Avanço da soja e recuo do feijão no Sudoeste Paulista

            A região sudoeste do Estado de São Paulo - definida neste artigo como a área composta por 41 municípios abrangidos pelos Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs)1 de Itapetininga, Itapeva e Avaré – caracteriza-se pela alta diversificação das atividades agropecuárias, com expressiva participação na produção paulista de frutas, olerícolas e grãos e de produtos animais. O produto líder de cada uma dessas regiões tem participação relativamente baixa no valor da produção agropecuária regional, em comparação com outras regiões. É a região maior produtora de feijão do Estado, nas duas safras mais importantes do ano (das águas, na primavera-verão, e da seca, no verão-outono).
            Nos últimos anos, mormente nos cinco mais recentes, o perfil agrícola do Sudoeste Paulista vem apresentando alterações significativas, com incorporação maciça de tecnologia nos sistemas de produção. Assim, por exemplo, o sistema de preparo do solo é predominantemente de plantio direto na palha. Muitos agricultores utilizam esta técnica há mais de 15 anos, abrangendo atualmente cerca de 70% a 80% da área de soja e milho na região de Itapeva e de 50% a 60% nas regiões de Avaré e Itapetininga. Trata-se de um grande avanço na sustentabilidade das lavouras anuais e perenes conduzidas na região, na medida em que implica em mudanças no planejamento e manejo das culturas em sistemas de sucessão, preservando a capacidade produtiva dos solos.
            As culturas de grãos mais importantes na região são milho, soja e feijão das águas, no período de primavera-verão (primeira safra), milho safrinha, feijão da seca no verão-outono (segunda safra) e trigo, triticale e aveia preta no período de outono-inverno (terceira safra ou de inverno), conduzidas no sistema de sucessão de atividades, com emprego do plantio direto. A área do triticale, em particular, expandiu-se significativamente nos últimos anos, substituindo parcialmente o trigo, em função de sua rusticidade e baixo custo de produção. A aveia preta entra no esquema de plantio direto como fonte de palhada.
            As áreas plantadas das principais culturas, na região sudoeste, apresentaram as seguintes variações, comparando-se o ano de 2003 com 1999: soja, expansão de 158% ou 28,5 mil hectares (238% no EDR de Itapeva); milho de verão, redução de 5%; milho safrinha, aumento de 88%; feijão das águas, diminuição de 15% (10 mil hectares); e feijão da seca, retração de 27% (16 mil ha). A área de pastagem cultivada recuou 2% (13 mil ha). Especificamente na região (EDR) de Itapeva, a maior produtora de feijão do Estado, a retração da pastagem foi de 25% (48 mil ha). A pastagem natural da região sudoeste retraiu 10% (19 mil ha).
            Estes números demonstram um processo de reestruturação produtiva da agropecuária regional, com o avanço da soja sobre a cultura de feijão e as pastagens degradadas. Os produtores de feijão que migram para a cultura da soja são detentores de grandes áreas de cultivo e usuários de tecnologia de nível elevado.2 Os produtores de feijão, que fazem a sucessão feijão-batata ou batata-feijão, cultivam áreas menores e não deverão sofrer competição com a oleaginosa. Aparentemente, a cultura do milho também não sofreu impacto significativo com a expansão da área plantada com soja.
            A área de feijão, tanto no plantio das águas quanto no período da seca, tem sido substituída pela soja, em razão de maior rentabilidade, liquidez e segurança (na produção e na comercialização) da oleaginosa. A substituição na primeira safra ocorre pela substituição direta de área de plantio de feijão pela de soja e, na segunda safra, ocorre não somente por este meio mas também pelo 'efeito mosca branca/mosaico dourado'.3
            Esse fenômeno ocorreu no início da década de 1970 no Paraná, com a expansão da área de soja provocando a queda da área de feijão da seca e está se repetindo no Sudoeste Paulista, com o aumento explosivo da área plantada com a oleaginosa. A causa da inviabilidade do plantio do feijão da seca em proximidades de lavouras de soja é a migração da mosca branca (uma cigarrinha da espécie Bemisia tabaci) das plantas de soja para as de feijão, transmitindo o vírus do mosaico dourado. Os prejuízos no feijão com essa doença são elevados e o custo do controle, através da aplicação de defensivos, tem sido proibitivo, tornando praticamente inviável a atividade no período tradicional da seca.
            A expansão e a consolidação da soja como atividade agrícola no Sudoeste Paulista, acoplada ao uso do sistema de plantio direto, vem provocando modificações importantes no planejamento das demais lavouras temporárias de interesse na região. Assim, por exemplo, o desenvolvimento da sucessão soja-milho safrinha, comum na região do Médio Vale do Paranapanema (EDRs de Assis e Ourinhos), torna-se difícil na região em análise e dependente do início da estação chuvosa, em função de o clima da região propiciar ocorrência de geadas precoces.
            As sucessões trigo (ou triticale ou aveia preta)-feijão da seca (com plantio em meados de dezembro), feijão das águas-milho safrinha (com plantio em janeiro) e soja-trigo (ou triticale ou aveia preta) são outras possibilidades viáveis na região, mormente no EDR de Itapeva, onde é mais extensa a área com topografia mais favorável à mecanização das operações agrícolas. Especificamente, a viabilidade do feijão da seca de subsistir à infestação da mosca branca fica condicionada à semeadura antecipada, em meados de dezembro, visando sincronizar o ciclo da cultura com o período de menor população do inseto vetor do mosaico dourado nas lavouras de soja das imediações.
            Uma das mudanças no processo de ocupação dos solos do sudoeste, mais especificamente na região de Itapeva, tem sido implementada através de arrendamento de terras de pastagens por agricultores do vizinho Estado do Paraná, onde a disponibilidade de áreas agricultáveis é escassa. Com o aumento da demanda de terras para cultivo, os preços de arrendamento subiram acentuadamente nos últimos anos, situando-se no momento entre R$ 400,00 e R$ 500,00/ha/ano.
            As considerações acima permitem concluir que, com a tecnologia disponível no momento e mantidas as condições de atratividade das culturas da soja e do feijão e do problema crônico do mosaico dourado, a soja tende a expulsar o feijão no Sudoeste Paulista, reproduzindo fenômeno ocorrido há cerca de 30 anos no Estado do Paraná.

1A lista dos municípios componentes dos Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs) pode ser verificada no site da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo: www.cati.sp.gov.br

2 TOMAZELA, J.M. Soja invade área tradicional de milho e soja. O Estado de S. Paulo, 31 jul. 2002. Suplemento Agrícola, p.6

3 TOMAZELA, J.M. Opção por soja provoca redução na área de feijão. O Estado de S. Paulo, 19 fev. 2003. Suplemento Agrícola, p.7

Data de Publicação: 25/02/2004

Autor(es): Alfredo Tsunechiro (tsunechiro@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor