A cultura da seringueira e a reserva legal

            A freqüente discussão das questões ambientais pela sociedade, e conseqüente maior entendimento do tema, tem provocado uma constante restrição ao uso indiscriminado de fatores de produção e das melhores alternativas tecnológicas, limitando a atividade produtiva da iniciativa privada, tanto no âmbito da indústria quanto no da agropecuária.
            Vêm contribuir para este movimento os recentes acontecimentos climáticos que refletem um certo recrudescimento de alterações globais nas freqüências destes fenômenos, tais como grandes precipitações e/ou secas, usualmente atribuídas à elevação da temperatura média global como resultado do chamado 'efeito estufa'.
            No âmbito nacional, pode-se citar a ocorrência do ciclone catarinense de abril passado, o qual chamou a atenção até de instituições de pesquisa internacionais, uma vez que não haviam registros deste tipo de fenômeno no hemisfério sul. No Estado de São Paulo, exige constante atenção o baixo nível de reservas acumuladas pelas represas responsáveis pelo abastecimento da região metropolitana, bem como a ameaça do sistema de controle de uso da água mediante racionamento.
            Neste contexto, é bastante plausível prevermos que num futuro breve os representantes democráticos da sociedade irão dedicar maior atenção à questão da recomposição florestal do Estado de São Paulo, pois as florestas são as maiores responsáveis pela ampliação da capacidade de infiltração da água pluvial e conseqüente recarga dos aqüíferos, recuperando a vazão média dos rios e promovendo o efetivo reabastecimento de represas. Assim, além do surgimento de novos instrumentos legais, é de se esperar que ocorra a regulamentação da legislação referente à exigência da chamada área de floresta de reserva legal nas propriedades agrícolas.
            Dessa forma, o empresário agropecuário terá que se preocupar em encontrar atividades florestais cuja perspectiva de renda possa minimizar o impacto negativo que irá causar a perda significativa de áreas produtivas, as quais deverão ser destinadas ao florestamento. Esta perda poderá variar pois, dos 20% destinados à reserva legal, poderão ser deduzidas as áreas de proteção permanente.
            No leque de opções, a cultura de seringueira vem se firmando como uma alternativa bastante promissora. Trata-se de uma atividade agrícola que, ressalvada a questão do treinamento do sangrador, é de fácil condução, fixadora de mão-de-obra (uma virtude nestas épocas de altas taxas de desemprego), cujo produto principal, o coágulo de látex, tem mercado garantido, uma vez que o País é importador desta matéria-prima para alimentar a indústria de pneumáticos.
            Analistas do agronegócio da borracha natural apontam para um mercado firme, com preços em ascensão, por um período longo, uma vez que não há, no momento, capacidade produtora para suprir as necessidades da demanda mundial e investimentos na formação de novos seringais e/ou na renovação dos existentes, buscando ganhos de produtividade que certamente irão requerer um período de amadurecimento.
            Todavia, o fator limitante para uma ampla adoção desta oportunidade reside na necessidade de capital para a formação do seringal e no longo período de maturação do investimento, uma vez que somente após 7 a 8 anos começam as sangrias e retornos positivos no fluxo de caixa. Aos valores de abril de 2004, estima-se uma necessidade de cerca de R$8.000,00 para a formação de um hectare com 500 pés de seringueiras, os quais deverão produzir, a partir do 10o ano, quando entrarem em plena produção, cerca de 1500kg de borracha seca ou 3.000kg de coágulos, em uma relação aproximada de 2kg de coágulo para se obter 1kg de borracha seca.
            Os valores de custo e receita líquida podem variar em função da tecnologia empregada. A cultura da seringueira, que não é muito exigente em termos de suplementação mineral, em áreas de fertilidade de média a boa, por exemplo, pode fornecer uma produtividade compensadora mesmo sem adubação. Outra forma de redução de custos poderá dar-se através da adoção de sistemas de sangria mais espaçadas, desde um corte a cada 3 dias até um a cada 7 dias. O mais indicado irá depender das condições edafoclimáticas do local onde o seringal foi implantado e das próprias características resultantes da interação entre o fator genético do clone selecionado para plantio e o meio ambiente local.
            Ao preço atual recebido pelo produtor do Estado de São Paulo, de R$1,27 por quilo de coágulo, e consideradas as possibilidades do sistema de condução e sangria adotado no seringal, pode conseguir-se em um seringal adulto uma expectativa de até R$2.000,00 de receita líquida por hectare/ano - trata-se de um valor extremamente atraente. Com base neste indicador, a atividade certamente irá representar uma boa sugestão para diversificar a renda da empresa agropecuária e, de quebra, atender à legislação florestal, contribuindo para a manutenção do lençol freático.
            Entretanto, mesmo com a rentabilidade atraente, há o inconveniente do alto valor requerido para investir-se em um hectare de seringueira. Sabe-se ser possível ao produtor reduzir parte deste impacto através do plantio de grãos nas entrelinhas e, dessa forma, conseguir uma renda adicional de cerca de R$500,00 por hectare por ano (em duas safras anuais), desde o plantio até o 4o ano. Porém, ainda assim, é preciso caixa para suportar os anos seguintes com a despesa de formação e sem renda.
            Assim, para que seja fomentado o plantio, fazem-se necessárias medidas de financiamento e amparo ao produtor rural, para que ele tenha fôlego para o empreendimento. Neste sentido, é preciso que a indústria interessada na matéria-prima se movimente para propiciar crédito. Um programa com estes objetivos poderia ter o Estado como parceiro, a fim de atender principalmente ao pequeno produtor rural, e com muitas possibilidades de êxito, podendo concretizar-se em exemplo de atuação no sentido de fomentar a produção, o desenvolvimento rural e o amparo social, dada a característica de mão-de-obra intensiva da cultura.

Data de Publicação: 24/05/2004

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor