Inclusão ou exclusão digital na agricultura?

            Cada vez que o ser humano consegue criar ou desenvolver alguma coisa nova, em qualquer campo, imediatamente cria-se uma divisão: o grupo dos que têm e o dos que não têm acesso a tal novidade. Em muitos casos, isso não tem lá grande importância e às vezes o segundo grupo é formado apenas por aqueles que simplesmente não querem ou não precisam da novidade. Em outros casos, porém, a novidade torna-se mais um fator de desigualdade econômica e social. É o que freqüentemente acontece com novos produtos tecnológicos, já que alguns países – e empresas e grupos – não são capazes de desenvolvê-los, necessitando adquiri-los de outros.
            O advento recente da Era da Informação trouxe consigo o agravamento da dicotomia entre os que podem e os que não podem acessar informação, em particular, a informação agrícola, principalmente a de natureza estatística e econômica. Neste caso, há que se considerar dois tipos de exclusão. O primeiro refere-se à geração de informação; o segundo, à sua transmissão e utilização.
            O acesso às estatísticas agrícolas cada vez mais é feito de modo eletrônico, utilizando-se computadores conectados à Internet. Essa tecnologia não está acessível a todos, principalmente nas regiões rurais pobres do mundo, enquanto nas regiões mais ricas ou em desenvolvimento seu uso vem crescendo rapidamente, inclusive no estado de São Paulo. Pesquisas divulgadas recentemente no IEA mostram que 8,5% das unidades de produção agrícola, correspondentes a 24% da área plantada, já utilizam Internet em suas atividades1.
            Comumente, as novas tecnologias chegam primeiramente aos grandes centros e depois se espalham para os cada vez menores; começam nas zonas urbanas e depois passam às rurais. Paradoxalmente, entretanto, os novos recursos de transmissão de informações a grandes distâncias podem vir a se mostrar extremamente úteis exatamente nos rincões mais distantes do país, que carecem de outros meios de comunicação. A agricultura em áreas longínquas de um país de grande extensão territorial pode vir a se beneficiar muito de tecnologias muito mais baratas do que as convencionais: um pequeno computador, uma linha telefônica, eventualmente via satélite, e o acesso à Internet, em contraste com as linhas telefônicas com cabos, os equipamentos de radiotransmissão, as estradas, etc.
            Não se trata apenas de adquirir e manter equipamentos de computação e softwares, mas também de saber utilizá-los de maneira eficaz. Por outro lado, mesmo que se resolva a questão de disponibilizar tais equipamentos e conhecimentos, resta o fato de que, quanto pior uma região (em termos sócio-econômicos), piores suas estatísticas. É nos países e nas regiões mais pobres e atrasadas que faltam estatísticas agrícolas confiáveis. Para se ter idéia da importância das estatísticas agrícolas como base para a informação agrícola, considere-se que 72% das visitas ao site do IEA referem-se a elas2.
            O assunto vem adquirindo tal importância, que se tornou prioridade na Food and Agriculture Organization (FAO)3, a qual 'reconhece que o conhecimento e o acesso à informação são essenciais para combater efetivamente a fome e a pobreza', já que grande parte das populações pobres do mundo encontram-se em regiões rurais ou ligadas às atividades agrícolas4.
            No Brasil, o crescimento recente da importância dos agronegócios na economia, principalmente nas exportações, torna inadiável a melhoria das estatísticas agrícolas e do acesso a elas e aos demais tipos de informação agrícola por parte dos produtores rurais, principalmente os ligados à agricultura familiar5. O governo pode contribuir na questão da melhoria das estatísticas agrícolas, mas as organizações de produtores rurais poderão contribuir também na preparação de seus associados ou empregados para o uso da informática e da informação agrícola, bem como patrocinando ou facilitando o acesso a linhas de financiamento para aquisição de equipamentos adequados.
            Os produtores rurais de nível empresarial têm adotado expontaneamente as novas tecnologias de informação, mas os demais podem precisar de um processo de indução, bem como de incentivos. Sugerem-se, ainda, formas adicionais de acesso coletivo em bairros rurais, em unidades de cooperativas, associações e sindicatos, em unidades de assistência técnica, etc. Pode-se antever que os países que não conquistarem rapidamente uma posição firme nessa questão poderão vir a ter sérias perdas de competitividade, especialmente num mercado globalizado. Há somente duas situações possíveis: digitalmente incluído ou excluído.
            Em particular, urge a adoção de uma política adequada de pesquisa sobre estatísticas agrícolas no IEA, uma das instituições mais tradicionais no ramo, principalmente no sentido de utilização de sensoriamento remoto, tecnologia que já se encontra suficientemente amadurecida para imediata aplicação6.

1 REZENDE, J.V. Uso da Internet pelos agricultores aumenta 27% em SP, no período de um ano. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=754. Acesso em 30/12/2003.
FRANCISCO, V.L.F.S. Acesso do setor rural à Internet no Estado de São Paulo. Informações Econômicas, SP, v.33, n.5, p. 53-56, maio 2003.Acesso em 30/12/2003.
Ver também FRANCISCO, Vera L.F.S.; PINO, Francisco A. Farm computer usage in São Paulo State, Brazil. Revista Brasileira de Agroinformática, v.4, n.2, p.81-89, 2002.
2 Média de um ano (out.2002-set.2003). Considerando-se apenas as dez URLs mais visitadas e desconsiderando-se visitas à página inicial e a menus obteve-se a seguinte distribuição: estatísticas agrícolas (72%), análises e artigos (13%), publicações (6%), notícias (4%), outros (5%).
3 FAO. Rural digital divide distancing development, FAO warms: one billion bypassed by information revolution. Disponível em: http://www.fao.org/english/newsroom/news/2003/26167-en.html. Acesso em 11/12/2003.
4 A FAO promoveu em dezembro p.p. uma Conferência de Cúpula sobre a Sociedade de Informação (World Summit on the Information Society).
5 PINO, Francisco A. Estatísticas agrícolas para o século XXI. Agricultura em São Paulo, SP, v.46, n.2, p.71-105, 1999.
6 LUIZ, A.J.B. Estatísticas agrícolas por amostragem auxiliadas pelo sensoriamento remoto. São José dos Campos: Instituto de Pesquisas Espaciais, dez, 2003. (Tese de Doutoramento).

Data de Publicação: 07/01/2004

Autor(es): Francisco Alberto Pino (drfapino@gmail.com ) Consulte outros textos deste autor