Inserção do setor sucroalcooleiro na oferta de energia elétrica no Brasil

            A participação majoritária do petróleo na oferta de energia está susceptível a crises de oferta, como as que ocorreram a partir de 1973, quando o preço do barril de petróleo foi de US$ 3,00 para US$ 12,00 (preço corrente da época) e, mais recentemente, em 2005, quando os preços do barril de petróleo batem novos recordes. A busca por fontes alternativas e, sobretudo renováveis, de energia é uma importante oportunidade para a entrada de novos ofertantes nesse mercado, como é o caso do setor sucroalcooleiro.
            A oferta interna total de energia no Brasil, em 2004, foi de 213,4 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (TEP), que corresponde a apenas 2% da demanda mundial. Desse montante, aproximadamente 87% são produzidos no país. O consumo final de energia em 2004 foi de 191 milhões de TEP, correspondendo a 89,6% da oferta interna de energia.1
            O gráfico 1 mostra a evolução da composição da matriz energética brasileira em suas fontes renovável e não-renovável. A principal fonte primária de energia é o petróleo, que corresponde a um total de 39,1%2, enquanto a energia elétrica corresponde a 14,4%, ou 92,4 GW (2005)3. Apesar de petróleo e derivados manterem a maior participação, há uma sinalização de aumento das fontes renováveis. Nos países desenvolvidos, a fração de energia renovável é de 6%, enquanto, no restante do mundo, é de 13,6%4.
 


Gráfico 1: Evolução das fontes primárias de oferta de energia no Brasil – 1974-2004

            Fonte: Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia (MME)


            A tabela 1 indica que a participação de fontes renováveis, na oferta de energia primária, soma 43,9% em 2004, quase se igualando às fontes não-renováveis. A cana-de-açúcar participa com 30,7% do total das fontes primárias de energias renováveis.

Tabela 1 - Participação das fontes de oferta de energia primária no Brasil em 2004

Renováveis % Não-renováveis %
Hidroeletricidade 14,4 Petróleo 39,1
Cana-de-açúcar 13,5 Gás natural 8,9
Lenha e carvão vegetal 13,2 Carvão mineral 6,7
Outras 2,7 Nuclear 1,5
Total 43,9  . 56,1
Fonte: BEN/MME.

Sistema elétrico brasileiro

            No caso específico do sistema elétrico brasileiro, a fonte primária predominante é a hidráulica5, com participação de 70,23% da capacidade instalada, enquanto as fontes complementares são o gás natural (9,08%) e o gás de processo (0,92%), no total de 10%, bem como o petróleo, com 5,11%, e a biomassa, com 3,07%6. Este último inclui o setor sucroalcooleiro, por causa do uso do bagaço da cana, que possui capacidade instalada de geração de 2,25 GW de energia elétrica, correspondente a 2,23% da capacidade instalada nacional (tabela 2). Portanto, a participação da origem de energia primária renovável no sistema elétrico nacional é de 73,67%, fruto da soma de hidráulica, biomassa e eólica.
            No Estado de São Paulo, a capacidade atual instalada é de 20,9 GW; ou seja, 22,72% de um total de 92,4 GW de capacidade de geração no Brasil7, que cresceu 56,6% dos 59 GW entre 1999 e 2005.

Tabela 2: Participação dos tipos de fontes primárias de energia nos empreendimentos em operação da matriz de energia elétrica brasileira em 2005.

Tipo
Capacidade Instalada
%
Total
%
N.° de Usinas
(kW)
N.° de Usinas
(kW)
Hidro
 
587
70.977.169
70,50
587
70.977.169
70,50
Gás
Natural
69
9.152.101
9,09
95
10.080.701
10,0
Processo
26
928.600
0,92
Petróleo
Óleo Diesel
456
3.671.528
3,65
474
4.830.606
4,80
Óleo Residual
18
1.159.078
1,15
Biomassa
Bagaço de Cana
218
2.249.359
2,23
257
3.142.193
3,12
Licor Negro
12
665.572
0,66
Madeira
23
200.832
0,20
Biogás
2
20.030
0,02
Casca de Arroz
2
6.400
0,01
Nuclear
 
2
2.007.000
1,99
2
2.007.000
1,99
Carvão Mineral
Carvão Mineral
7
1.415.000
1,41
7
1.415.000
1,41
Eólica
 
11
28.625
0,03
11
28.625
0,03
Importação
Paraguai
 
5.650.000
2,33
8.170.000
8,12
Argentina
 
2.250.000
5,85
Venezuela
 
200.000
0,08
Uruguai
 
70.000
0,20
Total
1.433
100.651.294
100
1.433
100.651.294
100
Fonte: Banco de Informações de Geração/Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

            A evolução do consumo e da oferta de energia elétrica e a participação dos setores demandantes (gráficos 2 e 3) mostram que a taxa de aumento da demanda por energia elétrica foi maior do que a taxa de aumento da oferta entre 1998 e 2000, uma vez que nenhum projeto de investimento em geração de energia elétrica foi concretizado no País naquele período. 

Gráfico 2: Consumo de eletricidade no Brasil e a participação por categoria de consumo - 1974 a 2004

                                            Fonte: Balanço Energético Nacional/MME

Gráfico 3: Evolução da oferta e demanda de energia elétrica no Brasil - 1998-20048

                                    Fonte: elaborado a partir dos dados (Balanço Energético Nacional/MME)

            No Brasil, os percentuais de oferta e demanda de energia elétrica (gráfico 3) mostram que, no triênio 1998-2000, a oferta cresceu em média 4,06% ao ano e a demanda, 4,3%. Em 2001, auge do 'Apagão' (gráfico 2), verifica-se queda de 9,4% na oferta e de 9,3% na demanda em relação ao ano anterior. No período de 2001 a 2004, a oferta cresceu em média 5,5% ao ano, enquanto a demanda aumentou 5,06% em termos médios anuais, no mesmo período. 
            Há temores de uma nova crise de energia hidrelétrica em 2008 ou 2009, devido a fatores de capacidade de geração. É diferente do 'Apagão', entre 2001 e 2002 , que ocorreu muito mais em função da falta de chuvas e do baixo nível de investimentos em interligação entre os sistemas de transmissão e distribuição de energia.  
            Cada acréscimo de um ponto percentual no PIB brasileiro corresponde a cerca do dobro do aumento percentual de energia elétrica9. Considerando uma projeção de crescimento do PIB de até 5% em 2006, a demanda por energia elétrica aumentaria em torno de 10%, de 49 mil MW médios para 53,9 mil MW médios10. Caso se mantenha um incremento em torno de 5% da demanda por energia elétrica até 2009, será necessária a adição de uma oferta mínima de 10 mil MW ao sistema.
            A entrada de investimentos em capacidade instalada para geração de energia proveniente de fontes renováveis traz maior flexibilidade ao suprimento de energia no longo prazo. O setor sucroalcooleiro já percebeu a oportunidade de utilização de resíduos de biomassa para a produção de energia elétrica para seu próprio consumo e também para exportação a partir da co-geração.
            Tanto assim que há um crescente aumento de contratos de geração de energia a partir da biomassa. Dados da FCStone mostram que estes contratos passaram de 190 GWh em 2000 para 1.800 GWh em 2005, o que representa um aumento relevante.
            O gráfico 4 mostra a inconstância da co-geração de energia, em decorrência das variações climáticas, apesar do estabelecimento de uma matriz elétrica mais flexível com a produção de energia elétrica nas usinas de açúcar e álcool. Mas isto causa umidade excessiva no bagaço da cana, o que reduz a eficiência e gera incertezas na oferta energética.
            Verifica-se ainda que há uma queda na produção diária nos dias de chuvas, resultando em oscilações de produção elétrica. Esse tipo de sistema convencional oferece maior variação no fornecimento e, em consequência, implica em maior risco. Portanto, perde-se poder de barganha na comercialização do produto.

Gráfico 4: Efeito da pluviometria na co-geração de energia elétrica diária a partir da queima do bagaço da cana-de-açúcar

                   Fonte: Elaborado a partir de dados da FCStone

            Este problema poderá ser resolvido com a adoção de tecnologia de ciclo combinado que combina os ciclos com turbina a gás (gás natural ou gaseificação da cana)11 e turbina a vapor em um único ciclo termodinâmico. Para isso, utiliza-se o bagaço como combustível na alimentação da caldeira para a produção de energia elétrica com mais eficiência, economia e durante todo o ano.
            Portanto, há alternativa de manutenção do suprimento com a complementaridade do uso do gás natural acoplado à estrutura de co-geração, apesar desta inconstância na oferta de energia gerada nas usinas. Dessa forma, qualquer pane no sistema, ou mesmo necessidade de manutenção, tem uma alternativa imediata para manter o fornecimento sem cortes de energia.
            O estabelecimento de uma rede de fornecedores de energia diferencia-se da dependência de uma custosa estrutura de transporte de energia elétrica exposta a roubos de cabos e eventos extremos como vendavais e enchentes.
            O novo ambiente institucional para a comercialização de energia muda o cenário da inserção do setor sucroalcooleiro na matriz energética. No passado, o setor sofreu dificuldades de comercialização do excedente de energia em função de a concessionária cobrar uma alta margem.
            Atualmente, a Lei Federal 10.848 regula a comercialização de energia por meio do Decreto nº 5.163/0412 (energia regulada) e do Decreto nº 5.177/0413 (energia em mercado livre). Esses decretos criam uma nova dinâmica de comercialização que permite ganhos maiores para os geradores. Além disso, a Portaria 384/2005, do Ministério de Minas e Energia (MME), que trata da garantia física para a geração de energia por biomassa, estabelece que os agentes terão de informar a disponibilidade mensal de biomassa de cada empreendimento, o custo de operação e a potência da usina.14
            A se confirmar a expectativa de crescimento sustentável da economia brasileira, isto acarretaria diretamente maior demanda por energia elétrica. Uma possível melhora da renda da população brasileira poderia levar ao aumento do consumo de energia elétrica, devido à maior aquisição de aparelhos eletroeletrônicos. Para suprir esse aumento, faz-se necessária a maior oferta de energia elétrica.
            Portanto, abriu-se um grande mercado para a comercialização de energia elétrica nos próximos anos. Algumas iniciativas de geração de energia nova estão sendo tomadas, mas essa oferta é, em grande parte, proveniente de termelétricas que utilizam como combustível gás natural, óleo diesel, óleo combustível e, excepcionalmente, carvão. O problema é o custo elevado desses combustíveis e a perspectiva de oferta finita e declinante.
            É nesse cenário de ótimas possibilidades de geração de energia elétrica que o setor sucroalcooleiro deve aproveitar a oportunidade para diversificar ainda mais o seu mix de produtos. Com isso, poderá minimizar riscos de variabilidade de demanda e de preços de seus produtos principais: o açúcar e o álcool. 15

_______________________
1Informações do Ministério de Minas e Energia (MME): http://www.mme.gov.br
2 Segundo fontes do MME, através do Balanço de Energia Nacional (BEN)
3 ONS. Relatórios anuais. Disponíveis na internet: http://www.ons.gov.br/biblioteca_virtual Acessado em outubro de 2005.
4 Idem nota 2.
5O potencial hidroelétrico, no Brasil, é de 258,4 GW, dos quais apenas 27,3% utilizados, segundo a Secretaria de Energia do MME. Consideram-se todas as fontes hidráulicas possíveis de produção de energia elétrica.
6ANEEL. Banco de Informações de Geração (BIG). Disponível na internet: http://www.aneel.gov.br/15.htm Acessado em outubro de 2005.
7COSTA, C. Ricardo. PRATES, T. P. Cláudia. O papel das fontes renováveis de energia no desenvolvimento do setor energético e barreiras à sua penetração no mercado. Rio de Janeiro, BNDES, 2005.
8Os dados de oferta de energia elétrica são referentes à oferta nacional, exceto importação.
9Considera-se a média dos últimos anos, segundo palestra de Marcos Escobar da FCStone no CTC em setembro de 2005.
10Segundo dados do MME.
11 Sobre geração de energia a partir da gaseificação da cana, ver o artigo: Torquato, Sérgio Alves; Fronzaglia,Thomaz. Tecnologia BIG-GT: Energia a partir da gaseificação da biomassa da cana. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=3814
12 Decreto 5.163/04 http://www.aneel.gov.br/cedoc/dec20045163.pdf
13 Decreto 5.177/04 http://www3.aneel.gov.br/legisbasica/remissiva_legi.asp?valida=55672
14CANAL ENERGIA – Associação Brasileira de Energia Renovável e Meio ambiente (ABEAMA).
15 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-109/2005.

Data de Publicação: 24/11/2005

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor