Algodão transgênico: liberação e possíveis implicações econômicas e sócio-espaciais

            As últimas deliberações do governo federal relativas aos organismos geneticamente modificados (OGMs) na cultura algodoeira no Brasil, como a Portaria nº 437 de 21 de outubro de 2005, indicam para a tendência futura do uso comercial de variedades transgênicas em território brasileiro. Algumas das possíveis conseqüências econômicas e sócio-espaciais decorrentes das decisões políticas adotadas até o presente momento são analisadas a seguir.
            Em primeiro lugar, discorre-se sobre as últimas deliberações do governo federal acerca do uso comercial de variedades de algodão transgênico no país. Em seguida, aborda-se com maior detalhe a definição e o mapeamento das ‘áreas de exclusão’, que dizem respeito ao aparecimento involuntário de OGM na cultura algodoeira para a safra 2005/06.
            Em terceiro lugar, toca-se sucintamente em opiniões divergentes sobre a adoção dos OGMs para o algodão e os possíveis impactos ambientais e para a saúde humana e animal. E, por último, discutem-se possíveis transformações no ordenamento territorial das áreas produtoras de algodão no Brasil, a partir da constatação de que tradicionais estados produtores da fibra, como é o caso da zona meridional (estados de São Paulo e Paraná), não estão inseridos naquilo que o governo denominou por ‘áreas de exclusão’.
            As resistências e os debates sobre a adesão a uma inovação tecnológica, tal como acontece com os OGMs, retratam os conflitos de opiniões e interesses no interior da sociedade, no tocante aos aspectos econômico-financeiros, políticos, sociais e ambientais. No entanto, há evidências de que '... no futuro a humanidade acabará aceitando os produtos transgênicos, após testes que comprovem sua eficácia e segurança' 1.
            Neste sentido, as notícias de que produtores rurais já estão utilizando sementes geneticamente modificadas, somadas ao fato das últimas deliberações do governo federal para o cultivo comercial de sementes de algodão BT, espelham o caminho escolhido pelo Brasil para o uso comercial dos transgênicos.
            Em março deste ano, foi emitida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)2 a aprovação do uso comercial da semente transgênica produzida pela multinacional Monsanto. Após os estudos e análise de biossegurança com a nova variedade, o parecer técnico conclusivo da CTNBIO (nº 0513/2005) decidiu a favor da liberação para o plantio comercial e uso humano e consumo animal do Algodão Bollgard.
            A nova variedade resolverá um dos principais problemas que atacam a lavoura do algodão: as pragas curuquerê-do-algodão (Alabama argillacea), a lagarta-rosada (Pectinophora gossypiella) e a lagarta-da-maçã (Heliothis virescens). Contudo, em razão dos trâmites para a certificação da nova variedade, a previsão é de que somente na safra 2006/07 terá início a comercialização de sementes transgênicas de algodão no país.
            Até agora, a MDM – joint venture entre o grupo brasileiro Maeda e a norte-americana DeltaPine – foi a única empresa autorizada pelo Ministério da Agricultura para a multiplicação das sementes desenvolvidas pela Monsanto3.
            Soma-se a isto a mais recente Portaria nº 437 (de 21/10/2005), do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA)4, sobre os organismos geneticamente modificados (OGMs), que define as zonas proibidas para as sementes transgênicas de algodão no país. A partir do parecer técnico nº 480/05 emitido pela CTNBio e do Comunicado Técnico nº 242 da Embrapa Algodão5, o MAPA estabeleceu o zoneamento ao indicar as chamadas 'zonas de exclusão'.
