As exportações de carne bovina e o preço do boi

            As exportações brasileiras de carne bovina apresentam forte crescimento em 2004. No período de janeiro a setembro do ano, o volume exportado expandiu-se 45,58%, enquanto o valor dos negócios aumentou 76,78%, indicando expressiva recuperação nos preços da carne exportada.
            As exportações brasileiras de carne bovina são o resultado, por um lado, do aproveitamento das oportunidades que surgiram com a saída de concorrentes do mercado, a partir de 2000, por questões sanitárias como a aftosa e a doença da vaca louca (que vitimou os Estados Unidos neste ano). Por outro lado, decorreram do empenho dos pecuaristas brasileiros em modernizar tanto a produção quanto a industrialização e distribuição da carne bovina, a partir de 1995.
            O gráfico abaixo permite verificar como foi a expansão do volume exportado, em tonelada equivalente de carcaça, bem como a receita das exportações nos últimos dez anos e a projeção para 2004. Indica o forte crescimento a partir de 2001, quando os problemas sanitários na Argentina e na União Européia abriram novas oportunidades para a pecuária brasileira.

            O crescimento das exportações brasileiras de carne bovina foi possível com o novo ciclo de expansão pecuário iniciado em 1995, associado à melhoria do desempenho do rebanho e das pastagens e à estagnação do consumo per capita nos últimos sete anos em função da perda de renda pelos trabalhadores brasileiros. Assim, no período de 1994 a 2004, verificou-se um crescimento contínuo da participação do volume exportado na produção nacional, a partir de 1997, estimando-se que neste ano atinja cerca de 20%, como pode ser observado no gráfico abaixo.

            O que justificaria o fato de os preços recebidos pelos produtores caírem em plena entressafra de 2004, para os mesmos patamares de 2003 (ver gráfico abaixo), com o aumento das exportações a preços crescentes, uma vez que a Associação da Indústria Exportadora de Carne (ABIEC)1 estima o preço médio da carne exportada em 2004 em cerca de 21.43% superior ao de 2003, no período de janeiro a setembro?

            Assim, a principal questão que se coloca na cadeia produtiva de bovinos - abrangendo a produção de carne e derivados, couro, sapato de couro e outros produtos - é como e quando um dos seus principais componentes, os pecuaristas, vai ser beneficiado pelo boom das exportações de carne bovina e de couro.
            Para analisar o comportamento dos preços recebidos por pecuaristas e exportadores, converteram-se os preços médios mensais no nível dos pecuaristas em dólar por arroba. Para isso, utilizou-se o dólar médio do mês, uma vez que os preços das carnes exportadas, tanto in natura quanto industrializadas, são registrados em dólar por tonelada pela Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) do Ministério do Desenvolvimento2. Em seguida, calculou-se um índice de preço para cada um dos preços considerados, tendo o de dezembro de 2002 como 100,. Dessa forma, será possível verificar como os preços evoluíram nos últimos 21 meses, a partir de uma mesma base. Esses dados estão disponíveis no gráfico abaixo:

            No gráfico acima, verifica-se que, em 2003, o índice de preço recebido pelos pecuaristas, em dólar (índice PR), evoluiu muito próximo do índice do preço de exportação médio (índice exp. médio). Mas, em 2004, observa-se um total deslocamento do índice do preço recebido pelos pecuaristas em relação aos demais, indicando expressivo ganho de lucros extraordinários por parte dos exportadores. Esse fato pode ser conseqüência do baixo consumo interno, em função da elevada taxa de desemprego e perda da massa salarial (+8%), bem como do aumento de oferta derivado da expansão do setor e do envio para abate de animais de pecuaristas que resolveram reduzir suas áreas de pastagens, transferindo-as para o cultivo de cana-de-açúcar e grãos.
            Dado o alto grau de concentração dos exportadores de carne bovina, as condições favoráveis do mercado internacional e o aumento da oferta interna, porém, o setor está aproveitando o seu poder de oligopólio para a definição do preço da arroba do boi no mercado interno. Neste cenário, os pecuaristas têm pouca alternativa e ocorreu o que seria o impossível: o preço do boi gordo cair em pleno final da entressafra, gerando apreensão e insegurança em todas as regiões pecuaristas do Brasil.

1 ABIEC: www.abiec.org.br/abiec/estatisticas.php
2 SECEX/MDIC: www.desenvolvimento.gov.br


Data de Publicação: 19/10/2004

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor