Entre Rios De Minas Adere Ao Planejamento Agrícola

1 - INTRODUÇÃO

A instalação do Conselho Municipal de Desenvolvimento - formado por representantes de associações comunitárias rurais, indústria, setor bancário, órgãos estaduais e sindicato rural - e a inauguração da feira livre semanal de hortifrutigranjeiros, produtos agroindustriais e artesanato marcam a comemoração, em abril, dos 500 anos de descobrimento do Brasil no município de Entre Rios de Minas, a 110 quilômetros de Belo Horizonte.

Estas são algumas medidas relacionadas com a implantação oficial do primeiro Plano Diretor Agrícola Municipal (PDAM) de Minas Gerais, que abrange programas de revitalização da pecuária leiteira, de incentivo à fruticultura, olericultura e piscicultura, de profissionalização dos derivados de cana-de-açúcar e do artesanato, de desenvolvimento da cafeicultura e do agroturismo e de aumento da produtividade de milho, além de infra-estrutura rural e da recuperação do ecossistema.

A proposta de planejamento agrícola de Entre Rios foi elaborada pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, em cooperação com a EMBRAPA Informática Agropecuária, a EMATER-MG e a prefeitura local. A tecnologia, produzida pelos pesquisadores Nelson Batista Martin, Malimiria Norico Otani, José Alberto Ângelo, Carlos Eduardo Fredo e Stanley Robson de Medeiros Oliveira, permite identificar eixos de desenvolvimento para a elaboração de propostas de políticas agrícolas e agroindustriais.

Com população de 12.839 habitantes distribuídos em área de 470km2 (47 mil hectares), Entre Rios de Minas é um município tipicamente agrícola. As pastagens ocupam 65,19% da área total, mostrando a vocação de bacia leiteira. As culturas anuais, como milho e feijão, abrangem 15,29% da área e as culturas perenes, apenas 2,78%. Os 16,74% restantes destinam-se a outros usos, principalmente vegetação natural.

As principais atividades agropecuárias são a produção de leite (rebanho predominantemente misto), cultivo de pastos para gado, de milho para silagem e de cana forrageira. A agregação de valor do leite, porém, é baixa porque existem poucos laticínios e agroindústrias no município. Também são atividades importantes o arroz, o feijão, o milho e a produção de cana para indústria. Entre Rios é ainda o berço da raça de cavalo Campolina, surgida no fim do século XIX.

A comercialização dos produtos é feita principalmente por meio da Cooperativa dos Produtores de Leite de Entre Rios de Minas (CAPERMIL) e da Associação de Produtores de Leite (ASPROL). Estão ainda instaladas no município a laticínios Cayuabá e a torrefadora de café Camapuã, além de unidades familiares de fabricantes de cachaça. Destacam-se, ainda, o artesanato (fiação e subprodutos de milho) e a implantação da indústria caseira de doces de frutas, derivados de leite, milho e cana-de-açúcar.

Além da CAPERMIL, ASPROL e Sindicato Rural, existem treze associações comunitárias rurais, das quais duas em formação.

Na estrutura fundiária, o município possui 530 estabelecimentos rurais (censo do IBGE). Predominam as propriedades até 100 hectares (93,04% do total), embora correspondam à área de apenas 48,40% ou pouco menos de metade das terras. O município é servido por cerca de 700 quilômetros de estradas vicinais.

 

2 - POUCA INDUSTRIALIZAÇÃO

Em vez de entrar na guerra fiscal para atrair indústrias, a prefeitura de Entre Rios de Minas procurou a EMATER-MG para fazer um plano que aproveitasse o potencial do município. Devido à vocação municipal e à dificuldade de buscar outras indústrias, achou-se melhor montar indústrias a partir da atividade agropecuária.

A idéia é trabalhar a cadeia produtiva dentro do município, englobando a produção de insumos, profissionalização do agricultor, industrialização e comercialização dos produtos gerados, como explica o coordenador técnico da EMATER-MG, Everton Augusto Paiva Ferreira. Indústria, comércio e serviços, a partir da agricultura, permitem gerar emprego, renda e impostos, movimentando a economia do município.

Priorizar atividades que empregam mais mão-de-obra e agregar valores culturais é outro objetivo. Tradição e cultura poderiam ser transformadas em novas oportunidades para a população local. Busca-se casar as atrações turísticas da região com a produção artesanal (doces, queijos, licores, sucos, cachaça, etc.) e a atividade agroindustrial.

 

3 - PESQUISA DE CAMPO

Para elaborar o plano diretor, cinco entrevistadores percorreram o município. Foram feitas 360 entrevistas individuais (cobrindo 70% a 75% da realidade municipal), o que permitiu fazer um diagnóstico sócio-econômico e agronômico, com a finalidade de traçar um perfil tecnológico, produtivo, social e econômico das propriedades rurais.

Chamou a atenção o alto volume de milho produzido no município que é utilizado para silagem. Pecuaristas de leite de maior nível tecnológico, porém, buscam milho em regiões distantes, como Goiás e Uberlândia, para o próprio consumo, devido ao menor custo (escala de produção) e à regularidade na oferta.

Verificou-se também que Entre Rios é grande importador de frutas, verduras e legumes, embora tenha potencial para a fruticultura de clima temperado e para a olericultura tanto para o consumo local quanto para fornecer ao CEASA de Belo Horizonte e a outros mercados.

O município importa parte do café utilizado para abastecer a torrefadora Camapuã, quando a região possui condições climáticas favoráveis à atividade cafeeira.

Outra constatação é que o leite, principal produto da economia local, carece de melhor estrutura de beneficiamento e de industrialização nas fronteiras municipais. A CAPERMIL recebe 25 mil a 30 mil litros/dia em Entre Rios, que são industrializados fora do município. A ASPROL recebe entre 18 e 20 mil litros e a empresa de laticínios Cayuabá, de 8 a 10 mil litros. A prefeitura estima que o município recebe mais impostos por mês com o leite industrializado do que toda a receita anual com o leite entregue à cooperativa e à associação.

Um produto tradicional de Entre Rios é a cachaça, fabricada em alambiques artesanais. Falta, porém, trabalho de marketing para tornar o município referência como produtor de cachaça de qualidade.

 

4 - REIVINDICAÇÕES

O plano agrícola municipal foi elaborado em quatro meses, entre outubro de 1999 e janeiro de 2000. Foram feitas quinze entrevistas com lideranças religiosas, empresariais, políticas e culturais para discutir a proposta. Em geral, os líderes manifestaram-se preocupados com o esvaziamento econômico do município. Consideraram importante investir na diversificação da produção agrícola, na formação profissional das pessoas ligadas à agricultura e no fortalecimento da agroindústria, além da valorização da tradição e do turismo.

Também foram realizadas reuniões com dez associações comunitárias rurais para a apresentação do documento. Segundo o técnico da EMATER-MG Eli Matiolli, as comunidades rurais solicitaram a intensificação dos cursos de indústria caseira (doces em barra e compota, queijos, manteiga, requeijão, entre outros), o aumento das campanhas de compra conjunta de mudas para ampliar os pomares domiciliares, excursões a outros municípios para aprender técnicas de cultivo (maracujá, frutas cítricas, etc.) e de comercialização direta com agroindústrias, assim como postos de venda direta dos produtos dos pequenos agricultores.

Outro pedido é a antecipação, de agosto para abril, do programa de calcário e fertilizantes para pequenos produtores. A prefeitura fornece a análise de solo e subsidia o transporte, além de ajudar na compra conjunta dos insumos, o que permite redução de mais de 50% no custo.

Segundo o agricultor Geraldo Campolina, presidente da Associação Comunitária São José das Mercês, crédito adequado e apoio da prefeitura e da EMATER são indispensáveis para o sucesso do plano agrícola.

 

5 - NUTRICIONISTA EM ZOOTECNIA

O pecuarista Saulo Mascarenhas Ribeiro de Oliveira, há mais de 20 anos na atividade, atua em duas frentes. Procura modernizar a própria produção leiteira (42 vacas com produtividade nas águas de 22 litros/vaca/dia) e preside a Cooperativa de Crédito Rural Campos da Mantiqueira (CREDICAMPO), que financia pequenos produtores.

Saulo procura tirar a alimentação do gado (rebanho de 110 cabeças) de uma área de 26 hectares. 'A alimentação é o maior custo que nós temos na produção leiteira. A diminuição no custo da alimentação gera algum resultado que proporciona a melhoria tecnológica.' A base da alimentação é a silagem de milho. 'A nossa região tem uma tradição de ensilagem bem superior à média de Minas. Isto é um indicativo da aptidão leiteira da região.' Além disso, tem a cana para o gado solteiro e o capim. São adquiridos fora da fazenda, para a composição da dieta do gado, o milho grão, soja ou a ração balanceada, caroço de algodão, feno e polpa cítrica.

Saulo incorpora o volumoso no cálculo do custo, hábito pouco comum. 'Você tem que considerar realmente a dieta como um todo. Quem não adotar esse conceito periga até sair da atividade. A gente não come só bife, mas arroz, feijão e bife. O arroz e feijão têm custo também.' O pecuarista tem assistência de nutricionista na área de zootecnia. 'Esse é um dos pontos que as cooperativas de produção, laticínios e talvez até a prefeitura têm que insistir com o produtor. É mais importante alimentar melhor a vaca, do que curar a vaca que já está doente.'

Saulo procura manter a alimentação ideal, para a produtividade almejada, na faixa de 40% a 45% da renda bruta total do leite. A silagem já embute o custo de calcário, aração de terra, semente e a lona plástica para cobrir o silo. Sobrariam 55% a 60% de resultado da fazenda para cobrir os outros custos e a renda do produtor. O pecuarista entrega 850 litros/dia de leite para a Associação dos Produtores de Leite de Entre Rios (ASPROL).

Quando foi diretor da CAPERMIL, Saulo Mascarenhas começou a instalar, em Entre Rios, câmaras frias para produzir queijos, mas o projeto não teve continuidade. 'Eu não vejo outra saída a não ser verticalizar a produção e agregar valor. Não podemos ser meros exportadores de leite in natura.'

A CREDICAMPO, presidida por Saulo Mascarenhas, iniciou as atividades em 1986 para suprir a falta de crédito ao produtor. Apesar das limitadas fontes de recursos e da incompreensão do governo quanto ao acesso aos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a CREDICAMPO emprestou cerca de R$250 mil no ano passado a pequenos e miniprodutores. A cooperativa dispõe atualmente de cerca de R$100 mil, que serão alocados até o máximo de R$3 mil por produtor. 'Com isso, conseguimos abranger um universo maior de produtores.'

Saulo acredita que, pela posição geográfica e pelas condições climáticas, Entre Rios pode transformar-se em centro de excelência em produção de leite. 'O grande trabalho é o da educação, da orientação tecnológica, para melhorar o nível do produtor.'

 

6 - LEITE COM CAFÉ

A produção de leite na propriedade de José Maia de Lima, conhecido como Zé do Café, fornece o esterco para a cultura do café. Os 600 litros/dia de leite - com projeto de aumentar para 1.500 litros/dia a curto prazo - são entregues na CAPERMIL. A fazenda já adota a ordenha mecânica (sistema de balde) e novo sistema de resfriamento. Com o auxílio do filho José Geraldo, ele está implantando a ordenha de circuito fechado (capacidade de 50 vacas/hora), a chamada espinha de peixe, em que o leite sai direto da vaca para o tanque. E começou a informatizar o controle de produção, de inseminação e de alimentação do gado. O próximo passo é entrar na industrialização. Para isso, um dos filhos de Zé do Café já fez curso de produtos de laticínios, como mussarela, requeijão e doce.

O cafezal (cerca de 65 mil covas) é destinado a abastecer a empresa Camapuã, que atualmente produz 25 toneladas de café torrado por mês (a capacidade é de 80 a 100 toneladas/ mês). A produção própria de café, porém, é suficiente para apenas 15 dias, ou um quarto das necessidades de processamento. O restante do café para abastecer a indústria é buscado do sul de Minas. Por isso, Zé do Café pretende plantar mais 200 mil covas de café, uma vez que as condições de Entre Rios são adequadas para o tipo bebida dura. O empresário está buscando novos mercados, inclusive no exterior.

Na linha de diversificação das atividades, Zé do Café implantou cerca de quatro hectares de lâmina d'água para criar peixes. A produção estimada em 50 toneladas de peixe por ano será destinada ao abastecimento de tanques de pesque-pague. Zé do Café também tem um pomar variado de frutas, como laranja, banana, goiaba, jabuticaba, abacate e caqui.

Produção de frutas (figo, tomate japonês, manga, maracujá doce, etc.) para a fabricação caseira de sucos, doces e licores é um dos projetos em andamento na propriedade de 36 hectares do engenheiro aposentado da Vale do Rio Doce, Luiz Miranda de Resende. Para a venda do produto in natura e processado, ele está construindo uma lanchonete à margem da rodovia BR 383 (Belo Horizonte – São João Del Rei). Também atua na produção de leite (até 500 litros), que passará a ser industrializada na própria propriedade, cria cavalos da raça piquira para o mercado nacional e começa a produzir peixes (pintado e surubim) nos cinco hectares de lâmina d’água implantados, para abastecer pesque-pague e também para colocar no ponto de vendas da rodovia.

 

7 - PROVIDÊNCIAS

A feira livre semanal, a ser inaugurada no dia 22 de abril, visa estimular a produção, o processamento e a venda local de hortigranjeiros (frutas, legumes e verduras) e dos derivados do leite, da cana-de-açúcar e da carne. Cada associação comunitária rural vai ter duas bancas fixas. Para apoiar a comercialização, a EMATER deverá dar pelo menos um curso mensal de industrialização caseira.

O Conselho Municipal de Desenvolvimento (CONDER), que fará a primeira reunião em abril por ocasião da comemoração dos 500 anos do Brasil, deverá acompanhar a introdução do planejamento, contribuindo para a consolidação do plano agrícola municipal.

Além de viabilizar recursos para infra-estrutura (estradas vicinais, eletrificação rural, etc.), a prefeitura municipal deve atuar na articulação junto a entidades financiadoras de projetos. Recente reunião com a gerência regional do Banco do Brasil discutiu a inclusão das associações comunitárias rurais no PRONAF Agregar, por meio do financiamento de pré-custeio (fertilizantes, sementes, calcário, etc.) e de agroindústrias mediante projeto elaborado pela EMATER. O prefeito também iniciou contatos com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) para buscar recursos financeiros adequados às diretrizes do plano diretor. 'E vamos também ao BNDES ver quais os recursos disponíveis, por exemplo, para a revitalização da pecuária leiteira', como melhoria genética do rebanho e granelização da coleta (resfriadores e tanques de expansão).

Outro alvo é o SEBRAE que desenvolve trabalho de apoio a pequenos empreendimentos nas áreas agrícola e agroindustrial. Técnicos do SEBRAE já estão visitando o município para fomentar ações, inclusive a profissionalização na área de comércio.

Entre as iniciativas para estimular o agroturismo, destacam-se a criação de pontos de venda à margem da BR 383 (rodovia Belo Horizonte a São João Del Rei), adaptação de fazendas em estilo antigo para hotéis-fazenda (as fazendas Paiol e Santa Marta e o Hotel Equestre já recebem turistas) e a inclusão de Entre Rios na rota turística do trajeto da 'Estrada Real' (estrada por onde o rei passava quando ia do Rio de Janeiro a Diamantina), que está sendo revitalizada.

Para ampliar o turismo e facilitar o escoamento da produção para São Paulo, a prefeitura trabalha junto ao governo estadual para o asfaltamento dos 59 quilômetros da rodovia MG 270, que liga Entre Rios com a rodovia Fernão Dias (em Carmopólis).

 

Data de Publicação: 01/03/2000

Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor