O mercado de commodities e o novo ano agrícola

            O novo ano agrícola, de 2004/05, defronta-se com um cenário imprevisto pelos produtores que já estavam acostumados com uma conjuntura totalmente favorável nos últimos três anos, no que diz respeito tanto às cotações internacionais e aos custos de produção quanto ao câmbio favorável e às políticas fiscais do governo federal. Mas nesta nova safra, com o crescimento da produção de grãos nos países do Hemisfério Norte, especialmente nos Estados Unidos, se observa um crescimento dos estoques e uma forte tendência de baixa para os principais produtos.
            Setembro voltou a ser um mês de cotação distinta para os diferentes produtos, de acordo com análise das cotações externas das principais commodities agrícolas negociadas pelo Brasil no mercado internacional, com base nos preços médios dos contratos futuros de segunda posição de entrega, negociados nas bolsas de Chicago (trigo, soja e milho) e de Nova York (açúcar, café, algodão e suco de laranja), além da borracha na Malásia e do boi na BM&F (tabela 1).

Tabela 1 – Variação dos preços das commodities nos diferentes mercados futuros, segunda posição, outubro de 2003 a setembro 2004
(em percentagem)

Commodities
Mercado
Em setembro 04
Acumulado
em 2004 
Acumulado
em 12 meses
Açúcar
NY
8,70
36,74
40,88
Algodão
NY
-7,27
-30,91
-22,14
Café arábica
NY
13,24
21,83
18,98
Suco Laranja CC
NY
17,43
16,05
4,34
Soja grão
CHT
-11,91
-26,71
-9,21
Milho 
CHT
-8,03
-10,16
-4,99
Trigo
CHT
2,15
-14,93
-8,24
Borracha SM20
Malásia
3,00
-4,98
10,97
Boi
BM&F
-1,47
3,70
-1,67
Fonte: Elaborado pelo IEA a partir dos dados das Bolsas Internacionais e BM&F

            O clima favorável ao desenvolvimento das lavouras norte-americanas de grãos resultou em novas perdas para soja, milho, trigo e algodão, enquanto os furacões que passaram pela Flórida reverteram a tendência dos preços do suco de laranja. Esses resultados podem ser melhor observadas nos gráficos abaixo:

 

 

            No caso do açúcar, a redução de safra na Tailândia, Austrália, Índia e União Européia reverteu a tendência esperada de baixos preços, trazendo alento ao setor com forte recuperação desses preços. Isto estimulou as exportações, inclusive de álcool, indicando condições favoráveis aos produtores de cana-de-açúcar no país.
            As condições adversas enfrentadas pelos cafezais brasileiros afetaram a sua floração, com impactos sobre a produção da safra futura. Isto estimulou uma expressiva recuperação de preços em setembro, reforçando a reversão de tendência de cotação do produto que se vinha manifestando desde o final de 2004.

            Os preços da borracha natural, que estavam em queda em função do aumento da oferta internacional, tendem a se manter para os produtores brasileiros, tendo em vista a tendência de estabilidade dos mercados internacionais.
            Um produto que frustrou todas as expectativas foi o boi gordo, com crescimento das exportações da ordem de 70% e das cotações internacionais em torno de 30%. Porém, viu suas cotações no mercado interno (BM&F) praticamente estagnadas, em função de maior oferta do produto, com liberação adicional de áreas de pastagens para grãos e baixo nível de consumo doméstico, face às perdas de renda dos consumidores nos últimos 18 meses (gráfico abaixo).

            Dessa forma, o agronegócio brasileiro, além de ter de enfrentar mercados adversos para a exportação de grãos e a elevação dos custos de produção para a próxima safra, vai se defrontar com uma política econômica desfavorável, no que diz respeito tanto à disponibilidade e ao custo do crédito quanto à taxa de câmbio valorizada, que nos últimos meses tem sido utilizada pelas autoridades econômicas como instrumento de controle da inflação.
            O atual processo de valorização do real, porém, é um grande equívoco de política econômica, pois muitos agentes pensam que as taxas de câmbio só afetam os exportadores. Na verdade, o câmbio é um dos principais preços da economia, na medida em que reflete a paridade da moeda local em relação às demais. Além disso, deverá afetar as exportações futuras, pois o fluxo de exportações de hoje é resultado de decisões tomadas há vários meses.
            A perspectiva do dólar a R$ 3,18 no final de dezembro de 2004, o mesmo valor que ocorreu em maio deste ano, levaria a uma valorização do real da ordem de 15,21% em relação ao valor atual na faixa de R$ 2,80. Isto representa menor receita para os produtores dos exportáveis e, em muitos casos, vai impedir a continuidade das exportações, como, por exemplo, do milho. Além do câmbio, os produtores terão de enfrentar uma forte queda nas cotações internacionais, em função da superoferta norte-americana, o que viabilizará também a importação de produtos alimentares que vão concorrer com a produção interna.
            O agronegócio deverá ser a maior vítima da valorização do real e, na próxima safra, os agricultores deverão enfrentar preços internacionais e câmbio substancialmente mais baixos, além dos custos de produção mais elevados e da ineficiência logística, com o aumento do custo Brasil. Assim, o próximo ano agrícola será um grande teste para o agronegócio brasileiro.

Data de Publicação: 18/10/2004

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor