Café: a âncora robusta e a nova barreira sanitária

            O mercado de café, em outubro, continuou refletindo os efeitos da estiagem sobre o florescimento da próxima safra (2004/05), uma vez que as precipitações somente retornaram aos cinturões cafeeiros na primeira semana do mês. Tal fato poderá afetar a formação dos grãos e o volume da futura colheita brasileira. Assim, observou-se a continuação de alta nas cotações dos cafés arábicas, mas em níveis inferiores ao verificado no mês anterior. Por sua vez, o café robusta apresentou forte queda devido ao aumento de oferta de origem, especialmente do Vietnã, e à divulgação de previsão de colheita recorde naquele país.
            Na Bolsa de Nova Iorque, o café arábica (Contrato C, segunda posição) apresentou alta de 1,02% na cotação média do mês, em relação à média de setembro de 2004. Já na Bolsa de Londres, a queda no preço do robusta foi de 8,17%, o único produto com esse comportamento, em função do aumento da oferta vietnamita. No mercado de futuros da BM&F, a alta do arábica foi de 4,28%, influenciada também pela valorização de 0,18% do real no mês. No caso do indicador OIC-Composto diário, observou-se queda de 1,16% em relação à média de setembro, devido ao recuo na cotação do robusta. No gráfico abaixo, é possível verificar o comportamento das cotações nos últimos 34 meses (gráfico 1).

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros e do OIC-Composto diário, 2002 a 2004

                   Fonte: Gazeta Mercantil

            Assim, percebe-se que a taxa exibida pela BM&F esteve mais pressionada do que a da Bolsa de Nova Iorque. A valorização cambial explica parcialmente esse fato. Entretanto, houve forte dificuldade em honrar contratos de CPR por desqualificação do tipo contratado (o excesso de chuvas manchou os grãos prejudicando sua apreciação visual de tipo), o que reduziu a oferta de café para a exportação, afetando as cotações na BM&F.
            As cotações dos cafés arábicas, contrato C, para março, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram forte flutuação ao longo do mês, com cerca de 1,02% superior à cotação média de setembro. Nesse período, o diferencial de preço entre o café arábica cotado na BM&F e o Contrato C de Nova Iorque foi de US$ 14,09 por saca, cerca de 16% inferior ao observado no mês de setembro (gráfico 2).

Gráfico 2 - Cotações diárias em Setembro de 2004 na Bolsa de Nova Iorque, para Café Arábica, Contrato C, Segunda Posição (Dezembro)

                        Fonte: Gazeta Mercantil

            A evolução dos preços do café nos diferentes mercados até outubro de 2004, cotados em dólar por saca, indica variação no ano de 28,76% para o arábica, segunda posição, na BM&F, enquanto nos últimos 12 meses a variação acumulada foi de 28,87%. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda posição, cresceram 23,07% no ano e 21,37% no acumulado de 12 meses. Já os preços do robusta no mercado de Londres, segunda posição, apresentaram variação acumulada negativa de 14,58% no ano e de 15,03% nos últimos 12 meses. A estimativa do OIC-Composto foi de crescimento de 16,44% em 2004 e de 18,14% no acumulado de doze meses, fortemente influenciado pelos preços do arábica. Essas melhores cotações ainda estão longe das expectativas dos produtores brasileiros quanto à remuneração de seu produto.
            O cafeicultor paulista também foi beneficiado pelas altas observadas no mercado internacional. O aumento no preço médio de outubro foi de 3,32% em relação ao observado em setembro. A trajetória dos preços recebidos pelos produtores, em reais, nos últimos 12 meses, aponta para alta acumulada de 24,24% em setembro último, em relação a outubro de 2003, e de 24,62% em 2004 (gráfico 3).

Gráfico 3 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, no Estado de São Paulo, período de 2001 a 2004

                        Fonte: Instituto de Economia Agrícola.

A âncora do robusta

            Previsões privadas sobre a próxima safra de café do Vietnã indicaram volume a ser colhido, na safra 2004/05 (outubro a setembro), entre 16 e 17,5 milhões de sacas. Imediatamente, o mercado de Londres reagiu a essa informação com depreciação significativa da commodity, o que repercutiu, inclusive, sobre o arábica que, sob o efeito da 'âncora', não exibiu significativa apreciação no período, pois há no mercado relativa escassez desse produto. Por sua vez, a Associação do Café e Cacau do Vietnã (VICOFA) estimou em 13,2 milhões de sacas a produção do país. Essa diferença, de pouco mais de 4 milhões de sacas (obviamente considerando o limite superior da estimativa privada), promoveu sensível baixa nas cotações do produto, a partir de junho deste ano, que acumula perda de US$ 10,74/sc desde então (gráfico 4).

Gráfico 4 - Cotações médias mensais do café robusta, Bolsa de Londres, nov. 2003 a out. 2004

                              Fonte: Gazeta Mercantil

            A produção e, conseqüentemente, as exportações de café do Vietnã devem manter pressionado o mercado. Entretanto, o efeito dos baixos preços recebidos deverá comprometer o volume colhido (falta de investimento na lavoura principalmente de adubação) e a qualidade final do produto, além de reforçar os planos oficiais de ampliar a área cultivada com arábica em detrimento da ocupada com robusta. Assim, uma postura mais conservadora quanto à safra vietnamita não é de todo descabida.

Nova restrição sanitária

            A partir de 2005, o Brasil deixa de possuir a cota de café solúvel no mercado da União Européia (UE), conquistada após acordo que interrompeu um processo judicial que daria elementos à abertura de painel na Organização Mundial do Comércio (OMC)1. Nãobastasse esse retrocesso, os europeus levantam o problema da presença de ocratoxina nos cafés industrializados. A instrução européia estabeleceu limite de 5 microgramas de ocratoxina por quilo do café torrado e moído e de até 10 para o mesmo volume de solúvel. Essa já aguardada decisão preocupa os países exportadores, por entenderem que tal restrição é mais uma medida de cerceamento do mercado europeu para os produtos com maior valor agregado.
            A ocratoxina é uma substância formada a partir da atividade biológica de diversos fungos que subsistem em cereais, frutas secas e café, notadamente, aqueles que são submetidos a pós-colheita e armazenagem inadequadas (camadas altas no terreiro e produto mofado). O café em coco não é o substrato preferencial para as raças de fungo potencialmente produtoras da toxina, mas pode haver esse risco sob situações específicas. O efeito prejudicial da ocratoxina para a saúde humana (carcinogênia) é fator de preocupação das autoridades que zelam pela segurança dos alimentos e deve ser regulamentado.
            Todavia, a toxina pode ser encontrada no malte, nas frutas secas e numa série de produtos alimentares típicos da tradição alimentar européia, que ainda não regulamenta com a mesma firmeza os produtos elaborados em seu território. Caracteriza-se, desse modo, uma postura arbitrária e prejudicial, por parte dos europeus, aos interesses dos países que buscam agregar valor a sua pauta de exportação.
            No Brasil, os estudos sobre a ocratoxina intensificaram-se somente nos últimos cinco anos. Nesse sentido, foi criado um protocolo que normatiza as análises laboratoriais para detecção da contaminação. Em geral, os cafés naturais brasileiros contêm nível de ocratoxina em quantidades abaixo das estipuladas pela regulamentação européia (em média, entre 0,2 e 5,5 microgramas por quilo de café verde), que deve causar forte impacto sobre as exportações de países onde os cinturões produtores encontram-se em zonas equatoriais úmidas. De qualquer modo, o respeito a essa norma trará mais uma despesa para os industriais brasileiros que buscaram no mercado internacional uma possibilidade de colocação do produto, pois terá de ser acompanhada por laudo de laboratório certificado internacionalmente (no caso, o do Ministério da Agricultura em Belo Horizonte).
             O questionamento dessa deliberação européia surgirá cedo ou tarde. Muitos países não possuem condições laboratoriais para detecção da ocratoxina nos níveis estipulados. Os importadores, temendo a rejeição de café verde por parte da indústria, tomarão precauções antes de ratificar o embarque. Enfim, todo o mercado de café, sobretudo os países produtores, terá de absorver mais um custo de transação, com discutíveis benefícios para os consumidores europeus, uma vez que o café não se constitui na única fonte dessa toxina na dieta humana.

1 OMC: www.wto.org 


 

  
  
 

Data de Publicação: 10/11/2004

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor