Encontro De Economia Ecológica Em Canberra-austrália

            A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, em trabalho denominado Agricultura Sustentável: conceitos, questões e políticas (1995), identificou a Austrália, Nova Zelândia e o Canadá como os países que estabeleceram mecanismos participativos de formulação de uma política ambiental eficaz e eficiente no nível local. Por esta razão, o VI Encontro Bianual da International Society for Ecological Economics-ISEE, denominado Populações e Natureza: operacionalizando a economia ecológica, despertou expectativas quanto à contribuição do encontro tanto para conhecer a experiência australiana como para buscar subsídios técnicos de caráter interdisciplinar e de construção de novas instituições necessárias para a formulação holística da política estadual de agricultura ecológica. Tem se dado preferência a esta denominação, no âmbito da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, para enfatizar os esforços de implantação de um novo padrão tecnológico contraposto ao movimento de preservação do padrão hegemônico, por meio da inclusão de medidas mitigadoras. Isto se deve à apropriação e popularização do uso deturpado do conceito de agricultura sustentável.
            A International Society of Ecological Economics, ISEE, organizou seu VI Encontro Bianual em Canberra, na Austrália, de 4 a 8 de julho de 2000. O Encontro na Austrália constou de uma pré-conferência, um dia de campo e o Encontro propriamente dito.

1 - A Pré-conferência: Challenges for Heritage Conservation and Sustainable Development in the 21st Century

            A Pré-conferência foi uma experiência interessante de aproximação dos órgãos executivos ligados à conservação do patrimônio histórico e cultural e à universidade, em particular, à área de economia ecológica. Foi uma reunião com grande predominância de australianos, alguns membros da Commonwealth, em particular: Reino Unido, Canadá e Nova Zelândia, o que permitiu ter uma boa visão do debate que existe dentro e entre estes países.
            A sessão de abertura baseou-se na concepção de que a conceituação das tradições como um bem de capital permite construir uma ponte entre a economia e as demais ciências humanas. A segunda palestra enfatizou que o turismo está transformando o mundo e criando uma 'valorização' de bens de cultura e tradição. Este foi o tema central do diálogo entre os presentes, evidenciando que a abordagem neoclássica de mensuração de valor para bens não transacionáveis poderia fazer uma contribuição relevante para preservação de bens de importância histórica, cultural e natural. A principal crítica a esta idéia predominante partiu de Dr. Jack Knetsch (Canadá) que enfatizou que a perspectiva da valoração deveria ser a do benefício criado em manter o bem e não a do prejuízo causado pela sua perda, como é tradicional nos estudos de valoração.
            Executores de políticas conservacionistas do patrimônio cultural na Austrália enfatizaram a importância de reuniões como esta em que a aplicabilidade da geração do conhecimento pode ser aprimorada. Deixaram claro a existência de sistemas de avaliação do 'valor' destes bens, desenvolvidos sem a utilização das técnicas neoclássicas e a necessidade que os estudos propostos levassem em conta todo este esforço já realizado. Neste sentido, a contribuição das técnicas neoclássicas de valoração foi vista como dispensável e até perigosa no sentido de desperdiçar esforços que não estão no âmago das questões essenciais à preservação do patrimônio natural e cultural. A ênfase foi em indicar onde há necessidade de pesquisa, colocando-se na posição de utilizadores do conhecimento, portanto, configurando o caráter da reunião como de 'prospecção de demanda de pesquisa'.
            A palestra e o material disponibilizado pela Australian Heritage Comission indicam a opção pelo desenho de uma política bottom up de conservação e de desenvolvimento do turismo cultural. Isto significa, pouco ênfase em correção dos preços como instrumento de mudança no comportamento individual e, sim, a preocupação com o desenho de uma política voltada à definição de princípios, padrões e mecanismos para que as comunidades interessadas em proteger localmente suas áreas de interesse cultural o possam fazer. Um aspecto fundamental é a troca de experiências e a disponibilização das melhores práticas para pessoas envolvidas com turismo e lugares de interesse cultural.
            No campo dos métodos de trabalho com as comunidades, a prática comum parece ser a do uso das técnicas de 'resolução de conflitos'. Enfatizou-se que a principal limitação deste instrumento reside em ser fortemente dependente da habilidade pessoal do moderador.
            Ocorreram duas sessões paralelas uma mais voltada às discussões na perspectiva econômica e outra das ciências humanas.

2 - O Dia de Campo: gestão de bacia hidrográfica

            Entre as alternativas de dia de campo havia a possibilidade de visita a áreas de preservação de interesse natural e cultural, além da possibilidade de conhecer o sistema de gestão de bacias hidrográficas.
            A visita ao Upper Murrumbidgee Catchment se iniciou pela visita à comunidade de Yass, que sedia uma unidade de gestão de bacia: a do Yass river catchment.
            O Department of Land and Water Conservation, escritório de Yass, é o órgão estadual responsável pela assessoria técnica ao conselho de gestão. A descentralização e a capacitação inter-disciplinar dos técnicos aproximam os técnicos da complexidade dos problemas da comunidade. Abriga técnicos envolvidos com trabalhos de pesquisa e de extensão. O órgão tem uma estrutura complexa em que cada tema é tratado em um setor diferenciado, por exemplo: a salinização, o assoreamento dos rios, a preservação das florestas, etc. Não ficou claro se esta estrutura é flexível, tendo que ser adaptada às diretrizes definidas pelo comitê de gestão.
            Foram apresentadas palestras técnicas para caracterizar a bacia e seus problemas ambientais. Esta sessão terminou com a apresentação do presidente, um agricultor, do Comitê de Gestão do Murrumbidgee catchment, uma sub-bacia, e com a visão de um vinicultor sobre as questões ambientais e a evolução da política para o setor. O fato de o presidente estar sendo empossado para uma estrutura recém-transformada e ter manifestado desconhecimento a respeito das perspectivas organizacionais do novo modelo institucional sugere que o órgão público, e não a sociedade, teve papel fundamental na sua formulação. De fato, a manifestação dos técnicos reforçou a idéia que o processo foi bastante conduzido pelo setor público. Por outro lado, o conhecimento e o envolvimento dos produtores nas questões e na política ambiental ficaram evidentes.
            A visita enfatizou a preservação ambiental privada de campos naturais de propriedade coletiva, a política florestal, os principais problemas ambientais da área e as estratégias locais de solução.
            O grande desafio é sempre o de encontrar meios, através do mercado e do envolvimento da população, para garantir a preservação e a recuperação das áreas degradadas.
            A gestão de florestas enfocou o programa baseado no Native Vegetation Conservation Act de 1997 que vem sendo introduzido para promover parcerias entre o governo, proprietários, indústria e a comunidade, por meio dos planos regionais de gestão da vegetação, propostos por comunidades por meio de comitês regionais; dos contratos com propriedades, individualmente ou em grupo; e através da participação popular no conselho consultivo de vegetação nativa. A implantação se dá por intermédio de ONGs.
            O setor público disponibiliza recursos para projetos comunitários que necessitem de recursos para investimento. Este é o programa conhecido como Landcare. A contribuição da comunidade é o trabalho voluntário. Visitou-se os locais de dois projetos comunitários: erradicação de um tipo de eucalipto introduzido pela colonização inglesa para reposição de mata ciliar, que é uma das principais causas do assoreamento dos rios; e a retificação dos cursos d’água.
            O dia de campo deixou lacunas na compreensão da evolução histórica e no funcionamento do modelo que devem vir a ser cobertas pela disponibilização de um texto na homepage do Encontro, o que ainda não ocorreu. Por outro lado, mostrou alguns resultados da estratégia da política construída de 'baixo para cima'.

3 - O VI Encontro Bianual da International Society for Ecological Economics (ISEE)

            O Encontro contou com um menor número de participantes europeus e americanos do que os anteriores. A ênfase foi na interface entre teoria e prática e não na contribuição das diversas linhas teóricas. As plenárias refletiram esta mudança de diretriz, na organização do evento.

Amory Lovins da Ceo Rocky Mountain Institute-USA apresentou vários casos de negócios bem sucedidos que caracterizariam a 'terceira revolução industrial' baseada no uso intensivo do fator escasso, a natureza, e no uso intensivo do fator abundante, o trabalho, dentro dos princípios operacionais do 'capitalismo natural'.
Manfred Max-Neef da Universidade Austral do Chile, Valdivia, ao discutir a questão do consumismo e da sustentabilidade caracterizou dois tipos de consumismo: o 'aberto' associado à apropriação de coisas e objetos e o 'disfarçado' relacionado a idéias que resultam da manipulação da linguagem e da comunicação por parte do poder político e econômico. Enfatizou o impacto sobre a geração do conhecimento e o papel das universidades no mundo atual. Sua análise se baseia nos conceitos de needs de natureza permanente e satisfiers que mudam com os tempos.
Martin O’Connor da Université de Versailles, França, partiu de uma distinção sobre o conceito forte e fraco de sustentabilidade. Associou ao conceito fraco as práticas de análise de custo-benefício e ao forte, as de base participativa e de criação de cenários. Propôs como estratégia para sair do âmbito da dominação epistemológica a interface das ciências sistêmicas com a significância social do conhecimento local e da coordenação política, enfatizando a importância da educação ambiental para realizar isto.
Judith Innes, Diretora do Instituto de Desenvolvimento Regional e Urbano da University of California-Berkley, USA, procurou por meio de exemplos de sua experiência demonstrar que planejamento participativo é um paradigma em ascensão para definição da política ambiental que responde a necessidade de introdução da ecologia no processo de decisão política. A prática faz surgir soluções inovadoras e sustentáveis. Seus exemplos estavam relacionados às águas, transporte e áreas de conservação.
Jack Knetsch da Simon Fraser University, Vancouver, British Columbia, Canadá, considera que as análises de valoração econômica não levaram suficientemente em consideração conhecimento científico em comportamento econômico, psicologia econômica e comportamento na tomada de decisão. Defende por isto que as análises deveriam tomar em consideração o benefício de poder ter e não o custo de perder, como é prática entre os economistas que utilizam a teoria da valoração.
Francois Bousquet do CIRAD Tera, Montpellier, France, e Tim Lynam, Tropical Resource Ecology Program, University of Zimbawe, Zimbawe, apresentaram um modelo de simulação de multi-atores para estudar a dinâmica de ecossistemas e sistemas ambientais, na perspectiva de baixo para cima. As experiências apresentadas referem-se à gestão de recursos naturais em uma comunidade do Senegal e ao desenvolvimento de planos de manejo para a vegetação, em algumas áreas semi-áridas do Zimbawe.
Neil Byron daProductivity Comission, Melbourne, Austrália, propôs tratar o tema: 0 que os formuladores de política querem da pesquisa e porque pesquisadores dificilmente oferecem? Argumenta que é porque a pesquisa é orientada pela curiosidade e não focada pela necessidade de resolver problemas. Sugere que esta distância pode ser reduzida, estabelecendo mecanismos de definição de prioridades.
Peter May do Instituto Pró-Natura e da Universidade Federal do Rio de Janeiro relatou experiências sustentáveis de negócio-comunidade, conduzidas pela Pró-natura, por meio de parcerias envolvendo corporações financeiras, governo e uma organização não governamental. A organização social é o foco. A empresa inicia fazendo investimentos sociais e a comunidade é incentivada a questionar e demandar qualidade ambiental e condições de vida, tanto da empresa como do Estado.
            A orientação geral do encontro foi a de organizar as sessões paralelas em torno de questões específicas: instrumentos de políticas públicas; gestão de florestas, de águas e mangues; de resíduos; mudança climática; segurança alimentar e sustentabilidade agrícola; degradação do solo e agricultura; educação ambiental; monitoramento e avaliação de políticas; mudanças institucionais do setor privado e público; energia; governança ambiental internacional; desenvolvimento de comunidades; conexão entre comércio e ambiente; conservação da biodiversidade; transporte e uso planejado da terra; equidade ambiental e sustentabilidade; comportamento econômico e o ambiente; pesca. Algumas sessões enfocaram questões metodológicas; estratégias de integração de disciplinas; participação dos agentes; ou abordagens teóricas como: valoração, contabilidade verde, curva ambiental de Kuznets e sistemas complexos adaptativos.
            O Instituto de Economia Agrícola foi representado por meio do texto denominado: 'A technical attempt to introduce bottom up policy instruments in a changing centralized institutional environment', que se baseou nas experiências em duas microbacias piloto do Programa da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo. O estudo analisa as dificuldades da introdução da concepção de trabalho participativo, para a promoção do desenvolvimento sustentado de comunidades, orientado pela metodologia de 'pesquisa-ação' de THIOLLEN1 (1986). A aplicação da metodologia demonstrou a necessidade de subdividir a análise em termos de três públicos: produtores, técnicos regionais e técnicos na administração central.
            O Encontro de Canberra, diferentemente do que ocorreu no Chile, não enfatizou a diversidade teórica que caracteriza a entidade, causando insatisfação. Admitindo, entretanto, a importância pragmática da proposta do Encontro, ainda assim, duas grandes críticas parecem relevantes:

  • houve manifestação, inclusive na Assembléia, pelo pequeno espaço dado ao aspecto biológico da sustentabilidade o que sugere o afastamento do grupo dos ideais de Estocolmo2 contrariando a avaliação oficial de que se reproduziu a experiência do encontro de 1972 ;
  • o tema da transição institucional, em um mundo em transformação econômica, ficou ausente das plenárias e não foi estruturado nas sessões para permitir o diálogo latino-americano ou mesmo o estimulante confronto de economias que construíram seu desenvolvimento tardio dentro do modelo de substituição de importações ou como economia aberta.

            Apesar das semelhanças de latitude, dimensão e atividades agrícolas entre Austrália e Brasil, não houve intenção da organização de estimular um diálogo que poderia ter sido bastante frutífero, particularmente no que se refere à formulação de políticas locais.
 

1  THIOLLENT, Michel.  Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo, Cortez: Autores Associados, 1986. 108p.
“Para atingir o desenvolvimento econômico, a prioridade ambiental é fundamental e esta depende não somente da qualidade de vida, mas da própria vida humana” (Estocolmo, 1972, In: O ambiente por inteiro.  Dália Manon, Rio de Janeiro, UFRJ, 1992).

 

Data de Publicação: 01/10/2000

Autor(es): Yara Maria Chagas de Carvalho Consulte outros textos deste autor