As Diversas Faces Da Agricultura Orgânica

            São inúmeras as indagações oriundas dos meios de comunicação, consumidores, agricultores, comerciantes, intermediários, investidores, pesquisadores, sindicatos rurais e cooperativas agrícolas, entre outros. Querem saber o que é essa agricultura orgânica cujo mercado nacional e internacional, afirmam alguns, cresce à taxa situada entre 30% e 50% ao ano. Querem saber porque está ocorrendo esse verdadeiro 'boom'. Por que há consumidores que se dispõem a pagar, e pagam, um percentual de 20, 30, 40, 50% a mais por um produto, que em alguns casos, com as margens de lucro aplicadas pelos supermercados, chega a 200 e 300% (ou até mais do que isso) em relação ao que é pago ao produtor orgânico, que certamente não é o vilão dessa história. E como se explica que, apesar dessas distorções de preços, o mercado ainda continua crescendo.
            A explicação desse fenômeno, que constitui o crescimento exponencial do mercado de produtos agrícolas orgânicos, passa certamente pelo fato de que a agricultura orgânica apresenta várias faces, relacionadas com os benefícios que podem trazer para a sociedade como um todo.
            No nível da produção, se os agricultores e consumidores pioneiros estavam cheios de ideologias e princípios filosóficos nas primeiras experiências, esse sistema, atualmente, representa uma alternativa economicamente atrativa para qualquer agricultor. Basta ver o diferencial existente entre os preços recebidos pelos agricultores orgânicos e pelos convencionais.
            E, ao contrário do que afirmam comumente os adversários ou ainda os incrédulos em ralação à viabilidade da agricultura orgânica, esse diferencial infelizmente não tenderá a cair rapidamente, pois a entrada de novos agricultores no setor não é livre como no sistema convencional. Para se tornar um agricultor orgânico, é necessário que o candidato passe por um rigoroso processo de investigação das condições ambientais do estabelecimento agrícola e de potencialidade para a produção. São considerados aspectos como o não uso de adubos químicos e agrotóxicos nos últimos dois anos, a existência de barreiras vegetais quando há vizinhos que praticam a agricultura convencional, a qualidade da água a ser utilizada na irrigação e na lavagem dos produtos, as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores, o cumprimento da legislação sanitária, a não existência de lixo espalhado pelo estabelecimento e tratamento não cruel para com os animais de criação (preservando sua dignidade e bem-estar até a morte). O agricultor assina um contrato com uma certificadora que prevê a fiscalização da sua produção, de modo a garantir a rastreabilidade e a qualidade do produto para o consumidor. Diferentemente do sistema convencional, o agricultor tem que pagar para ser certificado, fiscalizado e também pela assistência técnica, que é quase toda particular e exercida por consultores credenciados pelas certificadoras. Pode-se afirmar que a redução desse diferencial de preço, infelizmente, somente começará a ocorrer, de modo significativo, quando felizmente o Estado estiver tão empenhado em apoiar e assumir esse sistema como oficial, que a agricultura convencional passe a constituir-se num sistema em vias de extinção. Lamentavelmente, esse cenário mostra-se muito longínquo e demorará décadas para ocorrer.
            No nível da preferência do consumidor, sabe-se que a agricultura convencional busca satisfazê-la em termos de preço, tamanho, cor, aspecto geral, produção fora de época, embalagem, etc. Não consegue, porém, competir com a disposição dos clientes da agricultura orgânica em pagar mais por produtos que não façam mal à saúde e ao ambiente.
            É sabido que o mercado de alimentos, principalmente no primeiro mundo, está estabilizado há décadas, uma vez que, pelo poder aquisitivo elevado, a população em geral já se encontra no limite superior de consumo. Face a essa situação, o interesse das indústrias de alimentos dessa área volta-se para o mercado orgânico, que, além de permitir um diferencial de preço para mais, cresce à taxa anual em torno de 30 a 50 % ao ano.
            Em relação aos benefícios que a agricultura orgânica traz, a presente aceitação e o aumento da demanda por produtos decorrem de uma tomada de consciência por parte de consumidores quanto aos malefícios que os resíduos de agrotóxicos e adubos químicos podem ter sobre a sua saúde e principalmente a dos seus filhos. Uma postura bastante presente em consumidores de produtos orgânicos é a de afirmar que é preferível pagar um pouco mais, mas não gastar depois em medicamentos para enfrentar possíveis doenças. De modo geral, na postura do consumidor de produtos orgânicos ainda está praticamente ausente a consciência dos benefícios ambientais que esse sistema de produção e os preços mais elevados trazem ao estabelecimento agrícola, em termos de sustentabilidade, e ao planeta como um todo.
            A agricultura orgânica ou ecológica apresenta-se, portanto, não apenas como um sistema de produção que substitui agrotóxicos e adubos químicos por adubo orgânico e vários tipos de caldas. Suas diversas faces compõem uma nova idéia, uma nova forma de ver e trabalhar o campo, visando à produção agrícola em equilíbrio com a natureza, mas que também deve abranger modificações nos hábitos de consumo de seus clientes e promover o maior comprometimento destes com o processo de produção e com o ambiente.
            E essa participação do consumidor pode ser considerada fundamental. Assim é que se desenvolveram em países como Japão, Suíça, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá ações ou projetos que visam estabelecer uma agricultura apoiada pelos consumidores. No Brasil, está acontecendo um trabalho pioneiro no Ceará, com a organização de um grupo de cerca de 40 consumidores de produtos orgânicos que se associam a um agricultor. Estabelecem os itens a serem produzidos organicamente e financiam o agricultor. Este tem garantida uma renda mensal de cerca de R$2.500,00. Os consumidores correm os mesmos riscos que o agricultor na produção. Caso ocorra uma produção excedente, esta será dividida entre os membros do grupo ou pode também ser vendida, dividindo-se a renda obtida
            Do ponto de vista do comércio internacional, há claras indicações do potencial para a exportação de produtos agrícolas orgânicos brasileiros. No caso específico da carne bovina, dados os reflexos e a insegurança provocada no consumidor europeu e de outras partes do mundo, como decorrência da doença da 'vaca louca', abrem-se perspectivas favoráveis ao boi produzido no Brasil de modo extensivo. Com o gado alimentando-se apenas de capim, desde que se adotem providências simples como a de não se utilizar herbicidas, carrapaticidas e vermífugos de origem química (e se encontre uma forma de comprovar essa situação), o país poderia pleitear a certificação da carne brasileira como produzida organicamente (é um processo complexo e demorado). Este talvez seja um importante ponto a ser considerado nas futuras políticas agrícolas do país.
            Nas atividades agrícolas em geral, os rígidos princípios adotados no processo de produção e o diferencial de preço para mais dos produtos orgânicos fazem com que estes permaneçam menos sujeitos às crises que têm afetado as atividades agrícolas convencionais, seja em decorrência dos baixos preços, seja em decorrência dos perigos que implicam a utilização dos agroquímicos e transgênicos.
            As vendas internas em 2000 foram estimadas pela Associação de Agricultura Orgânica (AAO) em cerca de R$ 200 milhões. De acordo com estudos do International Trade Center (ITC), os maiores mercados produtores de orgânicos são, os Estados Unidos, a Europa e o Japão. Esses mercados apresentavam cifras de US$ 11 bilhões em 1997 e se estima que em 2000 tenham sido de US$ 20 bilhões. A taxa de crescimento de vendas anuais no varejo deve ultrapassar os 10% em 2000, em comparação com apenas 1% há quatro anos. 
  

 

Data de Publicação: 12/04/2001

Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor