Açúcar, álcool e cana-de-açúcar: perspectivas de mercado

            O mercado interno para o açúcar cresce, tendencialmente, apenas a taxas vegetativas. De maneira geral, para mudar essa dinâmica é preciso que haja uma nova fase de crescimento da economia, com expansão de emprego e certa distribuição de renda. Emblemático foi o que ocorreu na primeira fase do Plano Real, quando se conseguiu, durante um bom período, ampla redução do chamado 'imposto inflacionário', com ganhos reais de renda às categorias sociais tradicionalmente excluídas. Isso ocasionou aumento no consumo de sorvetes, refrigerantes, doces, etc, impulsionando uma demanda adicional de açúcar, maior que a vegetativa.
            Em termos de perspectiva, essa possibilidade não está claramente desenhada, sendo de difícil consecução. Pode-se apostar mais num cenário conservador, no qual o crescimento da economia nos próximos anos possibilitará o avanço do mercado interno de açúcar a taxas próximas ou iguais às verificadas historicamente, em geral não muito inferior ou superior a 1% ao ano.
            As possibilidades de ganhos nos mercados internacionais são maiores, mas dependem de certas mudanças. Não é de se esperar que o atual caminho utilizado para obter maior market share (que cresceu para o percentual de 30% nos últimos anos) tenha vida muito longa, pois se baseia principalmente na estratégia de explorar as vantagens internas de custos de produção de açúcar, muito abaixo da média internacional, com o agravante de ser muito dependente das transações das grandes tradings internacionais.
            Ocorre que somente valerá a pena aumentar a participação (ou mantê-la) nesse mercado se os preços estiverem acima dos custos (mais margem e fretes), situação que pode vir a tornar-se perigosamente próxima, dada a alta volatilidade e tendência secular de baixa, em parte (e fortemente) favorecida pela maior participação do Brasil. Entretanto, essa situação descrita acima está mudando, embora não se possa afirmar que já tenha adquirido grande dimensão, ou mesmo que se afigure como uma tendência clara.
            As novas estratégias de empresas e/ou grupos empresariais estão se voltando para, por exemplo, focar o cliente externo, tratando diretamente com os compradores, ou buscando estabelecer parcerias com empresas estrangeiras para garantir acesso a novos mercados e à logística de distribuição, ou ainda formando grupos para comercializar a produção no exterior.
            Os mercados mais promissores estão no Oriente Médio (países pertencentes à OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo), tal como hoje já acontece, e na Ásia em geral, sempre destacando a China. Já para conquistar o mercado europeu, ou o mercado dos Estados Unidos, os obstáculos são muito grandes, pois existem esquemas protecionistas tarifários e fortes lobbies políticos e empresariais.

Mercado de álcool

            Na questão do álcool, a situação externa não é de maneira alguma cômoda. Um grande mercado, como o dos Estados Unidos, tem entrada obstaculizada por conta dos lobbies dos produtores de álcool locais e do esquema tarifário de defesa. O mercado europeu também é muito protegido.
            O mercado mundial tem potencial para chegar a 46 bilhões de litros1, mas a maior possibilidade para o Brasil talvez seja mesmo o Japão, que no futuro poderá demandar uma quantidade grande de álcool para misturar na gasolina, algo como 6 bilhões de litros, metade da atual produção nacional. Há também a perspectiva de exportação de bens de capital para produção de álcool para países interessados na produção local de etanol.
            Outro ponto positivo é um possível mercado interno em fase de estruturação, no qual existe possibilidade de crescimento, representada pelos veículos automotivos flex fuel, de combustíveis (álcool e gasolina) misturados em qualquer proporção. Este se apresenta como alternativa promissora para o médio e longo prazos, e seu êxito prolongado depende da articulação entre a aposta que as montadoras fizerem nesse mercado e o apoio de políticas públicas e das estratégias comerciais do próprio setor de produção de álcool.

Situação da safra

            Os dados atuais confirmam crescimento da atual safra de 2003/04, tanto da matéria-prima quanto da produção industrial de açúcar e de álcool. Segundo a União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo (ÚNICA)2, com 95% da safra processada na região Centro-Sul, até 1º de novembro, foram moídos 277,63 milhões de toneladas de cana, 10% a mais do que os 252,22 milhões de toneladas da safra 2002/2003.
            A produção total de álcool apresentou crescimento de 15,3%, com produção de 12 bilhões de litros, perante os 10,41 bilhões de litros da safra passada. Em termos de açúcar, foram produzidos 19,05 milhões de toneladas, o que representa aumento de 8,15% quando comparados com os 17,62 milhões de toneladas da safra passada.
            Em São Paulo, a matéria-prima teve aumento de 8,75%, com o processamento de 195,69 milhões de toneladas, em comparação com os 179,94 milhões de toneladas da safra anterior. Foram produzidos 8,23 bilhões de litros de álcool, volume 14,3% maior do que os 7,2 bilhões de litros da safra anterior, e a produção de açúcar foi de 14,29 milhões de toneladas, 6,27% superior aos 13,44 milhões de toneladas do período 2002/2003.

Matéria-prima na próxima safra

            Fazer afirmativas sobre as perspectivas da safra 2004/05 ainda é prematuro. A evolução futura é muito dependente da produtividade da cultura, que por sua vez responde fortemente às condições ambientais, principalmente da distribuição e precipitação das chuvas.
            Até o momento, o que se tem de informação é relativa à área. E nesta variável, para o Estado de São Paulo, espera-se aumento de 10% na área de cana nova, compreendendo área de reforma e área de expansão, conforme indica o Quarto Levantamento de Previsão de Safra para São Paulo do IEA/CATI, de setembro de 2003, que pode ser acessado neste site.

1 Silveira, L.T.; Burnquist, H.L. Evolução do mercado mundial de etanol: perspectivas e inserção brasileira. Anais do XL Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. Passo Fundo/RS, julho de 2002.
2 ÚNICA: www.unica.com.br

Data de Publicação: 09/12/2003

Autor(es): Alceu De Arruda Veiga Filho Consulte outros textos deste autor