Associar-se, ou chorar o leite derramado

            Em recente artigo publicado no Suplemento Agrícola, do jornal 'O Estado de S. Paulo' de 20 de outubro de 2004, intitulado Brasil, grande também no leite, enaltece-se o recorde brasileiro na exportação de produtos lácteos. A mudança de qualidade em relação ao comércio exterior do leite é incontestável: de importador na ordem de US$500 milhões, passou a exportador, neste ano, de um total de US$50 milhões. O sabor melhor desta notícia é que as exportações, embora ainda em pequeno vulto, promovem o fim das oscilações de preços historicamente presentes neste mercado específico.
            Neste artigo veiculado pela imprensa, chama a atenção a maneira equilibrada com que o setor comemora a estabilidade de preços promovida pelas exportações de leite. É como se salientassem que não passa despercebida a 'artificialidade' no processo, pois não foi o aumento de consumo da população brasileira que acabou com a oscilação de preços, como seria a coisa adequada.
            A opinião de representantes do setor é de que as exportações têm de se manter em alta para que o crescimento da produção gire em torno de 5%, ou então tudo voltará a ser 'como dantes no quartel de Abrantes'. Como, porém, não há no horizonte do consumo brasileiro qualquer sinal que se traduza efetivamente no seu aumento de forma significativa e proporcional ao crescimento que se pretende constante, só mesmo a conjuntura favorável das exportações de produtos lácteos continuará a ser o analgésico à dor de cabeça histórica dos produtores.
            Ou seja, para que esta situação se concretize nos moldes da agroindústria exportadora, é preciso que nossa grande capacidade de produzir a baixo custo reflita ano a ano no aumento da safra leiteira com modernização e organização de todo o setor.
            Por outro lado, saliente-se que as exportações determinam um patamar de qualidade e de volume de produção que nos dias de hoje está longe de ser alcançado pela produção familiar do país. E se o efeito deste processo for o abandono de grande parcela destes produtores na atividade, o resultado será catastrófico. Isto porque o leite funciona para os agricultores familiares como uma fonte de renda estável. Embora a produção e a produtividade em suas unidades produtivas sejam menores, é o leite que garante um fluxo constante de dinheiro para o pecuarista.
            Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário(MDA)1, é fundamental que a agricultura familiar seja priorizada quanto à discussão de estratégias de seu fortalecimento na cadeia leiteira, pois este segmento é uma das atividades mais importantes para a geração de emprego e renda no campo. Apesar de a pecuária leiteira empregar pouco por unidade, há que se considerar que são 500 mil agricultores familiares de leite no mercado formal e outros 500 mil no informal, que totalizam aproximadamente 52% da produção brasileira.
            É preciso, portanto, políticas de proteção e estímulo aos agricultores familiares, pois entre 1996 e 2000 cerca de 107 mil estabelecimentos desse segmento já haviam sido excluídos do fornecimento do leite.
            É fundamental incentivar a criação de associações de produtores e pequenas cooperativas, pois só assim terão condições de se fixar no mercado pelos saltos qualitativos e quantitativos.
            Enfim, unidos, os agricultores familiares de leite poderão corresponder à ‘máxima’ de que leite só é bom negócio produzido com elevado volume. E só organizados em associações e pequenas cooperativas conseguirão adquirir os itens essenciais destinados à modernização do setor, tais como as ordenhadeiras mecânicas, materiais de inseminação artificial, tanques de resfriamento e trituradores, que conferirão à produção o esperado salto de qualidade.
 

1 MDA:www.mda.gov.br

Data de Publicação: 02/12/2004

Autor(es): José Eduardo Rodrigues Veiga (zeveiga@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor