atividade de pesquisa e intensa vivência profissional, submetidas à reflexão acadêmica.

            É certo que este esforço de compreensão não está concluído, face a complexidade e amplitude da problemática abordada. Contudo, expressa um momento muito rico deste percurso e seguramente oferece valiosa contribuição ao desvendamento de aspectos cruciais do tema e, por extensão, da própria realidade nacional.

            Apresenta uma criteriosa e abrangente reconstituição das principais interpretações da questão agrária brasileira, e das propostas para sua solução, situando-as no debate político e ideológico em torno dos caminhos do desenvolvimento econômico e social.

            Entretanto, não se restringe ao âmbito imediato das polêmicas, situando historicamente o problema e apontando as razões decisivas para sua permanência até a atualidade: de um lado, a dominância dos interesses conservadores e patrimonialistas no encaminhamento desta questão e, de outro, as derrotas e debilidades dos defensores da democratização do acesso à terra. Por fim, demonstra circunstanciadamente como este impasse não foi solucionado pela profunda penetração do capitalismo no campo ocorrida nas últimas décadas, que provocou intensa dinamização da agricultura.

            Como se observa, o autor enquadra o assunto em sua dimensão maior e, assim, aponta para uma das principais determinações estruturais da crise social brasileira: a íntima relação que existe entre a questão agrária e a exclusão social, não só rural mas também urbana.

            De fato, na própria constituição do mercado de trabalho assalariado no Brasil, o regime da grande propriedade equaciona o problema de forma a assegurar-se a produção e reprodução de um expressivo excedente estrutural de mão de obra, que alimenta a marginalidade social e deprime os salários dos trabalhadores. Com apoio do Estado Oligárquico promove-se um intenso fluxo de migrantes estrangeiros, brancos e pobres, ao mesmo tempo que impede-se o florescimento da pequena propriedade. Adicionalmente, os ex-escravos negros são mantidos à margem do nascente
mercado de trabalho capitalista.

            Esta situação não se altera com a Revolução de 1930, que põe fim à República Velha e abre caminho para avanços significativos na proteção social dos trabalhadores urbanos, mas não promove a Reforma Agrária. Em suas linhas fundamentais, este anacronismo perdura ao longo do nosso processo de industrialização, mantém-se sob o Regime Militar inaugurado em 1964 e sobrevive após a redemocratização, até os dias atuais.

            Entretanto, as manifestações do problema alteram-se substan-cialmente.A penetração do capitalismo no campo, expulsando grande parte de seus antigos moradores, e o crescimento das cidades, exercendo forte atração sobre os miseráveis rurais, provocam um extraordinário fluxo migratório campo-cidade. Desta forma, a questão agrária revela contemporaneamente um forte componente urbano, que se materializa sobretudo nas favelas, cortiços e periferias sub-humanas das metrópoles e grandes cidades. O qual vai se tornando explosivo com a perda de dinamismo sócio-econômico desde a década dos anos oitenta e com a profunda desestruturação dos anos noventa.

            Obviamente, esta situação de autêntica calamidade social é sobredeterminada pelo profundo descaso em relação aos desfavorecidos que constitui a marca fundamental das políticas sociais no Brasil, sobretudo após 1964. Este assunto, porém, é tema para outro livro.