Café: potencial e limites para o avanço na cadeia de valor

            O que melhor define o Brasil para os estrangeiros é o carnaval, o futebol, a floresta amazônica e, invariavelmente, o nosso excelente café. De fato, no último século e meio lideramos o comércio internacional de café, sedimentando no imaginário coletivo mundial essa vocação. Ironicamente, é dessa herança que atualmente padecemos.
            O processo de industrialização do Brasil acelerou-se a partir do pós-guerra, após a adoção definitiva do modelo de substituição de importações. Sob sua vigência, o mercado interno era protegido, o que dificultava a entrada de produtos importados e induzia o empresariado nacional a implementar seus investimentos exclusivamente focados no abastecimento interno. Foi nesse momento que se criou um forte viés antiexportações na economia brasileira.
            No início dos 1990s, ocorre um esgotamento desse modelo. Percebeu-se que o mundo entrara na chamada globalização e o Brasil não poderia permanecer fechado aos produtos e serviços vindos do exterior. A desregulamentação, a abertura comercial e as privatizações ganharam respaldo político e social. Porém, as empresas mantiveram sua estratégia anterior, focada no mercado interno (e a sobrevalorização da moeda contribuiu bastante para que assim fosse).
            A falta de uma cultura exportadora, portanto, não é privilégio da indústria de torrefação e moagem de café. Existem razões históricas e decisões econômicas que conduziram a essa situação. O torrado e moído (T&M) é o segmento do agronegócio que praticamente não aparece na pauta de exportações brasileiras, exemplificando a hipótese acima formulada.
            Até 1990, um fator agravante foi o País ter uma superestrutura de controle do agronegócio que inviabilizava qualquer iniciativa. Aos torrefadores eram destinadas cotas de café para processamento, e o produto final tinha que respeitar os preços constantes em tabela oficial.
            Atualmente, pagamos o preço dessa tutela sobre a indústria de torrefação. Constrange a revelação de que países como Alemanha, Itália e Estados Unidos faturam, por meio da aquisição, processamento e reexportação do café brasileiro, mais que o Brasil consegue obter fornecendo café verde rebeneficiado para esses países. Esse fato reforça ainda mais o estigma de que somos meros vendedores de matérias-primas com baixo valor agregado para terceiros, esses sim com capacidade transformá-las e tirar enorme proveito com essa atividade.
            Nos países-líderes na exportação de T&M, há o domínio de tecnologias relevantes, como a de envasamento do produto. A embalagem a vácuo foi efetivamente disseminada no Brasil somente na segunda metade dos anos 90s, demonstrando o relativo atraso do País. O Brasil também teve que investir em termos de conhecimento em formação de ligas e na introdução de inovações importantes de torrefação e de moagem. Somente dominando esse conjunto de capacidades pode vislumbrar-se o País no rol dos exportadores de T&M.
            Para que resulte em sucesso a iniciativa de internacionalização das torrefadoras, outras decisões deverão ser tomadas. O processo inicia-se com a participação em feiras e exposições internacionais para depois se contratar pesquisas de mercado que levem em conta inclusive as peculiaridades culturais do mercado focalizado.
            É preciso registrar a marca e monitorar eventuais piratas que falsificam o produto; selecionar um parceiro/sócio para operar a logística no destino; colaborar financeiramente com esse sócio nas despesas de divulgação e promoção do produto e elaborar contratos com base nas leis do país importador e em seu código de defesa do consumidor. Finalmente, a torrefadora precisa contratar profissionais com capacitação em comércio exterior e diminuir, ou eliminar, a rotatividade da mão-de-obra para entrar de forma confiável nas exportações.
            Certamente é complexa a decisão de trazer para o Brasil as divisas que os importadores ganham processando nosso café. Os empresários da torrefação, sobretudo os que entraram na atividade nos últimos cinco anos, conhecem essas dificuldades. Tanto que, em vez de ficar apenas observando esse tremendo potencial, deram início a tímidos embarques.
            Somando perspicácia e audácia, o Brasil terá chance de construir, no médio prazo, um novo pólo de negócios, aumentando assim a competição pela matéria-prima com possibilidade de repercutir diretamente sobre os preços recebidos pelos produtores; notadamente para aqueles que fizerem da qualidade sua principal orientação de trabalho.

Data de Publicação: 23/04/2004

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor