Citricultura: uma simulação de receita bruta do setor em 2000/04

            Entre 1980 e 2003, foram publicados 672 artigos em 40 volumes da Revista Laranja, do Instituto Agronômico (IAC/APTA), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Como seria praticamente impossível tratar de cada tema abrangido pela pesquisa em citros, procurou-se quantificá-los em 10 grandes grupos.1
            O maior número de artigos foi classificado nas áreas de Fitopatologia e Entomologia (233), o que se pode atribuir aos sérios problemas enfrentados pela citricultura (tristeza, cancro cítrico, gomose, declínio, Clorose Variegada dos Citros-CVC e Morte Súbita dos Citros-MSC). Tais ocorrências atingem diretamente a sobrevivência das plantas, a produtividade e, consequentemente, a lucratividade do pomar, afetando as vantagens comparativas da produção de laranja em São Paulo.
            Na área de Administração e Economia, foram apresentados 162 trabalhos referentes a custos de produção, preços e relações comerciais entre produtores e indústria, bem como à evolução setorial e à política da agroindústria cítrica brasileira, refletindo-se por vezes na adoção de resultados fitotécnicos gerados pela pesquisa.
            Cabe citar que nos 17 congressos brasileiros de fruticultura, promovidos pela Sociedade Brasileira de Fruticultura desde em 1971, os títulos de trabalhos referentes especificamente à citricultura (786) representaram 18% de um total de 4.484 relatos.

Impactos da pesquisa

            Parece que não existe, até o momento, maneira objetiva, satisfatória e suficiente para se avaliar quantitativa e qualitativamente os resultados de pesquisas agrícolas. Assim, faz-se uma tentativa de examinar um pouco mais detidamente os benefícios advindos das pesquisas e da difusão desses conhecimentos na citricultura brasileira. Procurou-se organizar algumas das contribuições no sentido econômico e social, tendo se observado uma convergência de resultados entre os indicadores considerados.
            Uma série longa de produção e de produtividade da terra – um dos indicadores do impacto da pesquisa - mostra tendência ascendente em quase todo o período de 1930 a 2004. Evidentemente, a produtividade é função de fatores fixos, mais difíceis de serem mudados nas plantações já estabelecidas, e de fatores variáveis que podem ser modificados a custos razoáveis em comparação com as receitas auferidas.
            Deixou-se de analisar tão somente resultados de ensaios em pomares conduzidos em estações experimentais e preferiu-se considerar a produtividade média (efetiva e aparente) estimada para as áreas plantadas com laranja, no Estado de São Paulo. Dessa forma, admitiu-se que todos os fatores de influência estariam sendo captados, alguns aleatórios, mas a grande maioria como reflexo da adoção de progresso tecnológico por parte dos citricultores paulistas (estimados ao redor de 20 mil) e, sem dúvida, embasados em geração e difusão de pesquisas.
            Para a laranja2, o IEA dispõe de uma série de dados de área e produção desde 1930. Assim, foi possível calcular as produtividades médias, aparente e efetiva, dividindo esse longo período em 15 qüinqüênios de modo a evitar resultados influenciados por condições espúrias em determinado(s) ano(s) (tabela 1).

Tabela 1 - Média quinquenal de área cultivada e em produção, produtividade aparente e efetiva da cultura de laranja, Estado de São Paulo, 1930 a 2004 1

Quinquênio
Área Cultivada
(1.000ha)
Área em Produção
(1.000ha)
Produtividade Média
Aparente
(caixa/ha)
Efetiva
(caixa/ha)
1930-34
39,6
36,8
361
388
1935-39
37,0
34,4
326
354
1940-44
39,5
-
276
-
1945-49
19,8
-
211
-
1950-54
18,6
-
189
-
1955-59
51,3
-
198
-
1960-64
105,5
-
215
-
1965-69
129,2
-
256
-
1970-74
200,8
178,1
232
337
1975-79
430,4
326,3
257
341
1980-84
550,3
440,9
334
408
1985-89
650,1
536,8
364
441
1990-94
784,2
625,4
370
465
1995-99
826,3
715,6
441
510
2000-04
696,1
628,1
485
537
1Densidade de plantio: a) até 1984, 'stand' de 200 plantas/ha em geral; b) plantas novas (até 3 anos) por hectare) >1985 a 1989 = 237; >1990 a 1994 = 253; >1995 a 1997 = 270; > 1997 a 1999 = 297; > 2000 = 300; > 2001 a 2003 = 350; c) plantas em produção por hectare > 1985 a 1989 = 212; >1990 = 225; >1995 a 1999 = 260; > 2000 a 2003 = 300.
Fonte: Dados do autor, a partir de dados do IEA/CATI (Estimativas e Previsões de Safra, Estado de São Paulo).

            A partir do qüinqüênio 1955-59, a produtividade média por hectare foi nitidamente ascendente, ou seja, de desenvolvimento e de expansão da citricultura em resposta aos plantios de clones novos, melhoria de tratos culturais e aumentos de densidade de plantio em São Paulo, onde a valorização das terras se tornou elemento mais importante que apenas a produção por planta.
            Em plantios adensados, haverá necessidade de mais água, mais fertilizantes e defensivos por unidade de área. Todavia, a irrigação não só diminui o risco de a produtividade ser afetada, mas permite dilatação do período de colheita.
            Uma forma de evidenciar a contribuição de variação da produtividade em termos econômicos é simular o cálculo do valor da produção que se obtém com e sem resultados de pesquisa. Para tanto, deve-se considerar que a produtividade da cultura aumenta, porque são adotados novos padrões de tecnologia e de gestão empresarial.
            A pesquisa em citricultura foi direcionada, quase sempre, a problemas que afetaram a produtividade (surgimento de pragas e doenças; queda de fertilidade da terra, etc.). Então, pode-se contrastar o valor real da produção (calculado em dólares) com um valor simulado caso não houvesse aumento da produtividade proporcionada pela pesquisa.
            A diferença entre o valor da produção estimado para o período 2000 a 2004 e o valor simulado, que seria obtido nesse mesmo período ao se admitir a produtividade média por hectare registrada no quinquênio 1995-99, foi calculada em US$237,7 milhões, ou seja, algo em torno de US$47,5 milhões por safra.
            Da mesma forma, se a diferença fosse calculada para o quinquênio 1995-99 ao se adotar simuladamente a produtividade média observada no quinquênio imediatamente anterior (1990-94), esse valor poderia chegar a cerca de US$80,1 milhões por safra (tabela 2).

Tabela 2 - Receita bruta do setor citrícola, estimada e simulada, Estado de São Paulo, 2000/04

Ano
Estimada
Simulada 1
Diferencial
Caixas
(milhão)
US$/cx. 4
total 
(US$1.000)
caixas 
(milhão)
total 
(US$1.000)
(US$1.000)
2000
356
2,00
712.000
338
676.000
36.000
2001
328
3,20
1.049.600
312
998.400
51.200
2002
362
3,40
1.230.080
344
1.169.600
60.480
2003
306 3
3,00
918.000
291
873.000
45.000
2004 2
361
2,50
902.500
343
857.500
45.000
Total
1.713
2,81
4.812.180
1.628
4.574.500
237.680
1 Simulada: fator 0,95 (510/537 cx/ha).
2Dados preliminares (junho 2004).
3 Ajuste na produção.
4 Preço por caixa (40,8kg) posta fábrica.
Fonte: Dados do IEA, refinados pelo autor.

            Ao se estimar os valores da produção com preços da laranja posta-fábrica, em contraposição aos preços da fruta no pé, conclui-se que 72% dos ganhos, que teriam sido auferidos por safra, seriam apropriados pelos agricultores, enquanto o restante seria distribuído entre colhedores e transporte da fruta dos pomares até as fábricas. Em outras palavras, os benefícios se espalhariam pelos demais elos da cadeia produtiva.
            A análise dos preços pagos pelos consumidores na cidade de São Paulo evidenciou taxas anuais de redução de preços bastante expressivas para uma cesta de alimentos, no período de 1975 a 2000, dentre os quais a laranja (-2,65%a.a.).3 Assim, 'é certo que uma redução de preços de tamanha magnitude é resultado de um conjunto de fatores. Entretanto, sem uma forte elevação da produtividade4, como a ocorrida no período, seria impossível aos agricultores absorverem tais reduções de preços sem uma ruptura na oferta'.
            Em outra perspectiva, o poder de compra médio anual de laranja5, pelos consumidores, na cidade de São Paulo, tendo como referencial o salário mínimo no período de 1985 a 2003, mostrou pouca variação a partir do Plano Real (1994). A exceção foi 2002 devido à situação momentânea de mercado (incluindo a taxa de câmbio) que provocou forte alta no preço médio recebido pelos citricultores para fruta ainda nos pomares.
            Em geral no segundo semestre, em média, esse poder de compra é 8% maior do que no primeiro semestre, o que pode ser interpretado, de um lado, pela erosão do valor do salário mínimo de janeiro a abril de cada ano e, por outro lado, pela elevação dos preços da laranja ao consumidor devido, principalmente, à redução das quantidades ofertadas (fruta temporona) justamente numa época de clima mais quente.
            Outro efeito benéfico dos resultados da pesquisa agrícola pode ser entendido em função do processo de seleção e de desenvolvimento de variedades (precoces, medianas e tardias). Isto permite estender o período de disponibilidade das frutas cítricas no mercado, reduzindo a variabilidade dos preços dentro do ano e entre anos, ou seja, sem crises de suprimento. Da mesma forma, as técnicas de irrigação não só tornam menor o risco de a produtividade ser afetada, como também permitem maior produção por unidade de área.
            A maior profissionalização do produtor e o incentivo à pesquisa, com formação de recursos humanos pelos setores tanto público quanto privado, contando com o apoio das agências de fomento, tendem a mostrar que, apesar dos desafios, o agronegócio citrícola não será somente mais um ciclo na agricultura e no desenvolvimento do Brasil.

1 Mais detalhes podem ser vistos em: a) Palestra 'Ganhos proporcionados pela pesquisa citrícola, 1930 a 2004', apresentada em 21/10/2004 em Bebedouro (SP) ; e b) CASER, D.V. e AMARO, A.A. 'Evolução da Produtividade na Citricultura Paulista' – Informações Econômicas', v.34, n.10, outubro de 2004, p.7 a 12 .
2 Para limão e tangerina ponkan, acessar a
palestra 'Ganhos proporcionados pela pesquisa citrícola, 1930 a 2004' .
3 Barros, José R.M.; Rizzieri, Juarez e Barros, Alexandre M. de – 'A Pesquisa Agrícola e os Benefícios do Consumidor' – São Paulo: Valor Econômico, 24/01/2002
4 Para maiores detalhes ver: Preços Agrícolas e Benefício para os Consumidores' – Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, 2001 – FAPESP.
5 No caso da tangerina Ponkan calcula-se que em 2003 o poder de compra do salário mínimo era 45% maior que em 1994 (103 dúzias contra 71 dúzias), o que é consistente com o significativo aumento da produção e a disponibilidade mais ampla da fruta em outubro (tardias) e durante os meses de safra (maio a setembro).

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Data de Publicação: 03/11/2004

Autor(es): Antonio Ambrósio Amaro (amaro.pingo@gmail.com) Consulte outros textos deste autor