            As zonas de exclusão são as áreas temporariamente não contempladas com o limite de 1% de tolerância para a presença adventícia, involuntária, de OGMs nas plantações do algodão convencional para a safra 2005/2006. A medida visa proteger as áreas com cultivo de espécies tradicionais e naturalizadas de algodão, além de assegurar que a inovação não altere a estrutura produtiva existente.
            Segundo os estudos e a orientação técnica da Embrapa, estão incluídos na zona restritiva os estados de Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Tocantins, bem como parte do território dos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte. Desta forma, ficam isentos da medida tradicionais estados produtores de algodão, como Paraná e São Paulo, na zona meridional do país.
            As constantes notícias em jornais de todo o Brasil acerca da liberação comercial do algodão transgênico - especialmente em razão das discussões realizadas em setembro no Congresso Brasileiro de Algodão na capital baiana - chamam a atenção para experiências de uso comercial de sementes transgênicas há vários anos em outros países. A variedade de algodão Bollgard é utlizada em países como Estados Unidos, Índia, Austrália, Argentina, Paraguai e Canadá. Daí as fortes pressões de grande parte de produtores por meio de associações estaduais para a liberação comercial das variedades transgênicas.
            O produtor e vice-presidente da Associação Mato-Grossense dos Produtores de Algodão (AMPA), Sérgio De Marco, afirma que a sobrevivência do setor depende, entre outros fatores, da liberação das sementes modificadas6. Na mesma linha de pensamento, João Carlos Jacobsen Rodrigues, presidente do Fundo para o Desenvolvimento do Agronegócio do Algodão (FUNDEAGRO) e da Associação Bahiana de Produtores de Algodão, diz: 'A aprovação do transgênico não é a solução definitiva para melhorar a competitividade da produção brasileira, mas uma importantíssima ferramenta para a consolidação do mercado brasileiro de algodão'7.
            A principal defesa em relação aos OGMs no algodão diz respeito ao aumento da produtividade e da competitividade do produto brasileiro no cenário internacional, considerando a economia nos custos de produção com o uso da nova variedade. Tal como vem ocorrendo na Argentina e nos Estados Unidos, espera-se que haja grande vantagem econômica no uso da variedade geneticamente modificada, reduzindo a aplicação de inseticidas no combate às principais pragas do algodoeiro.
            Segundo o pesquisador da Embrapa, Eleusio Carvalho Freire, as aplicações de pesticidas e o controle da lavoura são responsáveis por cerca de 20% do custo de produção na plantação de algodão8. Desse modo, haveria também a diminuição dos efeitos danosos apresentados pelo uso sucessivo de defensivos no combate às pragas.
            Associado a essa vantagem, diminuiria a poluição provocada por rejeitos industriais e permitiria uma economia de custos em relação à água usada nas pulverizações, bem como no transporte e no armazenamento dos defensivos. Por isso, o melhorista Eleusio Freire ressalta a importância dos estudos da Embrapa para o lançamento de variedades geneticamente modificadas.
            Os trabalhos realizados pela EMBRAPA e pela CTNBio assinalam que não há indícios de modificações nos principais componentes naturais presentes no algodão Bollgard. Portanto, haveria segurança para consumo humano e animal dos produtos derivados do caroço tal como aquele proveniente do algodão convencional.
            Além disso, as experiências com a nova variedade mostram que não houve alterações morfológicas, fenológica ou de arquitetura da planta. Portanto, não ocorreram mudanças na qualidade das fibras. As análises mostram ainda que não haverá modificações no solo e em suas relações ecológicas e funcionais. Ainda assim, o parecer técnico da CTNBio considera que:

(i) a Monsanto do Brasil Ltda., empresa detentora da tecnologia Bollgard, deverá fornecer as seqüências dos iniciadores (primers) para detecção de evento específico aos órgãos de registro e fiscalização; (ii) respeitar as zonas de exclusão para o plantio de algodão geneticamente modificado, conforme proposto por Barroso e Freire (2004) e definir e limitar a época de plantio do algodão Bollgard evento 531 nas diferentes regiões produtoras de algodão, principalmente em localidades com cultivos de algodão safrinha; (iii) deverão ser preconizadas áreas de refúgio com cultivares não transgênicas de algodão correspondentes a 20% da área a ser cultivada com o algodão Bollgard evento 531, localizadas a distâncias inferiores a 800 m; (iv) adotar práticas de manejo conservacionista da cultura do algodoeiro, tais como a destruição da soqueira, a queima para controle de doenças, a rotação de culturas, o emprego de culturas armadilhas e o controle biológico ...

            Por outra parte, os alertas de organismos contrários ao uso de OGMs, como o Greenpace9, questionam os estudos e pesquisas até então realizados e advertem para futuros danos não previstos ao meio ambiente como a perda de variedades tradicionais por contaminação. Destaca-se, ainda, o fato de que a nova variedade, tais quais as variedades tradicionais em uso, também não soluciona o problema do bicudo, uma das principais pragas no algodoeiro. Daí o presidente do Fundo de Apoio à Cultura do Algodão (FACUAL), Álvaro Salles, alertar para os possíveis danos na lavoura em caso de o produtor do Mato-Grosso optar pelo plantio de algodão transgênico10.
            Outros argumentos advertem sobre a precocidade da liberação dos transgênicos no Brasil, para os grãos e oleaginosas, sem garantir em contrapartida mecanismos de fortalecimento aos produtos diferenciados – convencionais ou orgânicos – os quais teriam um grande potencial no mercado internacional. A rápida difusão dos transgênicos favoreceria principalmente as produtoras e fornecedoras de sementes, bem como a recuperação do espaço perdido pelos exportadores norte-americanos no cenário internacional, sobretudo para a soja e o milho 11.
            Conclui-se, assim, que há forte tendência de que os produtores façam o plantio de algodão da safra 2006/07 por meio do uso de sementes geneticamente modificadas. E este fato pode ser um indicador de que outras variedades transgênicas de algodão virão em breve a ser comercializadas. Finalmente, levantam-se algumas indagações a respeito de possíveis impactos surgidos em decorrência do cenário atual:

1- A delimitação provisória das chamadas ‘áreas de exclusão’ com algodão transgênico irá garantir os usos agrícolas diferenciados em território brasileiro? Ou seja, os produtores irão seguir o zoneamento proposto pelo governo até que os testes confirmem a segurança ambiental e a superioridade da rentabilidade econômica da nova variedade e, então, seja liberada a adoção da nova tecnologia em todo país?
2- O quadro traçado com as ‘áreas de exclusão’ poderá modificar a atual composição da participação dos estados na produção total de algodão do país, provocando um novo reordenamento em relação às áreas de produção?
3- A zona meridional (São Paulo e Paraná), que não está incluída nas ‘áreas de exclusão’, poderá se beneficiar com a conjuntura interna e aumentar sua participação no total do algodão produzido pelo Brasil?
4- Haverá de fato a diminuição nos custos de produção com o uso das sementes transgênicas, em decorrência da diminuição dos gastos com defensivos? E, neste sentido, os pequenos produtores poderão mesmo se beneficiar como afirma, por exemplo, Paulo Barroso, pesquisador da Embrapa Algodão? Ou, ao contrário, isto contribuirá para aumentar ainda mais a concentração da renda?

            As respostas a essas indagações dependerão da forte atuação e regulamentação do Estado na condução do processo de adoção de inovações tecnológicas, de maneira a garantir que um maior número de produtores tenha acesso às novas tecnologias. Para que o país garanta sua autonomia, é imprescindível o apoio às pesquisas e estudos que vêm sendo gerados por empresas públicas competentes e, assim, não depender simplesmente da importação de conhecimento de outros países.
            Cabe ainda ao Estado assegurar a fiscalização para que sejam respeitadas as questões ambientais e de segurança alimentar. Além disso, o atual zoneamento proposto para o algodão transgênico implica em usos agrícolas diferenciados no território nacional ainda que temporariamente. E, portanto, o governo deve estar atento a possíveis conflitos entre as unidades da federação.12

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1 Nogueira Junior, Sebastião. A Agricultura Brasileira Precisa de Transgênicos? São Paulo: IEA, 16/10/2003. (http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=861)
2 www.ctnbio.gov.br
3 Jornal Valor online – 06/10/05
4 www.agricultura.gov.br
5 www.embrapa.br
6 Jornal Folha do Estado on line - 29/08/05.
7 Jornal Diário de Cuiabá - 01/09/05.
8 Jornal Diário de Cuiabá - 19/05/05.
9 www.greenpeace.org.br
10 Jornal Folha do Estado – 02/07/05.
11 WILKINSON, John; PESSANHA, L. Transgênicos e a competitividade brasileira face aos desafios de novas formas de coordenação nas cadeias de grãos. SP, Ribeirão Preto, SOBER, 24-27 de julho, 2005.
12 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-102/2005.

Data de Publicação: 08/11/2005

Autor(es): Soraia de Fátima Ramos (sframos@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor