Questões recentes sobre o setor sucroalcooleiro: algumas perguntas e respostas

            Normalmente, um bom jornalista consegue levantar questões1 que traduzem problemas atuais de um segmento social ou produtivo da economia. Acaba sendo frequente que elas contenham uma pauta de reflexão para um horizonte de médio e longo prazos, que podem traduzir uma demanda da sociedade tanto para difundir conhecimentos como para discuti-los, quando colocam pontos de vista alternativos. Estes, por sua vez, de alguma maneira ajudam a enriquecer o debate, se não pela originalidade das idéias ou conclusões, pelo menos para evitar que outros cometam os mesmos erros de avaliação.
            Assim, com o intuito de contribuir aos que estudam ou decidem os destinos dessa importante cadeia agroindustrial brasileira, selecionamos algumas informações e as divulgamos, por meio de perguntas e respostas.
            Qual a produção nacional de açúcar? Quanto o Brasil exporta? Quais os maiores mercados?
            Resposta: A produção brasileira de açúcar, segundo o USDA, para a safra 2001/02 é de 16,75 milhões de toneladas (raw sugar), enquanto a estimativa da safra anterior 2000/01 foi de 17 milhões de t (raw sugar). A previsão da exportação brasileira é de 8,4 milhões de t (raw sugar) para a safra 2001/02, exportando, portanto, 50% da produção.
            A participação do Brasil no comércio mundial de açúcar está em média acima de 20% do total, tendo sido o País o maior exportador mundial de açúcar nos últimos cinco anos. Em 2000/01, exportou 7,7 milhões de t (raw sugar); em 1999/00, 11,3 milhões de t; em 1998/99, 8,75 milhões de t; e em 1997/98, 7,2 milhões de t.
            Os principais mercados para o açúcar brasileiro estão na África, na Ásia e na antiga União Soviética. Ressalte-se a maior importância da região norte da África, seguida dos países pertencentes ao Oriente Médio, onde se destacam a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Irã, todos países produtores de petróleo. Finaliza-se com a região dos países da antiga União Soviética, com absoluto destaque para a Rússia, histórica e individualmente o maior país importador do açúcar brasileiro.
            Em 2000, a cana contribuiu com quanto no valor da produção da agropecuária de São Paulo?
            Resposta. A participação da cana-de-açúcar no valor da produção da agropecuária paulista tem sido na faixa de 25% a 33% (ver tabela abaixo). Até 1997, foi crescente, depois caiu para 25% em 1999, talvez o pior ano, recuperando para uma participação de 32%, tal como o fora anteriormente. Em 2000, a recuperação foi bastante alta, com o seu valor da produção crescendo de R$3,6 bilhões para R$4,81 bilhões, um significativo aumento de preços para a matéria-prima de 34%. Nesse contexto é importante ressaltar os efeitos para a economia dessa fase de expansão da cana, que se refletiu basicamente na maior demanda por insumos (principalmente herbicidas e adubos químicos) e por máquinas (tratores, carregadoras, principalmente colhedoras, equipamentos para usinas, etc.) e na geração de empregos, que saiu de 222,7 mil em 1999/00 para 233,2 mil em 2000/01, um aumento de 5% na ocupação do trabalho agrícola, segundo dados do Sensor Rural-SEADE, além de outros efeitos positivos como geração de renda, maior arrecadação de impostos e aumento do comércio regional.
            Valor da Produção da Agropecuária de São Paulo (bilhões de reais)
 

 
1995
1996
1997
1998
1999
2000
Cana
3,63
4,14
4,37
4,33
3,60
4,81
Total Estado
13,87
12,34
13,58
14,84
14,12
15,03
Participação
28%
33%
32%
29%
25%
32%

            Em valores constantes de dezembro de 2000.
            Fonte: Tsunechiro, et al, 2001.

            Qual é a atual situação do setor sucroalcooleiro no Brasil?
            Resposta. Do ponto de vista conjuntural, a situação é bem melhor do que a de dois anos atrás. Naquela ocasião, havia um grande estoque excedente de álcool que colocava pressões baixistas nos preços. Ao mesmo tempo, esse fato ajudou a direcionar a matéria-prima para a produção de açúcar e isso, junto com nossa participação crescentemente maior no mercado externo, também colaborou para pressionar os preços internacionais de açúcar para baixo, além do fato de haver recorrência de excedente de oferta em relação à demanda mundial. Assim, o mercado doméstico para os produtos dessa agroindústria e o mercado externo não eram rentáveis. Esse quadro mudou após o esforço tanto do setor quanto do governo no sentido de revertê-lo através de várias medidas que ocorreram junto com outros fenômenos significativos: compras governamentais de álcool, regulação privada de estoques e incentivos à compra de carros a álcool através do fornecimento de cota de álcool. Além disso, o menor cuidado com tratos culturais, aliado à ocorrência de severa restrição climática na safra 2000/01, afetou bastante a produção de cana. Somente em São Paulo a queda foi de mais de 20%, caindo por volta de 46 milhões de toneladas, o que, somada à queda de 10 milhões de toneladas no restante dos estados produtores do centro-sul, totalizou 56 milhões de toneladas a menos na produção, em relação à safra anterior. Este é um número vigoroso, que impressiona pela magnitude e que repercutiu fortemente na recuperação dos preços de açúcar e de álcool no mercado interno.
            Isso também ajudou a recuperar os níveis de preços no mercado externo, embora a exportação acima de 11 milhões de toneladas de açúcar pelo Brasil no ano de 1999 - que representou um aumento de quase 43% em relação à exportação de 1998 - tenha induzido a uma formação de expectativa de preços pessimista no mundo açucareiro. O medo internacional era de que o Brasil poderia inundar esse mercado se as condições de recuperação interna não se mantivessem, o que, aliás, é uma ameaça permanente aos olhos de nossos competidores externos.
            Então, o quadro atual permitiu uma recuperação de rentabilidade para o setor como um todo, mas sua continuidade não está garantida posto que já nesta safra de 2001/02 o aumento estimado de produção de cana estava em 10%, a qual deve continuar a crescer no próximo ano-safra, o que significa, novamente, voltarmos a conviver com uma situação de pressões baixistas nos preços internos. Ao lado disso, pelo mercado externo as condições são de permanência de preços em patamares baixos (em torno ou abaixo de US$ 7 centavos por libra-peso para os produtos de referência, conforme mostram as cotações para o mercado futuro), dado que as estimativas de produção mundiais de cana-de-açúcar são de continuidade nessa situação de excesso de oferta em relação à demanda. Ademais, deve-se levar em conta que pode ser que haja arrefecimento no processo de desvalorização do dólar, tirando essa vantagem competitiva mais imediata.
            Ou seja, nas condições atuais dos mercados interno e externo, o atual ciclo de expansão pode ter sua vida encurtada, a não ser que se decida adotar uma nova estratégia, que já se desenha com grande possibilidade de êxito, qual seja a de repensar os mercados de álcool interno e externo, pois de sua resolução depende a regulação do setor sucroalcooleiro. Esclarecendo: a possibilidade que existe de moer a cana prioritariamente para açúcar ou para álcool, dependendo da sua relação de preços, gera uma instabilidade nesses mercados, tanto pela possibilidade de haver excesso de oferta como pela de haver falta desses produtos. A maneira correta de evitar essa instabilidade intrínseca é estruturar mecanismos que permitam o gerenciamento dos estoques e do fluxo de produção do álcool e a busca de novos mercados, através de: a) incentivar novamente a compra de carros a álcool, b) utilizá-lo como combustível para as novas tecnologias de motores e que é um horizonte de exploração para o longo prazo, e, por fim, c) transformá-lo em commodity ambiental, a meu ver a grande janela de oportunidade aberta para o setor e, frise-se, reconhecida pelas suas lideranças e pelo governo.
            Principalmente por pressão do Ministério Público que quer a proibição das queimadas de cana, muitas usinas têm adotado a colheita mecânica. Como está essa situação?
            Resposta: Essa questão exige uma certa elaboração prévia. Há várias fontes de indução de mudança técnica, como é o caso da colheita mecânica de cana-de-açúcar. Uma primeira fonte de estímulo vem configurada pelo aumento de custos de produção da colheita manual ou redução dos mesmos com a adoção da colheita mecânica, pela falta de mão-de-obra e pelo aumento de rentabilidade da atividade, que permite fazer o investimento nessa estratégia da mecanização, para aumentar a eficiência como um todo do processo produtivo agrícola, entre outros. Uma segunda fonte vem pelo lado da disponibilidade da máquina em termos de acesso à assistência técnica, ao domínio da operação com maior eficiência técnica, ao manejo apropriado do processo produtivo da cana adequando-o à mecanização, aos terrenos aptos à mecanização, etc. E, por fim, existe outra fonte que vem do ambiente institucional-legal e que exerce pressão em função de interesses sociais, partidários ou econômicos.
            Todas essas fontes funcionam, estimulando ou não, algumas vezes se anulando, outras vezes potencializando suas forças, de forma que em cada período é preciso analisar o conjunto das fontes e verificar qual ou quais estão exercendo as maiores pressões.
            O se quer dizer com toda essa argumentação é que o processo de mecanização da colheita vem de longa data, tendo se iniciado em meados da década de 1970, quando se começou a adoção das colhedoras em São Paulo, em número significativo. Esse processo teve origem na necessidade de se resolver problemas tópicos de escassez de trabalho e também estimulado pela direção geral do processo de mudança técnica no processo de produção da cana em São Paulo, o qual já vinha ocorrendo com maior força pelo menos desde a década dos sessenta. Sua ampliação acabou por não ocorrer durante os anos oitenta e parte dos anos noventa por uma série de fatores, entre eles as crises econômicas pelas quais o Brasil passou, a instabilidade do próprio setor em termos de rentabilidade, salários não muito altos que estimulassem a troca do sistema de colheita, desenvolvimento técnico das máquinas não satisfatório em termos de desempenho, quando comparado com o sistema manual de colheita e suas repercussões no rendimento industrial de açúcar, e assim por diante. Já a partir de meados dos anos noventa, instalaram-se montadoras no Brasil, o desenvolvimento técnico das máquinas foi relevante, o domínio dessa técnica em termos de operação e a adaptação das lavouras à mecanização da colheita já estavam bem adiantados (é bom lembrar que essa experiência de adotar colheita mecânica de cana para a extensão de área de cultura como a do Brasil é inédita no mundo), acontecendo em seguida o boom, no final dos anos noventa e início de 2000, quando esses fatores técnicos positivos juntaram-se aos estímulos de preços da cana, do açúcar e do álcool.
            Assim, a pressão exercida pelo MP de São Paulo faz parte de um amplo conjunto de fatores. Sua contribuição, a meu ver, está mais no estímulo à adoção da colheita de cana crua, pois centra-se em resolver a questão das queimadas. E, para isso ocorrer, somente será viável economicamente se houver a mecanização dessa etapa do processo produtivo. Pode-se considerar, também, que a ação do MP obriga a apressar essa mudança técnica, embora aumentem os custos para os que estão menos preparados para isso, como os pequenos fornecedores de cana.
            Por outro lado, não se pode negar a legitimidade da ação do MP, o qual representa os interesses da sociedade nessa questão ambiental, que passou a ter importância crescente. Por isso é que esse processo todo é conflitante e precisa ser continuamente negociado entre as partes para que as soluções técnicas possam surgir.
            O Brasil está preparado para a colheita mecanizada? Nesse tipo de operação há muitas perdas? Há uma estatística da extensão das áreas onde é feita a colheita mecânica?
            Resposta. A primeira pergunta é complexa. Estar preparado para a colheita mecânica significa conhecer bem suas consequências positivas e negativas. Para exemplificar, vamos ficar apenas em dois grandes problemas: o da questão técnica e o da questão do emprego. Pelo lado da questão técnica, pode considerar-se que houve grandes avanços e atualmente tem-se um equipamento bastante eficiente (evidentemente não estão exauridas as possibilidades de se obter novos incrementos técnicos), com bastante domínio sobre os procedimentos operacionais de utilização. Porém, a questão do emprego é mais delicada, uma vez que cada colhedora em uso substitui de 40 a 60 trabalhadores, criando cinco ou seis postos de trabalho exigentes de qualificação. Ou seja, uma parte desses trabalhadores que não esteja entre esses cinco, ou que não possua potencial de re-qualificação, estará eliminada, sujeitando-se a viver do subemprego. E aí nossa sociedade e nosso governo não estão preparados para solucionar plenamente esse grave problema social.
            Relativamente às estatísticas, para São Paulo, por exemplo, um levantamento efetuado pela Secretaria da Agricultura em conjunto com a UNICA, na safra 1999/00, detectou a seguinte situação. Do total da área colhida, 71% foram através do sistema manual e 29% através do sistema mecânico, ou seja, praticamente um terço da área total era colhida mecanicamente, representando um total de aproximadamente 430 mil hectares. A região mais mecanizada é a de Ribeirão Preto, com 51% da área colhida com máquina, seguida da região de Jau, com 42%, e das regiões de Orlândia e de Jaboticabal, ambas com 32% de colheita mecânica.
            A mecanização não acaba compactando o solo? Há como minimizar esse problema?
            Resposta. Sim. Dependendo do tipo de solo, ocorre maior compactação e isso já foi detectado. A solução usada é utilizar, por exemplo, máquinas com esteiras e evitar de entrar com caminhão no campo para acompanhar a colhedora, substituindo-o por tratores, com pneus de alta flutuação, tracionando carretas, conjunto esse que acompanha a colhedora para efetuar a recepção da cana colhida no campo, transbordada em seguida para outro equipamento com grande capacidade de lotação, o qual apenas transita nas estradas rurais, não entrando, portanto, no campo.
            Em relação à colheita mecanizada, novas tecnologias estão surgindo?
            Resposta. Sim. As montadoras, as instituições de P&D relativas ao assunto e os usuários estão continuamente desenvolvendo novas técnicas, aproveitando novos materiais, fazendo melhorias nos sistemas da máquina, desenvolvendo novos procedimentos operacionais e assim por diante. Ressalto duas novidades nessa área, sendo uma organizacional e outra estritamente técnica. A primeira diz respeito ao surgimento de empresas prestadoras de serviços de mecanização, especialmente de planejamento e execução de colheita, com frentes de máquinas adequadas a esse processo, sendo bastante viável a muitos produtores contratar esse tipo de serviço. Tenho a impressão de que esse novo segmento vai aumentar cada vez mais.
            No segundo caso, trata-se de tecnologia para uma questão crucial da máquina, relativa ao procedimento do corte do colmo. No sistema usual, o ajuste é feito pelo operador, através de nível, e fica fixo durante o corte. Na forma nova, que está sendo estudada e desenvolvida, o operador ajusta o dispositivo de corte, o qual durante o corte passa a acompanhar as ondulações do terreno, sendo conhecido com corte de base flutuante.


1 As questões foram formuladas pelo jornalista José Renato de Almeida Prado, no início de novembro de 2001, como parte de uma matéria elaborada para publicação em revista especializada em assuntos de agropecuária.


Data de Publicação: 01/01/2002

Autor(es): Alceu De Arruda Veiga Filho Consulte outros textos deste autor