Análise De Investimento Em Plantio Direto Para Um Modelo De Sucessão Milho-soja, Estado De São Paulo

            Os estudos e experimentos sobre plantio direto começaram nos Estados Unidos da América do Norte, por volta dos anos 1940 e 1950, utilizando-se da base teórica proporcionada pela doutrina conservacionista que trata do uso e esgotamento dos recursos naturais na agricultura. A relevância dessa doutrina, que teve seu auge no período entre a I e a II Grande-Guerra Mundial, foi maior antes de ser sobreposta pelo atual modelo produtivista da agricultura1 . Este último modelo, que acabou por se generalizar em várias regiões do mundo, é conhecido por ser um conjunto tecnológico constituído pelas variedades vegetais e animais melhoradas geneticamente e pelos insumos originados na indústria química e farmacêutica, completado pelo uso de máquinas agrícolas movidas por combustíveis fósseis e energia elétrica.
            Por sua vez, a disseminação dessa forma de produzir, se trouxe consigo enormes benefícios relativos ao aumento da produção e produtividade, ajudou também a disseminar a erosão e a aumentar a degradação dos solos susceptíveis, principalmente pela forma estabelecida para o seu manejo, o qual implica em grande mobilização em algumas fases do ciclo produtivo.
            Sistema de manejo do solo que substitui o manejo convencional, o plantio direto é comprovadamente superior, em muitas circunstâncias, notadamente por não utilizar as operações mecânicas de preparo do solo para o plantio, substituindo-as pela abertura de sulcos, suficientes para receber as sementes, sem qualquer tipo de revolvimento. Em termos econômicos, sua vantagem é expressa no menor custo representado pela redução das horas-máquinas empregadas e, consequentemente, no menor gasto com combustíveis e lubrificantes. Em termos físicos, os benefícios passam pelo maior teor de umidade ocasionado pelo fato de o solo ficar mais protegido pela cobertura vegetal e por tornar-se menos desestruturado em razão do menor 'passeio' de máquinas.
            Além do mais, esse sistema é, muitas vezes, a única maneira de garantir a exploração agrícola, principalmente se o uso do solo combinar dois fatores perniciosos, quais sejam a super-exploração agrícola e a existência de elevada susceptibilidade à erosão.
            No Brasil, o plantio direto foi introduzido no Paraná, em finais dos anos 1960 e início dos anos 1970 na atividade de produção de grãos2 . Em São Paulo, a sua ocorrência destaca-se nos Escritórios de Desenvolvimento Rural (EDRs) de Assis e Ourinhos - região do Vale do Paranapanema - aonde há tradição de cultivo em sucessão, como por exemplo a soja e o trigo, ou a soja e o milho safrinha.
            Há indicações de que o plantio direto se viabiliza técnica e economicamente com a adoção da rotação de culturas, compreendendo também o uso de adubos verdes3 . A fim de confirmar esses resultados obtidos, procura-se desenvolver uma análise dos investimentos necessários para se implantar o plantio direto em um modelo de sucessão milho-soja, de acordo com o padrão tecnológico de produção mais elevado da região de Ourinhos (SP), que compreende o seguinte cronograma: início do ciclo produtivo no verão com o plantio do milho, seguido da aveia, no inverno, que será incorporada como matéria orgânica. No ano seguinte, planta-se a soja e depois o girassol para indústria e, assim, sucessivamente.

Análise dos resultados

            As informações para compor os fluxos de caixa do modelo de sucessão e do sistema convencional foram coletados em Oliveira & Veiga Filho (2002)4 e processados pelo software MADS III PLUS, desenvolvido na FAO/ONU. Este sistema permite a elaboração de modelos para comparação de planos de investimentos alternativos. Os indicadores analíticos utilizados são a taxa interna de retorno incremental (TIR), o valor atual líquido (VAL) e a análise de sensibilidade.
            A TIR incremental, recomendada para comparar alternativas de investimento mutuamente exclusivas, é utilizada para selecionar projetos a partir do critério de comparação da taxa de retorno do fluxo de caixa incremental (diferença entre os fluxos de caixa dos projetos analisados) com o custo de oportunidade do capital. No caso positivo, quando a TIR incremental for superior ao custo do capital, a recomendação é a de se escolher o modelo com os novos investimentos.
            O VAL é o valor do saldo líquido atualizado a uma taxa de desconto relevante, como por exemplo o custo de oportunidade do investimento, também utilizado para selecionar projetos. Foi calculado para os modelos com os novos investimentos, com o objetivo de comparar suas receitas líquidos5.
            A análise de sensibilidade faz-se pela determinação do valor crítico para a receita líquida e para o valor de investimento, consistindo das alterações nessas variáveis que tornam o projeto de investimento rejeitável ou aceitável.
            Os fluxos de caixa foram elaborados a partir das matrizes de custos das explorações agrícolas utilizadas. Levam em conta os gastos variáveis e fixos efetivos, excluindo-se a depreciação (valor contábil) e a estimativa dos encargos financeiros de custeio (uma vez que também não se computou esse empréstimo como receita). Os investimentos que compuseram o fluxo de caixa foram os gastos de aquisição da semeadora-adubadora de plantio direto, do rolo-faca utilizado para incorporar a aveia como matéria orgânica e da plataforma para colheita de soja, além do gasto feito para realizar uma adaptação na colhedora, de maneira a se efetuar a colheita do girassol. Os valores estão em Reais, constantes e atualizados para o período da safra 2000/01, e o horizonte de análise considerado é de 10 anos.
            Estabeleceram-se modelos de sucessão de tamanhos variados para confirmar o tamanho mínimo de área que viabiliza economicamente o uso da semeadora-adubadora de plantio direto6 e, também, para avaliar o comportamento dos indicadores em função do tamanho e das condições estabelecidas para os investimentos (tabela 1).
            A TIR incremental do modelo de 9 hectares mostra que o seu valor fica abaixo do custo de oportunidade de 8,75% ao ano, que é igual à taxa de juros do programa de financiamento MODERFROTA, sendo praticamente igual para o modelo de 10ha. Isso ajuda a confirmar os resultados encontrados de um tamanho mínimo em torno de 10ha para as aquisições previstas 6. A taxa incremental do modelo de 15ha (de 17,9 %) demonstra sua viabilidade a esse custo de oportunidade, sendo também superior às taxas comparativas até 18%.

Tabela 1. Indicadores de avaliação dos investimentos nos
modelos de sucessão de plantio direto

Indicadores
modelos alternativos em hectares
9
10
15
20
20 (a)
20 (b)
TIR incremental
7,3
9,2
17,9
25,8
11,9
13,4
 .
VAL (8,75%)
275
3.944
22.289
40.634
16.172
19.567
Valor Crítico:  . . . . . . .
Renda líquida 
-0,8%
-10,7%
-40,5%
-55,4%
-22%
-26,7%
Investimento
0,8%
12%
68,1%
124,1%
28,3%
36,4%
.
VAL (12%)
-4.228
-973
15.299
31.572
6.519
10.452
Valor Crítico: . . . . . .
Renda líquida  . .
-31.3%
-48,5%
-10%
-16,1%
Investimento . .
45,6%
94,2%
11,1%
19,1%
.
VAL (18%) . .
5.657
19.029
-6.754
-1.835
Valor Crítico: . . . . . .
Renda líquida  . .
-14,1%
-35,6%
. .
Investimento . .
16,4%
55,2%
. .
.
VAL (22%) . .
896
12.812
-13.286
.
Valor Crítico: . . . . . .
Renda líquida  . .
-2,5%
-26,9%
. .
Investimento . .
2,6%
36,8%
. .
.
VAL (28%) . .
-4.558
5.669
. .
Valor Crítico: . . . . . .
Renda líquida  . . .
-13,9%
. .
Investimento . . .
16,1%
. .
.
VAL (36%) . . .
-1.114
. .
(a) valor do investimento da semeadora-adubadora igual ao dobro do valor constante nos modelos anteriores (R$ 54.000,00)
(b) considerando como financiado R$ 15.000,00 pelas regras do FEAP, e investimento próprio de R$ 39.000,00.
fonte: dados da pesquisa.

            Para os três modelos de 20ha (área máxima diária tecnicamente viável para a semeadora-adubadora, marca Jumil, PD2880), simulou-se o investimento dessa máquina, variando o valor e as condições de financiamento, separando-o em investimento próprio e em recursos de terceiros. No primeiro caso, o valor estabelecido foi de R$ 27.000,00, que vigorou para aquisição em 2000/01. No segundo caso, o valor simulado foi o dobro do anterior (R$ 54.000,00), em razão de se ter verificado aumento nos preços no ano de 2002. No terceiro caso, considerou-se este último valor, com o financiamento de R$ 15.000,00 nas condições de pagamento do Fundo de Expansão da Agricultura e da Pesca (FEAP).
            A melhor situação entre os três modelos é aquela em que o investimento é o de valor mais baixo, pois possibilita uma TIR incremental de 25,8% ao ano, tornando-a inviável apenas a partir de custos de oportunidade muito altos. As duas outras simulações também demonstram viabilidade, porém a custos de oportunidade mais baixos. Ressalte-se que a TIR incremental aumenta quando se distribui o investimento ao longo do período do projeto, conforme se verifica na comparação entre os modelos 20(a) e 20(b), indicando que o mecanismo de desembolso e condições favoráveis de financiamento melhoram a remuneração do projeto.
            Em termos de VAL, verifica-se que a maior renda líquida atualizada é para o modelo de 20ha, o qual ao final de 10 anos garantiria R$ 40.634,00 de renda líquida, desde que as condições de preços relativos permanecessem sem alterações. Isto geraria remuneração positiva a taxas de desconto bastante elevadas, tais como a de 28%, neste caso ainda com um saldo líquido de R$ 5.669,00.
            Por outro lado, em condições mais reais de elevação do valor de investimento, haveria, ainda assim, saldo líquido atualizado de R$ 16.172,00, conforme o modelo 20(a). Nas condições de financiamento parcial do modelo 20(b), haveria um saldo líquido atualizado de R$ 19.567,00, à taxa de desconto de 8,75%, ligeiramente melhor que a anterior pela distribuição dos gastos e desembolsos ao longo do período. Observa-se, também, que o VAL, nestes dois últimos modelos, somente torna-se negativo a partir da taxa de desconto de 18% ao ano.
            Por fim, a análise de sensibilidade (Valor Crítico) dos modelos de 15ha e de 20ha mostra excelentes margens de segurança para variações nos valores da renda líquida e do investimento, enquanto para os modelos de 20(a) e 20(b) essas margens ficam em patamares menores, mas garantem boa segurança para variações nos valores da variáveis consideradas, antes de rejeitar os projetos.
 
 

1 Hayami, Y.; Ruttan, V.W. Desenvolvimento Agrícola, teoria e experiências internacionais. Brasília, EMBRAPA, s.p., 1988.
2 Sade, Mauro. Uma breve história...Ponta Grossa/PR, Federação Brasileira de Plantio Direto na Palha, Boletim Informativo, ano 1, no.1, julho/setembro de 2000.
3 Derpsch, R. Expansão mundial do plantio direto. Plantio Direto, no. 59, set/out, 2000.
4 Oliveira, M. D. M.; Veiga Filho, A. A.    Análise Comparativa das Alternativas de Plantio Direto e Convencional – estudo de caso para um sistema de rotação. Relatório de Projeto, 2002 (mimeo.)
5 Pomeranz, Lenina. Avaliação de Projetos. São Paulo, HUCITEC, 246p, 1985.
6 A estimativa de tamanho mínimo para as condições estudadas está em torno de 10 ha, conforme Veiga Filho, A. A.; Oliveira, M.D.M.  Estimativa de tamanho mínimo de área para introdução de plantio direto. Disponível em
www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=321.

Data de Publicação: 14/06/2002

Autor(es): Alceu De Arruda Veiga Filho Consulte outros textos deste autor
Marli Dias Mascarenhas Oliveira (marlimascarenhasoliveira@gmail.com) Consulte outros textos deste autor