Financiamento da Produção Agrícola: expansão do mercado de derivativos

 

 

Introdução
 

            O sistema nacional de crédito rural foi um elemento fundamental para a sustentação do crescimento agrícola. Constitui-se de mecanismo de concessão de crédito à agropecuária a taxas de juros e condições de pagamento diferentes das vigentes no mercado livre e determinadas pela política monetária.
 

            Implantado em 1966, o crédito rural oficial teve rápido crescimento na década de 1970 e tornou possível a expansão da produção agrícola, o desenvolvimento da indústria de insumos e equipamentos agrícolas, bem como a formação do agronegócio brasileiro.
 

            Ao longo dos anos 1980, a restrição de oferta de crédito conduziu a maior racionalização de seu uso, com redução dos volumes reais de crédito oficial oferecidos e dos subsídios ao crédito por meio de aplicativo de indexação. Foi necessária uma mudança na composição das fontes de recursos financeiros para o setor rural com maior participação dos bancos privados para complementar os recursos do crédito rural.
 

            A política de garantia de preços mínimos, complementar à política de crédito, também foi revisada. Os altos custos financeiros de retenção de estoque da produção excedente por parte do governo, sua gestão e logística, foram os principais motivos para as modificações.
 

            Estes fatos contribuíram para que o endividamento dos produtores rurais se acumulasse. Diante deste cenário, novos instrumentos de financiamento agrícola foram formatados. A seguir, serão identificados os instrumentos privados criados a partir da crise de financiamento do estado e sua situação atual.
 

Financeirização do Agronegócio: instrumentos privados de alavancagem de recursos1
 

            Na década de 1980, criou-se o contrato de soja verde. Este contrato de venda a termo de soja, com adiantamento de recursos aos produtores e entrega futura à agroindústria e aos exportadores, procurou impulsionar a produção de soja no Brasil. Tradicional na agropecuária brasileira, este instrumento de crédito era feito no século XIX entre exportadores e produtores de café.
 

            A cédula do produtor rural (CPR física), criada em agosto de 1994, é um título oficial das vendas a termo. A agroindústria, exportadora ou investidora, antecipa os recursos financeiros ao produtor que entrega, no futuro, uma determinada quantidade do produto. O sistema bancário avaliza a operação, cujo valor é descontado do valor recebido pelo produtor.
 

            É nos anos 2000 que se dinamiza a criação de instrumentos privados de financiamento e a financeirização do agronegócio. A CPR financeira, criada em janeiro de 2000, permitiu aos bancos serem compradores de CPR e não apenas os seus avalistas. Seu funcionamento se assemelha ao de uma nota promissória e não há custos financeiros, tributários e de estocagem do produto.
 

            Em dezembro de 2004, cinco instrumentos foram criados: os certificados de depósito agropecuário (CDA), warrant agropecuário (WA), certificado de direitos creditórios (CDCA), letras de crédito do agronegócio (LCA) e certificado de recebíveis do agronegócio (CRA). Estes três últimos são derivativos dos direitos creditórios do agronegócio, composto de CPR, notas promissórias rurais, duplicatas rurais, CDA, WA e demais contratos. As taxas de juros destes títulos são de mercado e superiores aos praticados no crédito oficial.
 

            No estágio atual do agronegócio, encontrar meios para financiar as atividades e expansões da capacidade produtiva de forma mais dinâmica é muito importante. A transição do sistema sustentado pelo estado para um sistema cujos recursos sejam em grande parte, gerados pelo setor privado, tem conduzido o agronegócio a buscar alternativas para seu financiamento. O governo, por sua vez, apoia a criação de novos instrumentos de captação, com o objetivo de atrair novos capitais para aplicação no setor rural.
 
 

Oferta Pública de Certificado de Recebíveis do Agronegócio
 

            Neste contexto, para dar maior impulso à captação de recursos para o agronegócio, tornou-se possível a partir de agosto de 2012 a oferta pública de certificado de recebíveis do agronegócio (CRA). Ele é um título de crédito nominativo e de livre negociação. Representa uma promessa de pagamento em dinheiro e é emitido com base em lastro de recebíveis originados de negócios entre produtores rurais ou suas cooperativas, e terceiros. Estão incluídos os financiamentos ou empréstimos relacionados com a produção, comercialização, beneficiamento e industrialização de produtos, insumos agropecuários, de máquinas e implementos utilizados na produção agropecuária2, além dos certificados de CDCA, CPR, notas promissórias rurais, duplicatas rurais, CDA e WA.
 

            Apenas as companhias securitizadoras de direitos creditórios podem emitir os CRAs. Estas companhias são instituições organizadas sob a forma de sociedades de propósitos específicos (SPE). De acordo com Buranello, as SPEs são entidades amplamente utilizadas no Brasil e no exterior para operacionalizar um propósito bem definido. As companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio podem instituir regime fiduciário sobre direitos creditórios oriundos do agronegócio. São constituídas sob a forma de sociedade por ações com a finalidade de aquisição e securitização desses direitos e de emissão e colocação de CRA no mercado financeiro e de capitais3.
 

            O fluxo operacional básico do CRA é o que se segue: produtores, cooperativas e empresas do agronegócio compram insumos em operações financiadas, lastreadas em recebíveis, especialmente CPRs. A empresa/cooperativa fornecedora dos insumos entrega a mercadoria em troca de recebíveis do agronegócio. Estas podem permanecer na tesouraria à espera do vencimento, o que torna imobilizado parte do capital de giro. A empresa fornecedora de insumos emite CDCAs com lastro nos recebíveis entregues pelos compradores. Uma empresa de securitização faz a ponte entre a empresa detentora dos recebíveis e o investidor, ou seja, ela estrutura a operação entre as partes. A empresa de securitização compra os CDCAs com desconto e emite um CRA. Vende o CRA, lastreado nos recebíveis, ao investidor. No vencimento, o investidor em CRAs recebe o pagamento dos recebíveis diretamente de seus emissores. Nessa operação, o investidor e a seguradora se expõem ao risco dos produtores rurais ou das cooperativas.
 

            A inovação para esta modalidade de financiamento ocorreu em agosto de 2012, com a primeira oferta pública de CRA na BM&FBOVESPA. A liquidação dos CRAs ocorreu no início de agosto. A partir daí, é possível negociar os títulos no mercado secundário. O mercado secundário é uma parte do mercado de capitais dedicada à compra e venda de valores lançados anteriormente em uma primeira oferta pública ou privada (mercado primário).
 

            A estrutura desta primeira operação consistiu-se na emissão de CDCAs, por distribuidores da Syngenta, que é uma empresa especializada em sementes, defensivos e biotecnologia. Os quatro distribuidores são Fiagril, Sinagro, Agrocat e Agrícola Panorama.
 

            Estes CDCAs são lastreados por 120% dos recebíveis de operações de troca de insumos, como sementes e fertilizantes, pela colheita futura. A Octante Securitizadora comprou os CDCAs com desconto e com base neles emitiu CRAs, cobertos por seguro de crédito. EM seguida, vendeu os CRAs ao investidor. A Bunge Brasil participou da emissão como fornecedora de fertilizantes, compradora de grãos e investidora dos CRAs subordinados, não cobertos por garantias.
 

            Os títulos são negociados no BOVESPA Fix, que é um mercado de títulos privados para a negociação de títulos de dívida corporativa. Este mercado foi lançado em abril de 2001, numa iniciativa conjunta da BOVESPA com a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBCL). BOVESPA Fix é um ambiente integrado de negociação, liquidação e custódia de títulos privados de renda fixa (dívida corporativa) na BM&FBOVESPA, como, por exemplo, debêntures, certificado de recebíveis imobiliários (CRI), notas promissórias, cotas de fundos de investimento de direitos creditórios (FIDC) e mais recentemente CRAs.
 

            O investimento é de grande porte. Para comprar estes certificados é necessário ser investidor qualificado, isto é, ter R$300.000,00 em investimentos. O CRA listado na bolsa é da Octante, com a quantidade de 285, com volume de R$85,5 milhões a uma taxa de 109%, tendo como base o certificado de depósito interbancário (CDI). O vencimento dos CRAs será em 30/08/2013, podendo ser automaticamente prorrogado para uma nova data de vencimento (30/06/2014). É isenta de Imposto de Renda e Imposto sobre Operações Financeiras, e obteve classificação de risco "AAA" da Fitch Ratings.
 

            Nos últimos cinco anos, de 2007 a 2011, as taxas médias do CDI variaram entre um máximo de 12,38% em 2008 e um mínimo de 9,75% em 2010. Se for considerada a média do CDI dos últimos cinco anos (de 11%), o rendimento dos CRAs senior de 109% do CDI se situará pouco acima de 12% ao ano. Entretanto, se for mantida a tendência de redução das taxas de juros, o rendimento para o resgate no final do período pode ser menor (Tabela 1).
 

            Um aspecto que merece ser mencionado é o momento atual em que este instrumento é criado. Desde abril de 2012 as taxas de juros da economia brasileira tem se reduzido a níveis não atingidos há muito tempo. A taxa básica, SELIC, que remunera os juros dos títulos de renda fixa ao se reduzir, provocou a necessidade de redução da taxa de juros da poupança e dos outras aplicações financeiras. Desta forma, os poupadores e investidores (pessoa física) estão em um processo de aprendizagem deste novo cenário. Ou seja, em qual mercado aplicar o excedente de recursos? Em função disto, o lançamento deste título foi rapidamente absorvido pelos investidores por apresentar expectativa de remuneração mais elevada.
 
 

Tabela 1 – Taxa Média do Certificado de Depósito Interbancário, Brasil, 2007 a 2012
(%)

Período
2012
2011
2010
2009
2008
2007
Janeiro
0,8853
0,8606
0,6582
1,0427
0,9216
1,08
Fevereiro
0,7415
0,8424
0,5925
0,8527
0,7948
0,87
Março
0,8083
0,9188
0,7569
0,9665
0,8383
1,05
Abril
0,6999
0,8388
0,6639
0,8356
0,898
0,94
Maio
0,7324
0,9852
0,75
0,7664
0,871
1,02
Junho
0,6385
0,9526
0,7908
0,7514
0,9482
0,9
Julho
0,6754
0,9665
0,8592
0,784
1,064
0,97
Agosto
-
1,0723
0,8863
0,6914
1,0128
0,99
Setembro
-
0,9397
0,8445
0,6915
1,0983
0,8
Outubro
-
0,8807
0,8056
0,6912
1,1739
0,92
Novembro
-
0,8586
0,8056
0,659
0,996
0,84
Dezembro
-
0,9046
0,9271
0,7238
1,111
0,84
Acumulado
5,2975
11,5945
9,7503
9,8761
12,3784
11,81
Fonte: Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (CETIP).
 

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1O material para este item foi obtido no MBA em Agronegócio do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas (PECEGE), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP).

2BOLSA DE VALORES, MERCADORIAS E FUTUROS DE SÃO PAULO - BM&FBOVESPA. Títulos do agronegócio. São Paulo: BM&FBOVESPA, 2012. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/renda-fixa/titulos-agronegocio-srta.aspx?Idioma=pt-br>. Acesso em: 21 ago. 2012.

3BURANELLO, R. Novos títulos de crédito rural são opção para maximizar recursos. São Paulo: BM&FBOVESPA, 2008. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/081218NotA.asp>. Acesso em: 16 ago. 2012.
 

Palavras-chave: certificado de recebíveis do agronegócio.
 

Data de Publicação: 17/09/2012

Autor(es): Samira Aoun (samira@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor