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Rastreabilidade nas cadeias de carnes
A
rastreabilidade surgiu como conseqüência da preocupação dos consumidores com a
sanidade dos produtos, gerada após vários fatos que afetaram a saúde das pessoas
em diversos países. Em decorrência desta conscientização, os supermercados, como
principais representantes das cadeias distribuidoras, passaram a pressionar os
demais agentes da cadeia de produção, exigindo maior controle sobre a qualidade
e a sanidade dos alimentos, para não correrem o risco de serem acionados pelos
sistemas de fiscalização e de defesa dos consumidores. _______________________________
Episódios como a encefalopatia espongiforme bovina (BSE), conhecida como doença
da vaca louca, nos bovinos da Inglaterra, surtos de febre aftosa em vários
países, contaminação com dioxina em frangos e suínos na Bélgica e, mais
recentemente, a gripe aviária nos países orientais, levaram a um aumento da
preocupação em relação à qualidade dos alimentos comercializados. Somado a isso,
a expansão do comércio mundial de alimentos, mudanças nos hábitos alimentares,
maior demanda por produtos altamente processados e contaminações de alimentos e
bebidas resultaram em mudanças no setor produtivo de alimentos.
Os países onde ocorreram casos das doenças tiveram de sacrificar os animais, com
conseqüente queda do consumo interno e cortes nas exportações. Os problemas
econômicos advindos do fato levaram vários países a aprovar leis mais rigorosas
com o objetivo de normatizar o processo de produção nas fazendas e criar novas
barreiras sanitárias, além das instituídas pelos órgãos internacionais, que
praticamente substituíram as barreiras tarifárias.
A segurança do alimento passou a ser um tema relevante na pauta de discussões e
a preocupação dos consumidores a respeito do produto consumido levou à visão da
necessidade de se garantir a sanidade, a qualidade e a procedência do produto,
assim como a idoneidade de quem o produz. Isto só é possível com a garantia de
todo processo produtivo e para isso é preciso ter todas as informações a
respeito do produto.
No caso das carnes, a garantia é o controle total do desenvolvimento dos
animais, tendo um enfoque especial na questão da sanidade, o que exige uma
intensificação do manejo nas propriedades rurais e um rígido controle da
produção. Esse processo, que inclui identificação e certificação de origem, é a
rastreabilidade.
A rastreabilidade é o controle de animais que possibilita a identificação
individual ou em lotes. É possível, a partir deste controle, ter-se um histórico
desde o nascimento até o abate, com o registro de fatos importantes como
doenças, vacinas, remédios tomados e peso, assim como o controle de todas as
fases de produção, industrialização, transporte, distribuição e comercialização,
possibilitando um rastreamento do produto até sua origem.
Simplificando, rastreabilidade é um mecanismo que permite identificar a origem do produto desde o campo até o consumidor, podendo este ter sido, ou não, transformado ou processado. É um conjunto de medidas que possibilita controlar e monitorar todas as movimentações nas unidades, de entrada e de saída, com o objetivo de produzir com qualidade e com origem garantida1.
Desde a década de 80, a questão da inocuidade e da qualidade dos alimentos vem
causando crescente preocupação tanto para o poder público e as indústrias quanto
para os consumidores. A rastreabilidade dos animais e de seus derivados foi
ganhando importância à medida que o consumidor perdia o controle direto da
produção e da venda de alimentos. Estes sistemas exigem uma cadeia transparente
de ações para manter sua credibilidade e garantir as funções de transferência de
informação.
No caso da cadeia produtiva da carne bovina, a adoção da visão sistêmica tem
possibilitado a incorporação de novas tecnologias na produção, destacando-se o
uso da informação na gestão do empreendimento. A amortização dos custos disso
pode vir de duas maneiras: por meio da melhor remuneração do produto, de acordo
com a qualidade desejada pela indústria, ou na forma de ganhos na eficiência
produtiva, o que ainda não acontece no Brasil.
O Brasil é grande exportador de carne bovina e apenas a exigência de rastreabilidade por parte da União Européia, que estipulou prazos para o País implantar este sistema se quisesse continuar a vender carne bovina para lá, levou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a publicar, em 2002, a Instrução Normativa nº 1, instituindo o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV)2. Vale lembrar que o Japão, seguindo caminho análogo,
passou a requerer os mesmos cuidados.
O SISBOV define 'o conjunto de ações, medidas e procedimentos adotados para
caracterizar a origem, o estado sanitário, a produção e a produtividade da
pecuária nacional e a segurança dos alimentos provenientes dessa exploração
econômica'. Seu objetivo é 'identificar, registrar e monitorar, individualmente,
todos os bovinos e bubalinos nascidos no Brasil ou importados'.
O sistema se aplica a todas as propriedades rurais e indústrias frigoríficas,
que processam produtos e subprodutos e resíduos de valor econômico em todo
território nacional, e às entidades credenciadas pelo MAPA como certificadoras.
E exige o registro de animais e propriedades que caracterizarão 'os bovinos,
bubalinos e as propriedades rurais no interesse da certificação de origem, do
controle do trânsito interno/externo, dos programas sanitários e dos sistemas
produtivos'.
O processo de identificação prevê a marcação permanente no corpo do animal ou a aplicação de dispositivos internos ou externos, que permitam a identificação e o monitoramento individual dos animais, aprovados e autorizados pela Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA/MAPA). Um documento de identificação individual deverá acompanhar o animal durante toda sua vida, do nascimento ao abate, morte natural ou acidental, registrando as movimentações ocorridas, resultantes de transferências ou sacrifício emergencial'2.
Atualmente, a discussão sobre a necessidade de se fazer a rastreabilidade por
animal foi retomada com a finalidade de se rever a questão, já que a União
Européia, que é o mercado mais exigente para onde o Brasil exporta, o faz por
lotes ou propriedade.
Por enquanto, no Brasil, a legislação só trata da rastreabilidade da carne bovina, mas tanto a avicultura quanto a suinocultura devem trazer à pauta de discussão o assunto, pois a preocupação com a sanidade não se restringe apenas aos bovinos. 'As aves e os suínos também pertencem ao grupo de proteínas de origem animal, que para serem exportadas, até 2005 deverão também ser rastreados' 1.
Devemos lembrar que hoje as ocorrências sanitárias, como a gripe aviária e a
doença de Newscastle, tornaram-se um problema gravíssimo para a cadeia de aves e
puseram em pauta a questão da rastreabilidade, principalmente para os países
orientais como China, Tailândia e Coréia que passaram a ter de importar carne de
frango. Especificamente no Brasil, houve há pouco tempo contaminações com
nitrofuranos em aves, mas o fato não trouxe maiores conseqüências à
comercialização do produto.
Para os suínos, o processo de rastreabilidade já se encontra bastante adiantado
nos países europeus. Porém, aqui no Brasil tem sido empregado apenas nos
programas de qualidade, em algumas indústrias especializadas. A preocupação
maior é com a peste suína, a doença de Aujesky e com a aftosa. Estas doenças já
vêm sendo combatidas, mas ainda não há procedimentos adotados sistematicamente
que garantam um rastreamento.
No sistema de rastreabilidade de uma granja de aves, o acompanhamento deve ocorrer desde a produção dos avós até os pintinhos de corte, além de ter um sistema de identificação que permita controlar a origem do lote, do granjeiro que criou o lote, da ração e dos insumos utilizados, os frigoríficos e as propriedades 1.
O rastreamento de aves deve ser feito, preferencialmente, pela identificação por lote de animais e a definição desse lote é importante, pois é a partir dele que teremos a garantia das informações obtidas e do seu rastreamento. Para tanto, é necessário que os animais de um mesmo lote tenham a mesma idade e origem e sejam alojados sob as mesmas condições, em uma mesma unidade de produção ou aviário3. Pode-se, ainda, rastrear pelo
agrupamento de lotes por turno, mas, nesse caso, a precisão dos resultados é
menor.
Já os suínos devem ser identificados individualmente e os sistemas de
identificação são muito semelhantes aos utilizados nos bovinos, tais como
tatuagem e brincos. Os animais também devem ter um passaporte animal, em que
constarão todas as informações necessárias.
Existem diversos sistemas para o rastreamento de animais, que vão desde os tradicionais que usam brincos, colares, tatuagens e ferro quente, mas podem criar dificuldades de visualização à distância, necessidade de contenção do animal, problemas na leitura e possibilidade de duplicação de número4. Também existem os que requerem mais tecnologia,
como o padrão vascular da retina, a identificação por DNA de cada animal e a
eletrônica, que pode ser por chips eletrônicos no rúmen ou na prega do umbigo.
As questões sanitárias aparecem como questão fundamental quando se pensa em
rastreabilidade da carne bovina. Os diferentes métodos usados têm mostrado
diferenças que passam mais pelos custos do processo do que pela eficiência.
Apesar disso, a tecnologia mais avançada tem se mostrado mais eficaz, mas ainda
é pouco usada no mundo.
Nas outras cadeias de carne, a rastreabilidade ainda não é uma realidade, mas no
caso de frango, principalmente, o Brasil não poderá ficar distante do tema por
muito tempo, se quiser manter sua posição de primeiro lugar no ranking das
exportações do comércio internacional e continuar expandindo mercados.
Os produtores brasileiros precisam compreender que, se quiserem manter e expandir seus mercados tanto externos quanto internos, terão de avançar rapidamente na questão e desenvolver sistemas transparentes que garantam a rastreabilidade dos produtos. Um número cada vez maior de países vêm exigindo o controle de todo processo, dentro da cadeia de produção como forma de garantir um alimento seguro para seus consumidores. O risco de se perder mercado é cada vez maior e, por isso, o rastreamento se tornou um passo fundamental para garantir este espaço.5
1 IBA, SOFIA KIYOMI, et al – Um panorama da rastreabilidade dos produtos agropecuários do Brasil destinados à exportação – carnes, soja e frutas. Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz – ESALQ, CIRAD projeto ProsPER, São
Paulo - Novembro 2003
2BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução
Normativa no. 1 de 9 de janeiro de 2002. Publicado no D.O.U. em 10/01/2002,
seção 1, p. 6. Brasília, DF, 2002.
3 MENDES, A.A. Rastreabilidade na avicultura.
Avicultura Industrial, n. 03, p.44-45, 2003.
4MARTINS, FERNANDO M. e LOPES, MARCOS A. - Ratreabilidade bovina no Brasil, 76 p. Boletim Agropecuário, Lavras/MG Nº 55 p.1-72 Agosto/2003, Ministério da Educação, Universidade Federal de Lavras – UFLA. Disponível em http://www.editora.ufla.br/Boletim/pdf/bol_55.pdf.
Acesso em: 24 mai 2005.
5Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-54/2005
Data de Publicação: 16/06/2005
Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor