Consolidando A Reforma Agrária No Brasil

            Quem tem interesse pelos assuntos relativos à questão agrária, e acompanha os textos acadêmicos e/ou produzidos pela mídia em que a reforma agrária é a estrela principal, regra geral não encontrará referências à Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab), como se todo o trabalho empreendido e os resultados obtidos fossem insuficientes para caracterizar sua real importância.
            Fundada há nove anos, a Concrab congrega 45 cooperativas de produção agropecuária, 10 cooperativas regionais de comercialização, dezenas de associações e oito Cooperativas Centrais de Reforma Agrária, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Pernambuco e Ceará, e está em fase de consolidação nos estados do Mato Grosso do Sul, Sergipe, Maranhão, Rondônia e Rio Grande do Norte. É no mínimo incompreensível que a entidade, que representa a implantação do Sistema Cooperativista dos Assentados, ainda permaneça à margem da discussão e, portanto, dos textos.
            Desde a conquista das primeiras áreas para assentamentos de reforma agrária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pretendeu entrar no estágio da viabilização das melhores formas de cooperação entre os assentados, o que levou a um processo no qual surgiram as cooperativas centrais que culminaram na criação da Concrab em 15 de maio de 1992, e efetivamente tem mostrado seus frutos através da alta produtividade, melhor qualidade de vida e renda familiar média acima da obtida por agricultores assentados sem este nível de articulação. Fosse isso divulgado, então talvez os estudiosos e a mídia explorassem positivamente os resultados concretos da organização e mudassem sua forma de olhar e discutir a reforma agrária.
            Para que fique mais clara a defesa desta idéia, nada melhor do que a leitura de um bom texto sobre a questão agrária. Não por acaso, foi escolhido o livro 'Reforma Agrária: O Impossível Diálogo' (2000), do sociólogo José de Souza Martins. Entre muitas outras coisas, ele critica a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o MST, que estariam reduzindo a reforma agrária a uma questão meramente quantitativa, isto é, pregando apenas a distribuição de terras, enquanto continuariam operando simultaneamente às desapropriações os mecanismos de reconcentração da propriedade.
            A crítica é dura, às vezes ácida. O sociólogo chega mesmo a afirmar que 'MST e CPT perderam o controle do seu projeto de transformar a sociedade brasileira através da transformação da estrutura agrária. (...) Querer fazer uma revolução sem dela participar de maneira ativa, pública, responsável, criativa e política, nas condições possíveis e viáveis, é querer nada'. E acrescenta que o programa agrário do MST é pobre, muito aquém do programa governamental. Segundo ele, é o Estado que detém os procedimentos flexíveis para corrigir as tendências concentracionistas da terra.
            A queixa de Martins baseia-se no fato de que o MST e a CPT não buscam legitimar a inclusão do Estado para a solução da questão agrária no Brasil e, com isso, perdem importante interlocutor para 'negociar propostas, admitir limites e possibilidades'. Sem aprofundar essa discussão, também é fato que o trabalho da Concrab – filha legítima do Movimento - tem sido no sentido de impedir a concentração, apresentando resultados que expressam a maior capacitação dos assentados nos aspectos técnicos, políticos e organizativos.
            Para apoiar o trabalho de base, esta Confederação já elaborou seis cartilhas, que orientam desde a questão contábil, previdenciária e trabalhista das cooperativas até a política de desenvolvimento da cooperação agrícola. Além dos cursos nacionais, muitas são as atividades de capacitação técnica nos assentamentos. Destacam-se os freqüentes Laboratórios Organizacionais de Campo (LOC) e os cursos de Formação Integrada na Produção (FIP).
            Em quatro anos, a Concrab havia assegurado mais de US$300 milhões para a produção nos assentamentos, através do Programa Especial de Crédito para Reforma Agrária (Procera). Também merecem destaque, neste período, o programa de assistência técnica nos assentamentos do Nordeste; as equipes técnicas que colaboram com as coordenações estaduais dos assentados do Maranhão, Sergipe, Alagoas e Rio Grande do Norte; e o convênio entre a Cooperativa Central e o governo do Estado do Paraná garantindo 25 técnicos.
            Alguns avanços já marcam a história da Confederação: a unidade de transformação de erva-mate em Santa Maria do Oeste (PR), com capacidade instalada de 3500 kg de erva-mate verde/hora; a unidade de beneficiamento de café em São Mateus (ES), com capacidade de beneficiar 10 mil sacas durante a safra; e a unidade de resfriamento de leite em Sarandi (RS), resfriando 13 mil litros diários, entre outros.
            A diversificação da produção é tendência que se firma. São exemplares os 170 hectares de caju e os 122 hectares de coco da Copaglam; os 200 hectares para produção de sementes olerícolas na Cooperal, em Bagé (RS); e as 120 dúzias de alface produzidas semanalmente em seis estufas na Copac, em Charqueadas (RS). Os assentamentos nos municípios de Hulha Negra e Bagé (RS) são responsáveis por 40% da produção nacional de sementes de hortaliças.
            Ampliar e avançar nas diversas formas de cooperação agrícola, envolvendo o maior número de assentados, e garantir alta produtividade do trabalho e da produção nas cooperativas são alguns exemplos de desafios superados no período que vem desde a fundação. Enfim, com todo o respeito ao excelente texto de J.S.Martins, tivesse sido incluída a Concrab na análise, talvez o próprio autor concordasse que na reforma agrária o diálogo não é tão impossível assim. 
 

Data de Publicação: 11/09/2001

Autor(es): José Eduardo Rodrigues Veiga (zeveiga@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor