Relações Brasil-China: os desafios para aumentar os negócios bilaterais

            A maior missão de empresários brasileiros rumo à China, de que se tem notícia, embarca na última semana de maio, junto com o presidente da República, em busca de novos desafios e negócios. A viagem ganha importância na medida em que abre perspectivas de ampliação das relações comerciais e culturais entre os dois países, com a prospecção de novas oportunidades de investimento por brasileiros na China e por chineses no Brasil. A China é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, com volume de negócios em torno de US$ 7,6 bilhões em 2003.
            Pouco antes do embarque da missão brasileira, o International Finance Corporation (IFC)1, do Banco Mundial, promoveu , nos dias 11 e 12 de maio na sede da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F)2 em São Paulo, a conferência 'Oportunidades de investimento Brasil-China', em conjunto com o governo brasileiro e o Consulado Geral da China em São Paulo. O evento, que pode ser considerado preparatório à viagem, foi patrocinado, além da BM&F, por Brazil Trade Net3, Confederação Nacional da Indústria (CNI)4, Companhia Vale do Rio Doce5, revista Latin Finance6 e Noronha Advogados7.
            Nos workshops e mesas redondas, ficou evidente que o futuro das relações comerciais entre Brasil e China deve ser construído, não sobre o imediatismo da boca do caixa, mas sim sobre um relacionamento alicerçado em confiança, transparência, paciência e persistência. Como disse o executivo José Rubens de la Rosa, da Marcopolo8 , empresa que fabrica ônibus na China, as relações entre empresários ou de empresários com o governo devem ser francas e as questões bem discutidas, pois o chinês tem uma abordagem holística diferente da abordagem linear ocidental. A confiança entre os parceiros faz com que o contrato fique relegado a segundo plano, de acordo com o advogado João Ricardo Ribeiro, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr.e Quiroga Advogados que também atua na China.
            O governador Blairo Maggi destacou a localização geográfica central e o potencial de produção de grãos do Mato Grosso, projetado para 45 milhões de toneladas na safra 2011/12 embora estime que o Estado tenha capacidade de atingir as 100 milhões de toneladas. No entanto, Maggi assegurou, em resposta às críticas internacionais, que não há riscos ao meio ambiente estadual muito menos à floresta amazônica. Porém, admitiu problemas de superposição com o governo federal na área de fiscalização de danos ambientais, o que promete solucionar em breve.
            O governador também reconhece que o aumento da produção esbarra no gargalo da logística, especialmente no setor de transporte, o que exige elevados investimentos em ferrovias, hidrovias e rodovias. Problema este reforçado por Sérgio Mendes, diretor geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (ANEC)9, que apontou como exemplo a defasagem na capacidade de escoamento do Porto de Santos. Tanto que o Brasil já vem pagando pesadas multas por não entregar no prazo o produto exportado. 'Como entregar no prazo, se não tem infra-estrutura?', questiona Maggi. Uma alternativa é a saída para o Oceano Pacífico, cujo projeto arrojado, com investimentos privados, é defendido pelo presidente da BM&F, Manoel Felix Cintra Neto. Entre estradas e porto, o projeto custaria R$ 9 bilhões e reduziria em 15 dias o custo de frete para o Sudeste Asiático, além de estimular o desenvolvimento da região Oeste.

                Joint-ventures - As dificuldades de financiamento para investimentos existem tanto na China quanto no Brasil. Karin Finkelston, senior manager do IFC Beijing, aponta oportunidades para empresas brasileiras na China, em áreas como o programa de privatização e a reforma do setor financeiro. Porém, considera difícil uma empresa brasileira conseguir crédito em banco chinês. Escritório de representação obter financiamento local, então, nem pensar, diz o advogado João Ricardo.
            A senha é fazer joint-venture com empresa chinesa. Ao que Antonio Carlos Simas, do escritório da IFC no Rio de Janeiro, considera bastante viável uma vez que o parque manufatureiro do Brasil é fonte inesgotável de oportunidades para negócios na China. Para José Augusto Fernandes, diretor executivo da CNI, a China pode ser o espaço para o segundo estágio de internacionalização da indústria brasileira, com a exportação de marca. Mas para isso as empresas brasileiras precisam incorporar na sua estratégia o efeito China. Por exemplo, ampliar o conjunto dos produtos exportados para o país asiático nos quais o Brasil é competitivo (são cerca de 600 produtos vendidos nos Estados Unidos contra apenas 200 no mercado chinês).
            A Embraer10, que acaba de montar o primeiro avião brasileiro na China, planeja produzir até duas aeronaves por mês. A Embraer fez uma joint-venture com duas empresas chinesas na qual detém 51% do capital. Transferência de tecnologia para os chineses é a chave do acordo, segundo o vice-presidente de qualidade corporativa e organização Ladislau Cid. Ele aponta como desafios as diferenças culturais, idioma, burocracia e processo complexo de vendas. Além disso, José Rubens, da Marcopolo, ressalta a importância de o governo chinês aperfeiçoar os mecanismos regulatórios de proteção à propriedade intelectual, de maneira a evitar que continue a ocorrer cópia de produtos de empresas brasileiras e de outros países.
            O governador Blairo Maggi defendeu acordos de dupla-mão que assegurem investimentos chineses em infra-estrutura de transportes e portos no Brasil e conseqüente colocação do produto brasileiro no mercado chinês como forma de dividir ganhos e riscos. Nesse sentido, Qi Lin Fa, ministro conselheiro da embaixada da China no Brasil, ressaltou a importância de o presidente Lula firmar acordos de cooperação tecnológica e comercial com o governo chinês.
            A ampliação das relações comerciais com a China foi resumida nas palavras necessidade, oportunidade e possibilidade. Os dois países têm necessidades a serem atendidas, o que gera oportunidades para empresários lá e cá que aumentam as possibilidades de negócios. A China tem um volume de comércio com o resto do mundo próximo aos 800 bilhões de dólares e reservas de cerca de 450 bilhões de dólares. Toda empresa que pretende ser player mundial precisa fixar-se no mercado chinês, aconselha José Rubens, da Marcopolo.
            Entre as vantagens competitivas da China, o advogado Durval Noronha, da Noronha Advogados que atua na China desde 1998, destacou a estrutura tributária simplificada, com base no imposto sobre valor agregado (IVA) e no imposto de renda. A partir de 2005, a incidência do IVA será transferida da produção para o consumo, numa aposta no futuro visto que, num primeiro momento, poderá haver perda de receita. A carga tributária menor sobre a produção aumenta a competitividade nas exportações e beneficia o crescimento econômico.
            Em resumo, o Brasil tem imensas oportunidades de aumentar o comércio com a China, inclusive tornando-se um exportador preferencial de alimentos e commodities minerais, além de produtos de marca fabricados em parceria com empresas chinesas. Mas duas questões-chave precisam ser enfrentadas: acesso a financiamento e garantia de volume de vendas a preço competitivo.
            No primeiro caso, tanto Wolfgang Bertelsmeier, do IFC, quanto Shen Qing, cônsul geral da China no Brasil, foram categóricos: empresários e setor público devem preparar projetos factíveis e atraentes para investimentos nos dois países. No segundo caso, a receita de José Rubens, da Marcopolo, é construir redes de relacionamento através das quais se possa garantir fatias do mercado chinês.
            De qualquer forma, o Brasil só vai conseguir ampliar exportações para a China na medida em que o governo defina regras claras para orientar a decisão de investidores (privados, públicos e de agências financiadoras) no financiamento de obras de infra-estrutura, em áreas como transportes, portos e energia. Apontam-se mais comumente a falta de definição clara de marcos regulatórios e do papel das agências reguladoras, bem como a aprovação no Congresso das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Como faz o governo paulista, cuja lei das PPPs, aprovada pela Assembléia Legislativa, já deverá ser utilizada para convencer os chineses a investirem no Estado.
            Do lado chinês, espera-se que o governo não erre na dose e desestimule as importações, ao promover a desaceleração da economia, que cresce em torno de 9% ao ano. Mas que, segundo analistas, estaria ameaçada pelo excesso de crédito no mercado doméstico, pelo superinvestimento no setor imobiliário tanto residencial quanto empresarial e pela ameaça da inflação.

1 IFC: www.ifc.org
2 BM&F: www.bmf.com.br
3 Brazil Trade Net: www.braziltradenet.gov.br
4 CNI: www.cni.org.br
5 Vale do Rio Doce: www.cvrd.com.br
6 Revista Latin Finance: www.latinfinance.com
7 Noronha Advogados: www.noronhaadvogados.com.br
8 Marcopolo: www.marcopolo.com.br
9 ANEC: www.anec.com.br
10 Embraer: www.embraer.com.br

Data de Publicação: 19/05/2004

Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor