Mercado Mundial De Produtos Agrícolas Orgânicos

            As estimativas sobre as dimensões e características do mercado mundial de produtos agrícolas de origem orgânica são bastante precárias, principalmente porque na maioria dos países as estruturas oficiais que levantam dados estatísticos não incluem ou incluem marginalmente questões sobre esse sistema de produção.
            O documento mais completo sobre esse assunto que surgiu até o presente é resultante de uma pesquisa, realizada em 2000 pela Fundação alemã Ökologie&Landbau (Foundation Ecology&Agriculture)1 e concluída em fevereiro de 2001.
            Este texto procurou disponibilizar para o público uma síntese das informações contidas nesse esclarecedor relatório e também de outros trabalhos relevantes sobre essa temática.
            Segundo esta fonte, há no mundo cerca de 15,8 milhões de hectares com produção agrícola orgânica, movimentando anualmente cerca de 20 bilhões de dólares.
            A expectativa de crescimento desse mercado por país, segundo o relatório para o ano 2000 da UNCTAD (Organic food and beverages: world supply and major. European Market. Geneva: ITC, UNCTAD/WTO 1999) e a pesquisa da Fundação, pode ser vista na tabela 1.

Tabela 1 – Vendas no varejo em 1999, expectativa de vendas em 2000, expectativa
de crescimento anual e % de vendas de orgânicos em relaçãoa venda total de alimentos
para os principais países e outros.

País
Vendas no varejo US$ no ano 1999
% do total de vendas de alimentos
Expectativa de crescimento anual
Previsão de vendas para o ano 2000 US$
Alemanha
1.800.000.000
1,2
10
2.500.0000.000
Itália
750.000.000
0,6
20
1.100.000.000
França
720.000.000
0,5
20-25
1.250.000.000
Grã – Bretanha
450.000.000
0,4
25-30
900.000.000
Suíça
350.000.000
2,0
20-30
700.000.000
Holanda
350.000.000
1,0
15-20
600.000.000
Dinamarca
300.000.000
2,5
30-40
600.000.000
Áustria
225.000.000
2,0
15
400.000.000
Suécia
110.000.000
0,6
30-40
400.000.000
Outros países
-
-
-
500..000.000
USA
4.200.000.000
1,25
15-20
8.000.000.000
Japão
1.200.000.000
-
-
2.500.000.000
Austrália
-
-
-
170.000.000
Nova Zelândia
-
-
-
58.800.000
Argentina
-
-
-
20.000.000
China
-
-
-
12.000.000
Taiwan
-
-
-
10.000.000
Filipinas
-
-
-
6.200.000
Total  
-
-
19.727.000.000
Fonte: UNCTAD (1999) e Willer e Yussef (2000)

            As áreas com produção orgânica no mundo estariam assim distribuídas, conforme a tabela 2:

Tabela 2 - distribuição das áreas com produção orgânica no mundo, 2001
Continente
% de área cultivada com orgânicos
Oceânia
48,51
Europa
23,58
América latina
20,02
América do norte
7,42
Ásia
0,33
África
0,14

               Fonte: Willer e Yussef (2001)

            Esta distribuição deve-se em grande parte à participação da Austrália, na Oceânia, que tem 7.654.924 hectares de orgânicos dos 15.813.817 do mundo, e da Argentina, que apresenta 3.000.000 de hectares
            O quadro geral da situação dos continentes em relação ao número de fazendas conduzidas organicamente, ao número de hectares orgânicos e à área total agricultada, apresentado por essa pesquisa, está na tabela 3.

Tabela 3 - situação dos continentes em relação ao número de fazendas conduzidas organicamente, número de hectares orgânicos e área total agricultada, 2001

Continente
N.º fazendas orgânicas
N.º hectares orgânicos
Área total agricultada em hectares
Europa
132.988
3.729.385
207.153.840
América do norte
36.203
1.173.871
600.150.000
América do Sul
9.566
3.166.577
647.613.000
Oceânia
2.375
7.670.689
489.340.000
África
8.653
21.891
799.310.000
Ásia
9.305
51.404
1.387.167.000
Total
199.090
15.813.615
4.130.733.840
Fonte : Willer e Yussef (2001)

            O quadro acima permite verificar que o número de hectares conduzidos organicamente corresponde a apenas 0,38 % dos pouco mais de 4 bilhões de hectares da área total agricultada no mundo. Esta situação mostra que a agricultura orgânica tem uma participação reduzidíssima na agricultura mundial, apesar do crescimento exponencial que apresentou nos últimos anos.
            A pesquisa relaciona, também, por ordem decrescente de extensão de área, os principais países e o percentual da área agricultada de cada um, ocupada com agricultura orgânica.
            Destacamos apenas aqueles que possuem mais de 10 mil hectares com atividades orgânicas (tabela 4) e os que apresentam mais de um por cento de atividades orgânicas em relação à área total do país (tabela 5).
            Verifica-se que o Brasil está situado na décima quinta posição, quanto à extensão de área, dispondo de cerca de 100 mil hectares. Já em relação ao percentual de área com agricultura orgânica frente à área total agricultada do país, o Brasil, como decorrência de sua imensa área, localiza-se em quadragésimo-nono lugar.
            Porém, estudo recentíssimo, de autoria de Neves, Faveret Filho e Ormond (Agriculture in Brazil: Panorama e Perspective, a ser publicado em 15/12 de 2001, em revista da Suécia, intitulada Organic Standart), estima para o Brasil, em 2001, 203.180 hectares com culturas orgânicas e 600.000 hectares com pastagens orgânicas, totalizando 803.180 hectares, o que estaria colocando o País nas primeiras posições dessa classificação mundial.

Tabela 4 – Área com agricultura orgânica em países e no mundo (fev. 2001)
Países  Área com agricultura orgânica (hectares)
Austrália 7.654.924
Argentina 3.000.000
Itália
958.687
USA
900.000
Alemanha
452.279
Reino Unido
380.000
Espanha
352.164
França
316.000
Áustria
287.900
Canadá
188.195
Suécia
174.000
Finlândia
147.423
Dinamarca
146.685
República Checa
110.756
Brasil
100.000
México
85.676
Suíça
84.271
Eslováquia
60.000
Portugal
47.974
Hungria
34.500
Irlanda
32.478
Holanda
27.820
Grécia
21.280
Latvia
20.000
Paraguai
19.218
Noruega
18.773
Bélgica
18.572
Turquia
18.000
Peru
12.000
Nova Zelândia
11.500
Polónia
11.000
Outros
98.412
Total 15.813.817

               Fonte: adaptado de Willer e Yussef (2001)

Tabela 5 - Países com área conduzida organicamente com valores percentuais acima
de 1% em relação à área total agricultada, 2001
País
% de área com agricultura orgânica (há)
Liechtenstein
17,97
Áustria
8,43
Suíça
7,87
Finlândia
6,79
Itália
6,46
Suécia
5,60
Dinamarca
5,46
República Checa
3,15
Alemanha
2,64
Eslováquia
2,45
Reino Unido
2,40
Noruega
1,84
Argentina
1,77
Austrália
1,62
Holanda
1,39
Espanha
1,37
Bélgica
1,34
Portugal
1,26
França
1,12

Observação –
1) os demais países possuem menos de um porcento de área orgânica.
2) O Brasil ocupa a quadragésima nona posição com apenas 0,04 % de área orgânica em relação à sua área total agricultada.
Fonte: adaptado de Willer e Yussef (2001)

            Os trabalhos da UNCTAD e da Fundação estimavam que o mercado norte-americano em 2000 era de US$ 8 bilhões . Esse mercado surgiu por volta de 1960 com as pequenas lojas de produtos naturais. Hoje há grandes empresas envolvidas com esse negócio. Em 1980, estimou-se que o mercado girava em torno de 178 milhões de dólares, tendo crescido para 1 bilhão de dólares em 1990, com uma taxa anual de crescimento de cerca de 20% ao ano, chegando as vendas a US$ 6,4 bilhões de dólares em 1999 e cerca de 8 bilhões em 2000.
            As categorias de commodities orgânicos consumidos nos Estados Unidos, conforme determinadas na pesquisa, estão na tabela 6.

Tabela 6 – Evolução das vendas de produtos orgânicos por categoria de commodities (US$)
nos Estados Unidos, 1998 a 2000.
Commodities
1998
1999
2000
Frutas e vegetais
3.486.000.000
3.904.000.000
4.294.000.000
Produtos lácteos
424.000.000
598.000.000
832.000.000
Produtos congelados
400.000.000
565.000.000
813.000.000
Produtos refrigerados
274.000.000
329.000.000
401.000.000
Grãos
201.000.000
278.000.000
400.000.000
Carnes e embutidos
168.000.000
218.000.000
288.000.000
Produtos de conveniência
145.000.000
196.000.000
269.000.000
Outros
112.000.000
129.000.000
145.000.000
Comida para bebes
84.000.000
117.000.000
166.000.000
Sucos
60.000.000
75.000.000
91.000.000
Cerveja e vinho
46.000.000
54.000.000
60.000.000
Total
5.400.000.000
6.463.000.000
7.759.000.000

Fonte: Organic Trade Association – OTA (2000) Datenmaterial der Organic Trade Association. Greenfield, Massachussets..

            A forma de comercialização mais comum dos produtos orgânicos nos USA é através da lojas de produtos naturais (62%), com os supermercados chegando a 31%. Apenas 7% são comercializados diretamente através de caixas ou cestas entregues a domicílio ou da agricultura apoiada pelos consumidores.
            As exportações americanas de produtos orgânicos foram estimadas em 200 a 300 milhões de dólares, dirigindo-se principalmente para Grã-Bretanha, Alemanha, França, Holanda e particularmente para Japão e Taiwan. Os principais produtos importados são frutas frescas e desidratadas, nozes e arroz e, também, quantias consideráveis de produtos orgânicos tropicais processados.
            Na Europa, a partir de 1990, a agricultura orgânica desenvolveu-se rapidamente. Entre 1986 e 1996, as terras conduzidas organicamente cresceram à média de 30% ao ano, com destaque para Escandinávia e países mediterrâneos. Na Áustria, cerca de 10% das terras já são exploradas organicamente; no Liechtenstein, 17%; e na Alemanha, 2,6%.
            Na maioria dos países, o mercado orgânico ainda é pequeno. Destacam-se, pelo volume de vendas, Alemanha, Itália e França.
            As formas de comercialização predominantes também diferem, o que pode ser visto na tabela 7.

Tabela 7 – Importância dos canais de mercado em porcentagem,1997/98
Canal de comercialização
Venda no varejo
Lojas especializadas
Comércio direto
Outros
Portugal
91
1
3
5
Suécia
91
0
7
2
Dinamarca
90
2
8
0
Finlândia
89
5
5
1
Grã Bretanha
74
15
6
5
Áustria
73
9
18
0
Suíça
57
21
19
3
Noruega
56
10
21
4
Luxemburgo
40
28
28
4
França
38
46
16
0
Espanha
29
49
22
0
Alemanha
26
46
19
9
Bélgica
23
55
17
5
Itália
23
60
17
0
República Checa
15
0
3
82
Griechenland
5
65
30
0
Holanda
2
96
1
1

Fonte : HAMM, Ulrich, MICHELSEN, Johannes, WYNEN, Els, ROTH, Eva (2000) The European market for organic products: growth and development. In: Organic Farming in Europe:Economics and Policy, Volume 7. University of Hohenhein, Stutgart-Hohenhein.

            Verifica-se que as formas de comercialização predominantes em cada país, apesar de todos disporem de estruturas convencionais modernas de distribuição, adquirem características próprias em função de variáveis históricas do movimento orgânico de cada um ou até mesmo cultural.
            Na Europa, todos os agricultores estão recebendo subsídios dos programas agroambientais de regulação. É de se notar que vários países estabeleceram metas para a transformação da sua agricultura ou parte dela em orgânica. Assim é que:

    • a Dinamarca pretende que até 2005 os orgânicos alcancem cerca de 10% da produção; 10% de agricultores familiares; e um acréscimo de 20.000 hectares na área orgânica;
    • a França estabeleceu que pretende converter um milhão de hectares e cerca de 25.000 agricultores em orgânicos até 2010;
    • a Holanda estabeleceu como meta até 2005 ter 5% de suas terras exploradas organicamente e até 2010, 10%;
    • a Noruega pretende chegar a 10% de orgânicos até 2009; e
    • o País de Gales tem a meta de atingir 10% da área até 2005.

Alguns comentários adicionais sobre o mercado mundial

            Embora esses resultados possam ser considerados os mais completos existentes atualmente, principalmente por se referirem a fevereiro de 2001, há algumas outras opiniões sobre o tema que devem ser consideradas pois qualificam ainda mais a questão dos orgânicos.
            Nelson Mamede, ex-diretor da SADIA, atual vice-presidente da Associação Brasileira de Agribusiness e futuro presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Produtos Orgânicos, considera que o orgânico é um mercado novo para o mundo inteiro. É um conceito que não está totalmente claro no mundo. A produção, quer seja de grãos (café, soja, milho, etc...) ou de carnes ( boi, porco, frango,...) e seus derivados, ainda é muito pequena se comparada com a 'não-orgânica'. Mas é um mercado que terá um crescimento acelerado e definitivo nos próximos anos – 'não e um modismo'. E não será simplesmente um nicho de mercado: sua venda vai se realizar em todas as camadas sociais. Hoje, o volume de negócios está estimado em torno de U$23,5 bilhões no mundo, dos quais U$10 bilhões nos EUA, U$10,5 bilhões na Europa, U$2 bilhões no Japão e cerca de U$1 bilhão no resto do Mundo. Está sendo criada também uma associação de exportadores de orgânicos, sem fins lucrativos, que tem como objetivo agregar valor ao produto do associado, oferecendo direcionamento quanto às diversas oportunidades de mercado, barateamento de custos, cuidados com a imagem (embalagem, certificação, ...) e legislação pertinente a nível mundial. Será um trabalho em que a associação terá a iniciativa de procurar o produtor, e não, simplesmente, aguardar que o associado a procure. (Entrevista concedida por Nelson Mamede ao Site
www.planetaorganico.com.br/).
            Informações divulgadas pela Rede Agroecologia, referindo-se à Revista Panorama Rural, Ano 1, número 2 de fevereiro de 2001, informa que a agricultura orgânica já conquista boa parcela dos consumidores que podem pagar de 30% a 70% a mais por produtos 'naturais' na gôndola dos supermercados. Na verdade, essa é uma tendência mundial que se guia pelos ditames de uma agricultura 'socialmente justa, ecologicamente correta e economicamente sustentável'.
            Segundo essa matéria, no mundo o cultivo de orgânicos já movimenta cerca de US$ 23,5 bilhões. Lá fora, a demanda comercial por produtos livres de defensivos agrícolas cresce entre 20% e 30% ao ano. O mercado japonês de 'agroecológicos' cresce 30% ao ano e movimenta algo em torno de US$ 2 bilhões. Nos Estados Unidos, o segmento evolui 20% e gira em torno de US$ 10 bilhões e, na Europa, 25% ao ano, com faturamento de US$ 10,5 bilhões.
            Ainda segundo essa matéria, estes dados são um excelente indicativo dos mercados que se abrem aos produtores brasileiros. No Brasil, os dados extra-oficiais indicam que o segmento dos 'verdes' movimenta, atualmente, cerca de US$ 200 milhões, crescendo a taxas médias de 30% ao ano. Deste total, US$ 20 milhões são provenientes do que se consome no mercado interno e US$ 180 milhões resultam do movimento das exportações, principalmente para Alemanha, França e Japão.
            A Associação da Agricultura Orgânica (AAO), que conta com quase 2.000 associados e acompanha cerca de 500 produtores certificados ou em processo de certificação, envolvendo área de mais de 20.000 hectares, estima que 70% da produção brasileira de alimentos orgânicos se encontram nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul. Os preços vigentes no mínimo remuneram 30% a mais na comparação com os produtos 'convencionais'. O trigo chega a custar 200% acima do verificado no mercado tradicional, enquanto o açúcar registra preço 170% maior.
            Na América Latina, na maioria dos países, inexistem leis que regulem este tipo de produção. A Argentina saiu na frente e, desde de 1994, adaptou sua legislação com o arcabouço jurídico da União Européia sobre o tema, o que lhe garante um excelente mercado.

A exportação brasileira de orgânicos

            Segundo a Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp), com base em dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a produção brasileira de orgânicos cresce rápido. A produção de laranja orgânica, por exemplo, cresceu 233% de 1999 para 2000, atingindo 1,5 milhão de caixas. A produção de soja em grão cresceu 119%, com produção em 2000 de 7 mil toneladas.
            Segundo noticias de O Estado de S. Paulo (05/09/2001), divulgadas pela Rede Agroecologia (15 Setembro 2001), em 1998, as feiras orgânicas movimentaram cerca de R$ 1 milhão. As exportações acumulam cerca de US$ 100 milhões anuais, sendo os principais mercados Estados Unidos, Japão e União Européia. Entre os produtos exportados, destacam-se o café de Minas Gerais; o cacau da Bahia; soja, açúcar mascavo e erva-mate do Paraná; suco de laranja, óleo-de-dendê e frutas secas de São Paulo; castanha de caju do Nordeste, e guaraná da Amazônia.
            Notícias da Rede
procoder@iica.org.br (quinta-feira, 29 de março de 2001), divulgadas por Neila Baldi (ncbaldi@gazetamercantil.com.br) de Brasília, informam que, com a legislação proibindo o cultivo de transgênicos e com os problemas sanitários nos rebanhos da Europa, que aumentaram a demanda por produto saudáveis, o Brasil se torna um fornecedor internacional de orgânicos. Para alavancar este comércio, a corretora de grãos francesa Cabinet Boyer estaria vindo se instalar em Brasília. A meta é exportar para a União Européia, o Japão e os Estados Unidos 45 mil toneladas de grãos livres de agrotóxicos.
            A prioridade de compras é na região do Cerrado, onde o teor de proteínas do grãos seria melhor. Mas até o momento só foram fechadas negociações com agricultores do Sul, da Cooperativa Terra Preservada. Este ano serão embarcadas cerca de duas mil toneladas de soja do Rio Grande do Sul e do Paraná. Antes do envio, a produção passa por testes de transgenia na lavoura e em laboratórios. Os corretores franceses escolheram o Brasil porque a demanda por orgânicos na Europa está forte, o clima brasileiro permite o plantio de várias culturas - os pedidos são de diversos grãos - e a lei brasileira ainda proíbe transgênicos. Os europeus querem garantia de saúde.
            A demanda dos clientes, de apenas uma empresa importadora, é por 25 mil toneladas de soja (para ração, alimentação humana e farelo), 10 mil toneladas de trigo (se o teor de proteína for adequado), cinco mil toneladas de girassol (para óleo) e cinco mil de tremoço. Só não foi pedido milho este ano porque a produção do grão na Europa foi boa. Apesar de a prioridade ser dada ao Brasil, se a produção nacional de orgânicos não atender à solicitação francesa, a empresa deverá completar a carga em outros países da América do Sul.
            Segundo a empresa importadora, esta pretende estabelecer parceiros fixos e por isso haverá estímulo ao cultivo de produtos sem agrotóxicos no Brasil através de financiamento e da antecipação do pagamento (40% no plantio). O preço diferenciado também poderá estimular o plantio. A empresa deverá pagar 'um preço justo, ao contrário das demais multinacionais, que compram o produto e revendem pelo dobro'. A representante da Cabinet Boyer explica que um produto orgânico era vendido a valores entre 30% e 50% mais altos que o produto convencional, mas que, com o 'mal da vaca louca' na Europa, podem alcançar índices maiores. Atualmente, a empresa oferece US$ 420 a US$ 450 por tonelada para a soja de consumo humano e US$ 280 por tonelada para a destinada à ração.
            Além dos fornecedores do Sul, a empresa Cabinet Boyer já tem garantida a produção de Brasília, próximo a 500 toneladas. Serão analisados ainda contratos com produtores de Barreiras (BA), Mato Grosso, Rondônia e Acre. Nestes dois últimos estados, a estimativa é que uma área entre três e cinco mil hectares de antigas pastagens poderia ser utilizada para o cultivo orgânico. A busca dos agricultores poderá se dar pela Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), que congrega 1,5 mil entidades agropecuárias no Brasil
            'Se fecharmos o contrato com a OCB, poderemos atuar em todo o Brasil e trabalharmos também com frutas, café e açúcar', estima Sabine. A organização pode oferecer ainda os bancos cooperativos para o financiamento da produção.

Uma consideração final

            A produção agrícola orgânica no Brasil constitui-se uma incógnita, pois o mercado é muito dinâmico e ademais as organizações, que de certo modo 'comandavam' o processo, passaram a apenas fazer parte dele. A dinâmica do mercado mostrou-se muito ágil, superando essa capacidade e função dessas organizações, a maioria delas Organizações Não Governamentais, que não dispõem de recursos financeiros e de pessoal para manter sequer um certo controle estatístico do que vem ocorrendo no cenário orgânico nacional, quer em termos de iniciativas, quer em termos de informação.
            É evidente, por outro lado, o potencial imenso da agricultura brasileira em relação à produção, não só para o mercado interno como principalmente para o mercado externo. Superada a questão da disponibilização de quantidade de alimentos a preços acessíveis à população, nesses países do primeiro mundo, floresce agora a preocupação e a demanda do consumidor por produtos de melhor qualidade. E é por isso que o consumo de produtos agrícolas orgânicos nesses países, ao contrário do dos convencionais que está estabilizado, cresce exponencialmente, o que resulta no manifesto interesse que esses países demonstram pela importação de produtos orgânicos do terceiro mundo.
 

1 Pesquisa intitulada  Organic Agriculture: statistics and future prospects. Autoria de WILLER, Helga e YUSSEF,  Minou  (2000). Patrocínio da BIOFACH, com a colaboração da IFOAM. Trabalho disponível em www.soel.de/inhalte/publikationen/s_74_03.pdf

 

Data de Publicação: 17/12/2001

Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor