Avestruz, um bom negócio?

            A estrutiocultura - criação de avestruz - vem despertando grande interesse em São Paulo, onde teve início o processo criatório. O Estado já responde por 35% do plantel nacional, estimado em 220 mil aves nas diversas fases etárias.
            Há cerca de dez anos, quando chegaram os primeiros filhotes ao Brasil, oriundos da África do Sul, houve muitas críticas e desconfiança. E prevalecia a opinião de que se tratava de um efêmero hobby para a classe abastada.
            Sem dúvida, no início do processo, houve necessidade de somas elevadas para a aquisição de matrizes. E sabe-se que a carne de avestruz, principal foco da atividade, é muito cara para os padrões médios de consumo brasileiros.
            Oficialmente, foi considerada como ave de exploração comercial a partir de março de 2003.
            Segundo o Dicionário Houaiss, a ou o avestruz (Struthio camelus) pertence à família dos estrutionídeos, palavra que tem origem no latim medieval e em grego significa pássaro-camelo. Trata-se de uma ave corredora (ratita) com cerca de 2,50m de altura, pernas longas e fortes e com peso médio de 150 kg na fase adulta. É a maior ave vivente, naturalmente encontrada nas planícies áridas da África e da Arábia.
            Do animal abatido, aproveita-se quase tudo, principalmente, carne, couro, plumas e ovos, destes inclusive a casca. O ovo é 25 vezes maior que o da galinha! No abate, obtém-se de 30 a 40 kg de carne.
            A criação comercial teve início há cerca de 150 anos, com a domesticação de animais nativos da África do Sul, país que ocupa a liderança no fornecimento de carne produzida com base no modelo cooperativista.1
            Só há aproximadamente 20 anos a produção comercial hegemônica daquele país foi quebrada com a entrada de outros concorrentes - Estados Unidos, Austrália, Zimbábue, Namíbia, Espanha e Portugal têm destaque. Atualmente, existem 29 paises que produzem avestruzes com fins comerciais. A Europa é o grande centro de consumo.
            Embora se trate de uma ave, o animal não apresenta músculos peitorais desenvolvidos como o pato ou o frango. A maior quantidade de carne está localizada nas coxas e no dorso, por se tratar de um animal corredor. 2
            Interessante é que, por ser 'vermelha', na realidade a carne da ave concorre com a carne bovina (e não com a de outras aves), também devido à textura e sabor. Apresenta certas vantagens nutricionais entre as quais menores teores de gordura e colesterol, além de conter omega 3 e 6 e elevado teor de ferro.
            Quanto à nutrição, o avestruz é um animal peculiar, pois ao contrário do frango de corte digere bem as fibras mesmo sem possuir rúmen como os bovinos. Por outro lado, como os frangos, tem dificuldade em ingerir a ração farelada. Daí a necessidade de fornecer o alimento na forma peletizada. Também para cada etapa da criação existem rações específicas, para otimizar o desenvolvimento dos animais.
            Além disso, como 1/3 da energia que as aves necessitam provém de fibras, é imprescindível na criação o fornecimento de pasto sob formas diversas (gramíneas, leguminosas, feno, silagem, etc.).3
            A ração já é produzida por muitas empresas e cooperativas e tem um preço relativamente alto, segundo informações de criadores. A tendência é que diminuam os custos de produção da alimentação das aves com o aproveitamento de ingredientes alternativos aqui disponíveis, desde que não haja comprometimento nutricional da qualidade. Estima-se o consumo médio de 1,5 a 2,0 kg.de ração por ave/dia.
            A estrutiocultura é um nicho de mercado, a exemplo de tantos outros com amplo potencial de exploração. Sobretudo, visa ao mercado externo, ávido por novidades e preciosidades.
            A produção nacional, considerando as aves aqui nascidas, ainda é pequena, cerca de 10 mil cabeças. Em temos de rebanho, o país já é o quarto do Mundo, atrás da África do Sul, da Austrália e de Israel. Espera-se que possa entrar efetivamente no circuito comercial quando contar com cerca de 350 mil cabeças. Com isso, poderá ocorrer queda substancial no preço da carne.4
            Também haverá maior suprimento de plumas que são usadas como enfeite no Carnaval e outras festas regionais, diminuindo o ritmo das importações. As plumas também são destinadas às indústrias automotiva e eletrônica em razão de suas propriedades antimagnéticas. O couro por sua vez é o segundo mais caro que existe, depois do de jacaré, e tem ampla utilização na confecção de bolsas, sapatos, cintos, e casacos.
            A cadeia produtiva, ainda em fase de formação, está se organizando para evitar futuros dissabores. Tem contribuído para isso a formação de associações estaduais e, sobretudo, os esforços para a consolidação desta nova atividade por parte da Associação dos Criadores de Avestruzes do Brasil (ACAB).5
            A revista especializada Struthio & Cultura, com quatro anos de existência (a edição n. 18 foi publicada em agosto/setembro de 2005), também tem tido papel importante, com a divulgação de textos técnico-científicos e relatos de empresários visando ao fortalecimento da criação no País.
            A importância que a atividade vem adquirindo no Estado levou a Secretaria de Agricultura e Abastecimento a realizar um encontro solicitado pela ACAB. O objetivo era discutir e referendar a proposta de instalação da Câmara Setorial de Ratitas, a exemplo de outras 25 já existentes no âmbito da Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios ( CODEAGRO).6
            O evento foi realizado em 29/09/2005 e contou com a participação de representantes do novo negócio e de técnicos governamentais. Foi feita uma apresentação expondo os motivos e encaminhado documento para a concretização da referida câmara.
            No Estado, a entidade representativa é a Associação dos Empreendedores Paulistas da Estrutiocultura (AEPE).7. Existem também quatro cooperativas, com duas delas já realizando abates ainda conjuntamente devido à pequena oferta de animais. No País, são 20 as cooperativas envolvidas neste agronegócio.
            A rentabilidade da ave, comparada com a da carne bovina, sem dúvida é favorecida, embora vis-à-vis a carcaça do boi seja mais produtiva, individualmente. Acontece que se bem conduzida a estrutiocultura permite a geração de maior número de filhotes com qualidade e daí o maior volume de carne produzida.
            Contudo, este tipo de comparação nem sempre é determinante, pois a pecuária de corte nacional tem séculos de história e vem apresentando melhorias tecnológicas de toda a sorte, a ponto de colocar o País no top dos exportadores deste produto. O mesmo pode-se dizer dos frangos e dos suínos, que têm destaque no cenário externo.
            Porém, o descuido com a sanidade tem periodicamente trazido problemas ao complexo protéico-animal brasileiro, e serve como alerta para a cadeia produtiva do avestruz. A inserção da cadeia no Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA) é de primordial importância!
            A pesquisa também deve ser intensificada, pois pouco se conhece de fato sobre esta nova exploração. A adaptação às condições brasileiras é fundamental para a sustentabilidade do empreendimento.
            A questão da rastreabilidade também é importante por conta da grande preocupação com a segurança alimentar. Espera-se que este segmento de introdução relativamente recente no Brasil possa adotar o sistema com menor resistência do que outras cadeias produtivas.
            Por enquanto, até por força de sua jovialidade e de suas características, a estrutiocultura tem um mercado diferenciado e restrito (nicho), mas com possibilidades de ampliação. A concorrência com outras carnes parece distante. Até quando não se sabe.
            Pode ser a bola da vez, mas na realidade é uma atividade econômica como outra qualquer e não deve ser considerada a 'galinha dos ovos de ouro' como muitos apregoam para atrair investidores. A relação custo-benefício deve ser o determinante na tomada de decisão. Fica o alerta!8

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1 MUNIZ, L. R. A importância da Câmara Setorial de Ratitas para o Estado de São Paulo. Documento apresentado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, SP: ACAB, 12 set.2005.
2 MANUAL BÁSICO DE CRIAÇÃO DE AVESTRUZES. Grupo Savanatruz: www.savanatruz.com.br. 03/10/2005.
3 LECZNIESKI, J. Aspectos importantes sobre nutrição de avestruzes. Struthio & Cultura, SP, v.3, n.9, p.6-8, fev/mar. 2004.
4 WOLFF, J. O avestruz veio para ficar e conquistar seu espaço. Disponível em: www.portaldoavestruz.com.br. 13/10/2005.
5 ACAB: www.acab.com.br
6 CODEAGRO: www.codeagro.sp.gov.br
7 AEPE: www.aepe.com.br
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-100/2005

Data de Publicação: 01/11/2005

Autor(es): Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor