A questão da recomposição florestal da reserva legal

            A Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, através da Portaria DG/DEPRN 44 de 15 de setembro de 2004, fixou parâmetros para a averbação de áreas destinadas à 'reserva legal', atendendo ao disposto no 'Código Florestal' - Lei Federal no 4771 de 1965 e alterada pela Medida Provisória no 2166-67 de 2001.
            Tal iniciativa, com o intuito de induzir à necessária recomposição florestal, movimentou fortemente as lideranças do agronegócio paulista, cuja pronta reação resultou na revogação temporária da referida portaria, dando lugar a uma trégua para a busca de uma solução negociada para a questão. Sabe-se que a grande maioria das propriedades do Estado de São Paulo não tem os 20% de áreas com florestas e, via de regra, estas áreas são relevantes para as atividades do agronegócio.
            Tem-se de ser otimista, acreditar no espírito comunitário dos dirigentes e torcer para que o bom senso prevaleça e, dessa forma, para que sejam encontradas alternativas viáveis. Todavia, o forte antagonismo dos objetivos assusta e permite antever sérias dificuldades para se chegar a um consenso satisfatório.
            De um lado, tem-se a preservação ambiental e, de outro, a produção agropecuária. Da mesma forma, de um lado, tem-se um benefício social de difícil apuração e percepção por parte do cidadão, contra a danosa e, muitas vezes, determinante perda de receita na empresa privada atuante no agronegócio.
            Os agricultores proclamam que as exigências irão causar sérias dificuldades e certamente inviabilizarão inúmeros projetos da agropecuária paulista, mas esquecem que a não-recuperação de aqüíferos e outros serviços ambientais das florestas poderá inviabilizar o desenvolvimento e a manutenção de vários centros urbanos, talvez até das próprias cidades onde residam.
            Há quem defenda uma moratória deste 'imposto ambiental' ao agronegócio para promover um amplo debate sobre a questão, como o Ex-secretário da Agricultura e Abastecimento Francisco Graziano1 em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo.
            No momento, não há muito o que discutir: a reserva legal está prevista no código florestal e deve ser cumprida. Qualquer medida paliativa dependerá de alteração a ser proposta ao Congresso Nacional, fórum apropriado para possíveis alterações. Aliás, não se trata de assunto novo, mas sim de algo já bastante debatido no Congresso.
            O Código Florestal foi elaborado procurando atender o anseio da sociedade por uma recuperação do meio ambiente, notadamente das áreas florestais, que passaram a ser ocupadas por outras atividades advento do desenvolvimento econômico e conseqüente ocupação espacial do território nacional. Dessa maneira, entende-se que o caráter preservacionista deva ser respeitado, ainda que a custo de áreas produtivas.
            Porém, um debate, circunstanciado por abordagens técnicas, poderá avaliar e propor alternativas no sentido de reduzir o impacto da aplicação da lei no setor produtivo da agropecuária paulista, a exemplo de outros estados, onde o Ministério Público tem aceitado o exercício de mecanismos de atenuação.
            No Paraná, foram definidas áreas prioritárias (5km ao longo dos rios) para a compensação; Goiás estabeleceu a possibilidade de reserva legal fora da propriedade visando especificamente a preservar áreas do ecossistema de cerrado; no Mato Grosso do Sul, foi instituído um sistema com o intuito de garantir que o estado como um todo atinja 20% de vegetação nativa e a reserva legal coletiva pública para agregar as áreas de compensação. Cabe pesquisar o andamento de tais iniciativas para tabulação e análise das experiências adquiridas.
            Assim, da mesma forma que o código florestal prevê diferentes percentuais para diferentes regiões do País, como os 50% de reserva legal aplicáveis em propriedades da Amazônia, os ecossistemas paulistas poderiam ser respeitados com a aplicação de diferentes percentuais, mantendo-se os 20% quando considerada a área total do Estado, ou a área total da bacia hidrográfica. Tal fato permitiria, mediante criterioso estudo das condições edafoclimáticas, dar maior ênfase à produção em áreas com maior potencial e dar ênfase à preservação em áreas com menor vocação à exploração agropastoril.
            A elaboração de um diagnóstico, cujos resultados devam ser referendados democraticamente em debates nos comitês de bacias hidrográficas, poderia apontar alternativas técnicas para melhor acomodar as necessidades sociais de preservação ambiental ao direito privado de produção. Seria possível, guardados os limites a serem estabelecidos, a implantação de leilões públicos para negociar o direito de compensação, onde determinados proprietários promoveriam a oferta de áreas para a preservação, cedendo o direito de produção a outros, interessados em manter suas áreas produtivas em percentuais acima dos permitidos pela legislação.
            Outra possibilidade a ser analisada trata-se do relaxamento, em condições específicas e dentro de limites, da exigência de recomposição apenas com espécies nativas, abrindo-se a possibilidade para a adoção de sistemas florestais mesclando espécies nativas com algumas espécies exóticas com maior potencial econômico, como a seringueira.
            Assim, cabe ao Estado fornecer meios para coletar, gerar e sistematizar elementos técnicos para municiar o debate, bem como cabe aos setores envolvidos o engajamento necessário para movimentar e sensibilizar o Poder Legislativo na legitimação de alternativas satisfatórias.

1 O artigo 'Desmatamento Zero ' foi publicado no jornal O Estado de S. Paulo no dia 14 de setembro de 2004 

Data de Publicação: 17/12/2004

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor