O Impasse Sobre O Protocolo De Quioto

            A Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, conhecida como Eco-92, segundo o Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, consagrou o princípio de responsabilidade global, porém diferenciada, que na ocasião foi ratificado por todos os governos. Estes o reconheceram como ponto de apoio para ações mais enérgicas em futuro próximo, na expectativa de reverter uma tendência histórica de crescimento de emissão de gás carbônico (CO2) de mais de 150 anos.
            O Protocolo de Quioto resultou de uma decisão por consenso em um dos eventos da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a Mudanças do Clima, realizado naquela localidade do Japão, em dezembro de 1997. Participaram daquele evento, segundo documento do Ministério de Ciência e Tecnologia1, cerca de 10.000 delegados, observadores e jornalistas.
            O governo brasileiro e nações do mundo inteiro, notadamente da Comunidade Européia (segundo maior emissor mundial, com 24% do total das emissões), externaram a preocupação com o impasse criado, para o Programa de Mudança Climática da ONU, pela decisão dos EUA (maior emissor mundial, com 35% do total das emissões) de não mais assinar o Protocolo de Quioto, divergindo das metas anteriormente aceitas pelo governo Clinton. De certa maneira, já era esperada uma negativa da poderosa nação norte-americana, em aceitar os valores e regras estipulados no Protocolo de Quioto.
            Segundo estudos desenvolvidos em 1998 pela equipe do governo Clinton, foi constatada nos EUA uma elevação de 11,2% nos níveis de emissão de CO2 em relação ao patamar de 1990. Isto significaria uma necessidade de redução de cerca de 17,3% no nível de 1998, para atingir a meta proposta no Protocolo de Quioto. Foi provavelmente o imenso desarranjo que o Protocolo de Quioto provocaria na economia norte-americana que levou seu governo à não assinatura, uma vez que os EUA, bem como qualquer outro país, ainda não estão preparados para substituir de imediato o uso de combustíveis fósseis.
            Em março de 1998, o Interagency Analytics Team (equipe de estratégias interministeriais) do governo Clinton baseou-se em dados do Pacific Northwest National Laboratory2 para realizar estimativas do custo da redução de emissões, considerando três cenários: a) supondo que a negociação das emissões não pudesse ser efetuada fora dos EUA, o custo foi estimado em US$108 por tonelada de carbono; b) supondo negociação dentro e fora dos EUA, com contrapartida do mundo industrial, o custo cairia para US$72 por tonelada; e c) com livre negociação, custo de US$26 por tonelada. Este último é compatível com o valor entre US$14 e US$23 por tonelada, estimado em outro estudo realizado por Janet Yellen, conselheira econômica do governo Clinton.
            Com base nessas estimativas - valor médio de US$20 por tonelada de carbono e emissão total ao redor de 190 bilhões de tonelada de carbono por ano - ter-se-ia para o custo da mitigação a cifra vultosa de US$380 bilhões, para cada 1% de redução na emissão de CO2, por ano. Some-se a isso o fato de que, segundo a estimativa de emissão total considerada, a economia norte-americana teria que reduzir as emissões totais algo em torno de 17% até 2010. Por conta de um programa norte-americano de adequação ao Protocolo de Quioto, Ter-se-ia a movimentação financeira média anual de US$3,2 trilhões. Ressalte-se que este valor foi estimado tendo como base o cenário 'c' , o mais otimista entre os considerados. Vê-se nessa estimativa um dos motivos que levaram, em março deste ano, o presidente George W. Bush a não concordar com o Protocolo de Quioto, deixando o mundo em pânico.
            Em 1999, as maiores emissões da União Européia ficaram próximas de 4% abaixo dos índices de 1990, segundo foi noticiado pela Reuters3, fazendo crer que o bloco estaria a caminho de cumprir o Acordo. Todavia, especialistas advertem que estes valores podem estar viesados por algumas situações especiais, como, por exemplo, o desmantelamento de boa parte do parque industrial poluidor da antiga Alemanha Oriental, resultado da reunificação alemã.
            As negociações a respeito do Protocolo de Quioto certamente deverão continuar, ainda que tenham sofrido um forte revés com a atual postura da administração norte-americana liderada pelo presidente Bush, pois o aquecimento global coloca em risco as gerações futuras de todas as nações. As últimas declarações da equipe, designada pelo atual mandatário norte-americano para apresentar propostas e/ou programas alternativos ao Protocolo de Quioto, anunciam para os próximos meses os primeiros resultados.
            Parece provável que a atual administração esteja apostando em uma solução tecnológica, que permita a substituição do combustível fóssil pelo hidrogênio, uma vez que a indústria automobilística desenvolveu protótipos de carros movidos a hidrogênio em estágio avançado de testes. Segundo Dieguez4, as pioneiras Daimler-Chrysler e Ford deverão já em 2004 oferecer em suas revendedoras carros movidos a hidrogênio. Assim, em 2010, parcela significativa da frota norte-americana, estimada em 60 milhões de veículos, deverá ter propulsores a hidrogênio.
            Entretanto, sempre haverá um resíduo da matriz energética que não será convertido, além de segmentos onde a substituição será impossível, como por exemplo na produção de pneumáticos. Portanto, permanece a importância da discussão sobre os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL), os quais poderão permitir um almejado fluxo de recursos financeiros dos países desenvolvidos do hemisfério norte para os países em desenvolvimento do hemisfério sul, entre eles o Brasil, 'de olho nos trilhões de dollars'. Dentre as sugestões de MDL inicialmente comentadas, incluem-se os Certificados de Emissão Reduzida (CDR) e os projetos de Seqüestro de CO2, cujos valores de mercado só poderão começar a ser delineados após a fixação dos pressupostos para os MDL, explicitando sanções e ônus para as emissões.
 
 

1Ministério de Ciência e Tecnologia.   O Protocolo de Quioto.   Disponível em: <http://www.mct. gov.br /clima>.   [Capturado em 18de janeiro de 2001].
2EDMONDS,  et al. .   Return to 1990: The Cost of Mitigation United States Carbon Emission in the Post-2000 Period,  Pacific Northwest National Laboratory .  October, document  number 11819.
3REUTERS    Europa pode não atingir meta do acordo de Kyoto.   Folha de São Paulo. 27de maio de 2001.
4DIEGUEZ, Flávio  O mundo sem petróleo. Superinteresante. São Paulo, maio de 2001.


 

Data de Publicação: 05/06/2001

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor