Protocolo Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro Paulista: ações visando à preservação ambiental

 

            A atividade canavieira historicamente foi alvo de críticas pelos métodos utilizados na produção que degradavam o meio ambiente, bem como pelas relações de trabalho muitas vezes frágeis do ponto de vista da legislação trabalhista. O problema mais visível para os moradores das localidades produtoras de cana-de-açúcar era a queima da palha para fins de colheita manual, a qual trazia problemas de ordem ambiental, de exaustão física do trabalhador e de saúde pública relacionado aos moradores do entorno, de tal forma que tanto o Ministério Público da esfera estadual quanto o da federal, atentos aos anseios da sociedade civil, passaram a entrar com ações civis públicas de proibição da queima, em várias regiões do Estado de São Paulo, principalmente nas regionais de maior produção de cana-de-açúcar.
 

            O Estado, representado pelas Secretarias de Estado da Agricultura e Abastecimento (SAA) e do Meio Ambiente (SMA), de forma pró-ativa, procurou o setor canavieiro, em conjunto com a entidade representativa do setor, a União da Indústria da Cana-de--açúcar (UNICA), para discutir formas e ações a fim de minimizar as externalidades negativas advindas da produção canavieira paulista. Após longas reuniões, discussões e acertos políticos e técnicos entre os representantes do governo e do setor, chegaram a um acordo que culminou com a assinatura em junho de 2007 do protocolo de cooperação, cujo objeto é promover a cooperação técnica e institucional entre as partes de forma a criar condições que viabilizem, de forma objetiva e transparente, o desenvolvimento de um conjunto de ações para consolidação do processo de desenvolvimento sustentável do setor canavieiro no Estado de São Paulo, denominado de Protocolo Agroambiental. Em março de 2008, esse protocolo também foi firmado com os produtores/fornecedores de cana-de-açúcar representados pela Organização de Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (ORPLANA).
 

            Vale salientar que a adesão ao referido protocolo é voluntária, pelo qual os produtores de cana-de-açúcar e as indústrias que a processam se comprometem a respeitar as diretivas técnicas1 descritas nele.
 

            O Protocolo Agroambiental tem como principais objetivos: o fim da queima, a conservação do solo, a preservação das matas ciliares e nascentes, a diminuição do uso da água na indústria entre outras ações. Nestes cinco anos de existência do Protocolo Agroambiental, o grupo executivo - formado por representantes da SAA, SMA e da UNICA -, em suas visitas de acompanhamento das ações desenvolvidas pelas signatárias ao protocolo, observou mudanças significativas no compromisso das usinas com relação às questões ambientais previstas nas diretivas técnicas entre as partes envolvidas (Figura 1).
 
 

 
Figura 1 - Colheita Mecanizada de Cana-de-açúcar.
Fonte: TORQUATO, S.A. Foto da colheita mecanizada. Jul 2009. 1 fotografia.
 
 

            De 2007 a 2011, as usinas programaram, aperfeiçoaram e/ou iniciaram projetos que visavam tornar o processo produtivo mais adequado e em linha com o modelo da preservação ambiental.
 

            Segundo Torquato, Martins e Ramos (2009)2, o modelo antigo de produção canavieira não considerava de grande importância o meio ambiente no processo. O advento do Protocolo Agroambiental colaborou para que as questões ambientais fossem internalizadas com mais intensidade pelo setor canavieiro. Conforme o Relatório Brundtland3, publicado em 1987,
 

nessa nova visão das relações homem-meio ambiente, não existe apenas um limite mínimo para o bem-estar da sociedade; há também um limite máximo para a utilização dos recursos naturais, de modo que sejam preservados.


            Desta forma, os resultados do período de vigência do referido protocolo apontam para mudanças e/ou quebra de paradigmas no processo produtivo com preservação ambiental.
 

            No início deste processo, na safra 2006/07, a área colhida com cana crua era de 1,11 milhão de hectares, e até a última safra 2011/12, a área colhida com cana crua foi de 3,12 milhões de hectares, o que representa um aumento de 181% (Figura 2). Isso mostra a aceleração da mecanização da colheita da cana-de-açúcar como também a efetividade do compromisso com as metas de redução da queima propostas no Protocolo Agroambiental.
 

 
Figura 2 - Área Plantada, Área Total Colhida, Colhida com Queima e Colhida Crua de cana-de-açúcar, Estado de São Paulo, 2006/07 a 2011/12.
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Projeto Canasat/INPE.
 
 

            A Lei Estadual 10.547/00, alterada pela Lei 11.241/02, previa que a queima em 2011 fosse eliminada em 50% da área para corte, e para o protocolo essa exigência já era de 70%. Do início do protocolo até a última safra (2011/12), o percentual de cana colhida crua evoluiu de 34,2% para 65,2%, incluindo áreas das usinas e de fornecedores. Segundo informativo da SMA de 2012, nessa safra esse percentual foi de 81,3% para usinas e de 24,2% para os fornecedores.
 

            Com relação à diretiva preservação das matas ciliares e nascentes, segundo o informativo da SMA citado anteriormente, o setor canavieiro declarou 269.977 hectares de mata ciliar em seu domínio, sendo que 207.507 hectares com as usinas e 62.470 hectares em áreas de fornecedores. De acordo com levantamento feito pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral e Instituto de Economia Agrícola (CATI/IEA)4, essa área representa cerca de 10% do total da mata natural, que no último levantamento foi de 2,7 milhões de hectares no Estado de São Paulo.
 

            Outro ponto relevante é a diminuição do uso da água no processo industrial nas usinas signatárias. Segundo dados apresentados em Elia Neto (2005)5, na década de 1990 o consumo de água no processo tinha valores em torno de 5,6 m3/t de cana. Com o advento do uso racional da água nos processos industriais, houve a necessidade de aprimoramento de técnicas para fechamento do circuito com melhor aproveitamento e reutilização da água. Como consequência, houve uma redução no lançamento de água nos rios e/ou meios hídricos e diminuição do consumo. Outro fator que contribuiu para redução do consumo de água foi a eliminação progressiva da lavagem da cana para retirada de impurezas, com a adoção da colheita mecanizada.
 

            Dados levantados pelo Protocolo Agroambiental dão conta de que a média de consumo de água por tonelada de cana para as usinas signatárias foi de 1,45 m3 em 20116.
 

            Considerando a produção de cana em São Paulo nas safras 1990/91 e 2011/12 (139,4 milhões de toneladas e 308 milhões de toneladas, respectivamente), houve uma mudança significativa na captação de água para o processo de produção de açúcar e álcool, que foi reduzido de 780,6 milhões de m3 para 446,7 milhões de m3, apesar da expansão verificada no período7,8.
 

            Os esforços feitos pelas usinas signatárias do Protocolo Agroambiental demonstram que está em curso uma mudança na forma de se relacionar com o meio ambiente. Essa mudança também é reflexo do aumento da percepção e valorização do setor como da sociedade, no que diz respeito aos benefícios oriundos da preservação ambiental. É resultado também da pressão originada no mercado externo, que exige cada vez mais produtos com garantias de boas práticas agrícolas e ambientais.
 

            É importante ressaltar que a inovação na forma de relacionamento entre o público e o privado, neste caso usinas e o governo de São Paulo, mudou e trouxe consequências positivas, no que se refere à colaboração e compromisso do setor em adotar ações previstas nas leis e no protocolo.
 
 

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1As diretivas técnicas estão descritas no documento Protocolo agroambiental do setor sucroalcooleiro paulista. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>.

2TORQUATO, S. A.; MARTINS, R.; RAMOS, S. F. Cana-de-açúcar no Estado de São Paulo: eficiência econômica das regionais novas e tradicionais de produção. Informações Econômicas, São Paulo, v. 39, n. 5, p. 92-99, maio 2009.

3WIKIPÉDIA, A ENCICLOPÉDIA LIVRE. Relatório Brundtland - Nosso futuro comum (Our common future). 1987. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Relat%C3%B3rio_Brundtland#Refer.C3.AAncias>. Acesso em: 05 maio 2012.

4INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Coordenadoria de Assistência Técnica Integral - CATI. Banco de dados. São Paulo: IEA/CATI, 2011. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: jun. 2012.

5ELIA NETO, A. Captação e uso de água no processamento da cana-de-açúcar. In: MACEDO, I. de C. (Org.). A energia da cana-de-açúcar: doze estudos sobre a agroindústria da cana-de-açúcar no Brasil e sua sutentabilidade. São Paulo: Berlends & Vertecchia: UNICA, 2005. p. 108-109.

6SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE - SMA. Etanol Verde: fechamento safra 2011-2012. São Paulo: SMA, 2012. Disponível em: <http://www.ambiente.sp.gov.br/etanolverde/resultadoSafras.php>. Acesso em: jun. 2012.

7INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA – IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA, 2012. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2012.

8COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO - CONAB. Levantamento de safra. Brasília: CONAB, 2012. Disponível em: <http://www.conab.gov.br>. Acesso em: 28 jun. 2012.
 

Palavras-chave: Protocolo Agroambiental, cana-de-açúcar, colheita, água, mata ciliar.

Data de Publicação: 19/06/2012

Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Rejane Cecília Ramos Consulte outros textos deste autor