Lucro na cafeicultura: miragem ou concreta possibilidade?

            Desde o início desse já duradouro ciclo de baixa das cotações do café - que somente no último ano-safra (período de setembro a agosto do ano seguinte) passou a esboçar homeopática tendência de recuperação - parcela majoritária dos cafeicultores passou a se deparar com a dificuldade crescente de obter remuneração satisfatória para sua exploração econômica. Já em 2001, augurava-se essa realidade. O aprofundamento da crise que se seguiu após tal vaticínio, lamentavelmente, confirmou a expectativa.
            Não foram poucos os cafeicultores que alienaram parcela de seu patrimônio ou partiram para a diversificação da produção como forma de se manter na cafeicultura e até, se possível, efetuar novos investimentos na lavoura tanto em tecnologia agronômica quanto em qualidade final da bebida. Acreditavam, assim,que, vencido o ciclo depressivo, uma nova fase de recuperação se aproximava e seria portentosa e de grande proveito para aqueles que mantivessem seu parque cafeeiro preparado para responder com elevadas produtividades.
            Entretanto, para desespero de muitos, a crise de baixos preços persevera. A todo momento surgem 'notícias' de que volumes recordes de colheita serão obtidos nesse ou naquele país. Nesse instante, toda a movimentação na Bolsa de Nova Iorque pauta-se pela intensidade e uniformidade da florada brasileira e pelo bom regime de precipitações nos principais cinturões cafeeiros do País. Poucos, porém bem informados, sabem que a frutificação das flores depende de inúmeras variáveis, notadamente as que se refletem no estado nutricional e sanitário das plantas.
            Neste contexto, justifica-se a pergunta sobre a possibilidade efetiva em alcançar lucratividade na cafeicultura. Nos fóruns especializados em que prevalecem os agrônomos conhecedores dessa cultura, o debate sobre a renda do cafeicultor quase nunca aparece, predominando os temas ligados à produtividade e às novas tecnologias que possam ser introduzidas no manejo.
            Porém, na realidade, o que se observa junto aos cafeicultores com os quais se trava rotineiramente contato é a enorme dificuldade em incrementar cada real aplicado na lavoura. Há de ser um cafeicultor de primeira linha para conseguir cinco centavos de vantagem em cada real aplicado. Muitos consideram que, ao simplesmente empatar, suas receitas com o custo operacional já estão de bom tamanho.
            O conceito de custo operacional possui diversas dimensões. Para um cafeicultor empresarial (aquele que possui empregados permanentes dedicados à atividade), essa despesa diferencia-se em muito daquela de quem conduz a propriedade com mão-de-obra familiar (depende de trabalhadores avulsos somente em picos de demanda como a colheita). Nessa perspectiva, são apresentados dois casos representativos da diversidade de custo que pode ser encontrada em situações reais de campo (tabela 1).
            Os perfis selecionados apresentaram custos diferenciados de R$ 190,26 por saca e de R$ 145,16/sc, respectivamente para os tipos empresarial e familiar. A interpretação dos resultados demanda algum cuidado pois, para ambos talhões pesquisados, o custo alcançado não reflete um custo médio, uma vez que foi calculado tomando por base unicamente as despesas efetuadas em ano de alta dentro do ciclo de produção bienal da cultura. Levando em conta as despesas para a produção em ano de baixa, certamente se teria um custo representativo da média bastante maior.

TABELA 1 – Custo operacional total por perfil de cafeicultor safra 2003/04 (em R$)

Item
Cafeicultor empresarial
Cafeicultor familiar
R$/ha
R$/sc
R$/ha
R$/sc
Depreciação da lavoura (15 anos)
290,00
9,06
290,00
8,28
Mão-de-obra (com colheita manual)
2.430,00
75,95
818,67
23,39
Insumos (fertilizantes e defensivos)
1.537,61
48,05
1.133,58
32,39
Operação de máquinas e equipamentos
403,96
12,62
290,15
8,29
Depreciação, juros e custos fixos
1.361,79
42,55
1.661,09
47,45
Outros custos (administração e encargos)
1.426,76
44,58
887,70
25,36
Custo total

7.450,12

232,81

5.081,19

145,16

Produção obtida (café natural)
32 sacas
35 sacas

Fonte: Cafeicultores que utilizam a metodologia de levantamento de custo do IEA.

            No terceiro trimestre de 2004, época em que os primeiros lotes da safra começam a ser comercializados, a média do preço recebido pelos cafeicultores paulistas para o tipo 6 bebida dura, contabilizada pelo IEA, foi de R$183,17/sc. Isto significa prejuízo de R$49,64/sc para o cafeicultor empresarial e lucro de R$38,01/sc para o familiar.
            Para a safra 2004/05, estima-se que deverá ocorrer um aumento entre 20% e 25% no custo de produção de café na região de Varginha (MG), considerando os principais itens de despesa na sua composição . Esse crescimento, se mantido o atual nível de preços recebidos pelos cafeicultores, deverá agravar ainda mais o quadro de prejuízos acumulados, inclusive para os produtores de tipo familiar.
            Em maio deste ano, o custo total de produção (produtividade de 30 sacas) foi estimado em R$ 220,83/sc para aquela região mineira na safra 2004/05, enquanto em setembro último a Cooperativa de São Sebastião do Paraíso calculou o custo em R$ 246,30/sc, com base na mesma produtividade. A similaridade entre os custos encontrados pressupõe relativa consistência dos levantamentos e, portanto, confiabilidade das informações, embora existam diferenças nas metodologias utilizadas na apuração desses valores.
            Entre os analistas de mercado, forma-se um consenso de um cenário bastante provável de expansão positiva para as cotações de café na safra 2004/05. A escassez de cafés de qualidade, notadamente do tipo arábica, e o declínio dos estoques nos países consumidores, associado ao aumento do consumo em regiões não-tradicionais (Leste Europeu e Ásia), conferem relativa segurança para esse desiderato, a menos que se confirme o prognóstico de supersafra de robusta no Vietnã.
            Mesmo tomando esses fatos em conta, é legítima e até recomendávela adoção de posturas conservadoras quanto ao investimento nas lavouras, uma vez que a incerteza e o risco são fundamentos intrínsecos a qualquer mercado, especialmente o de commodities. No entanto, é totalmente arbitrário definir o que seria uma administração conservadora em termos de investimento no manejo da lavoura.
            A adubação nitrogenada, com adição dos micronutrientes zinco e boro, contribui na mantença da estrutura da planta. Em termos de pulverizações, o controle da ferrugem com produtos cúpricos é igualmente necessário. Outras doenças e pragas podem ser combatidas a partir de procedimentos agronômicos tais como (a) a realização de inspeções para detectar o nível de dano e (b) o tratamento imediato de reboleiras em que o ataque se mostrou mais intenso.
            Quanto ao controle de invasoras, seu manejo com trinchas e roçadeiras é a forma de manter o solo coberto e incorporar matéria orgânica, mostrando-se mais produtivo que a dessecação com o uso de herbicidas. Por fim, muitos cafeicultores ignoram que práticas como uma boa desbrota, associada ao decote de ponteiros, embora fundamentais, em si mesmas representam quase que uma adubação adicional para a lavoura. Tratam-se de práticas de baixo custo com repercussões favoráveis na produtividade das plantas.
            No cerrado mineiro e baiano, a prática da irrigação é uma necessidade fundamental. A adoção dos padrões de irrigação, consumidores de vultosos volumes de água e conseqüentemente de energia, expõe essa cafeicultura a um quadro de insustentabilidade, mesmo que em sua defesa sejam apresentados os elevados níveis de produtividade dos quais se orgulham seus adeptos. A migração para sistemas como o gotejamento e a microaspersão, entre outros poupadores de água, formará o cerne das decisões desses cafeicultores.
            A adoção dessas práticas contempla apenas uma parte dos custos, mas a parcela principal que envolve a colheita carece de solução global. No caso dos produtores empresariais, há clara orientação pela mecanização dessa etapa, reservando para a mão-de-obra apenas o repasse e a varrição. Alguns estudos evidenciam que, com a mecanização da colheita, o custo desse procedimento pode ser reduzido em 30% quando comparado com o trabalho manual. Tal possibilidade não é plausível para áreas montanhosas, que representam aproximadamente 35% das lavouras brasileiras.
            No caso dos cafeicultores de perfil familiar, a redução das despesas com a colheita e a administração permite melhor acomodação frente aos preços praticados. Com isso, pode se esperar desses cafeicultores maior predisposição para realizar maiores aportes nas suas lavouras.
            A etapa de pós-colheita e preparo do café também pode encarecer bastante o custo final do produto. Um trabalho bem realizado no terreiro repercute em menor despesa com os secadores; os tocados a lenha mostram-se mais econômicos quando comparados com os que usam diesel e gás, embora o cheiro e o gosto de fumaça possam passar para os grãos caso esse equipamento seja utilizado de forma desleixada. Nesse sentido, pode-se aceitar que investimentos na ampliação e/ou melhoria do terreiro sejam efetuados, pois isso repercute favoravelmente na etapa seguinte de preparo dos grãos. Investimentos dessa natureza podem resultar em melhor classificação da bebida e, conseqüentemente, do preço recebido relativo ao tipo do produto. O diferencial de R$ 20,00 entre a bebida dura e a riada, por exemplo, pode se traduzir em resultado favorável ou prejuízo.
            Por fim, recomenda-se um planejamento da comercialização. Talvez seja a área comercial que mais careça de profissionalização dos cafeicultores. Uma estratégia seria o produtor contratar uma CPR em setembro para 30% de sua produção (embora no sistema financeiro apresente elevado custo financeiro), garantindo com isso o manejo nutricional e fitossanitário da lavoura; outros 30% seriam vendidos no mercado de opções para cobrir despesas com a colheita e preparo. Os demais 40% podem ser utilizados numa estratégia especulativa, aguardando melhores preços para realização das vendas.
            Em termos estatísticos, os preços do café tendem a exibir melhores cotações entre dezembro e janeiro. De qualquer modo, o mais relevante é respeitar a estratégia traçada, pois nisso consiste o resultado médio obtido pelo empreendimento.
            Uma real profissionalização da cafeicultura somente será alcançada quando as tecnologias agronômicas estiverem relacionadas com os resultados econômicos esperados. Nesse sentido, o caminho para pesquisas ainda é extenso, sem que se possa contar com número de pesquisadores suficiente para abordar a problemática a médio prazo.

Sites de apoio:

www.fundacaoprocafe.com.br

www.coparaiso.com.br

 

Data de Publicação: 08/11/2004

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor