A percepção da agropecuária a respeito de mata ciliar

            A Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo iniciou a implementação do Projeto de Recuperação de Matas Ciliares. O objetivo do projeto é prover a base para a elaboração de um programa sustentável de recuperação de matas ciliares. O projeto conta com apoio do Banco Mundial (BIRD), através do Global Environment Facility (GEF), e está sendo executado em parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, através do Programa de Estadual de Microbacias Hidrográficas (PEMH) da Coordenadoria de Assistência Integral (CATI) e do apoio técnico e científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA)1.
            A proposição de uma política de fomento a matas ciliares no Estado de São Paulo deverá estar o mais aderente possível à realidade, a fim de alcançar a maior taxa de adesão. Com o objetivo de se delinear a metodologia e as estratégias mais adequadas de trabalho, procurou-se conhecer, nas regiões selecionadas, o grau de informação e comprometimento com o problema. Para tanto, mediante realização de entrevistas, foram coletadas informações junto a lideranças de setores representativos, potenciais parceiros na execução do projeto.
            Foram realizados levantamentos por meio de questionários em 31 cidades, sendo entrevistados atores dos diversos segmentos do setor agropecuário. O questionamento girou em torno do que pensam sobre mata ciliar, bem como das possibilidades e/ou das dificuldades de implantação da atividade na respectiva região.2
            As pessoas entrevistadas estavam ligadas a órgãos que trabalham segundo as políticas públicas do Município, do Estado ou da União, usinas de cana-de-açúcar, entidades civis interessadas (ONG) e representantes de sindicatos, cooperativas ou associações de produtores rurais.
            Os resultados mais relevantes foram organizados em ordem decrescente, segundo a freqüência de manifestações equivalentes:

1. para a maioria dos entrevistados, a mata ciliar encontra-se em situação de razoável a ruim;

2. afirmam que na área de mata ciliar se encontra pasto com maior freqüência. Há ocorrências também de culturas anuais, culturas perenes, mata nativa, mata em regeneração e áreas urbanizadas;

3. admitem a correlação entre a ausência de matas ciliares e problemas de erosão, de assoreamento, relacionados com a quantidade e a qualidade da água, com conseqüências para a fauna;

4. a recuperação de matas ciliares é considerada relevante para todas as instituições entrevistadas;

5. acham-se envolvidas em iniciativas de recuperação de matas ciliares, implementando projetos e/ou executando programas de educação ambiental, e pretendem continuar a participar;

6. externam que as maiores dificuldades para a implantação de projetos de recuperação são, em ordem de importância, falta de recursos financeiros, dificuldade para obter a adesão dos proprietários rurais, desconhecimento pela população da importância da mata ciliar, dificuldades na manutenção das mudas após o plantio, alto custo e falta de mudas adequadas;

7. têm como opinião sobre os motivos que levam os agricultores a não plantar matas ciliares o fato de a área ser importante para a produção, de não receberem incentivos, por ser caro e por acharem desnecessário;

8. os entrevistados não acreditam que a restauração da mata ciliar irá prejudicar os produtores, a não ser em propriedades cuja área total seja pequena e a área de proteção permanente (APP) seja proporcionalmente grande;

9. nem todos conhecem iniciativas de restauração de matas ciliares na região, mas quem as conhece consideram-nas excelente, muito bom ou bom.

            De maneira geral, os entrevistados acreditam ser razoável a receptividade dos agricultores a um programa de restauração e que participariam se, por ordem de importância:

a) estivesse associado a uma redução das taxas/impostos;

b) os agricultores fossem remunerados por plantar e manter as mudas;

c) as matas ciliares vierem a proporcionar alguma renda, ainda que pequena;

d) não tiverem que cercar as áreas de proteção permanente;

e) houver compensação da perda de renda com melhoria na produtividade de outras áreas ou com novas atividades;

f) vier associada à facilidade para obtenção de crédito;

g) puder plantar outras culturas nas entrelinhas durante o crescimento das mudas;

h) eventualmente, e dentro de um manejo adequado, puderem cortar árvores da mata ciliar para uso na propriedade;

i) puderem usar a área para atividades de lazer ou turismo;

j) plantariam para não ter problemas com a fiscalização e multas.

            Na realidade, as manifestações acima relacionadas representam diferentes formas de demonstração de um certo sentimento de injustiça pelo fato desta geração de proprietários rurais estar sendo cobrada pelo desmatamento realizado por várias gerações, inclusive esta. Desta maneira, para que um programa de recuperação de matas ciliares tenha alguma chance de sucesso, alguma forma de compensação terá que ocorrer, ainda que aparentemente possam representar sobreposição de benefícios e tenham diferente dimensão temporal.
            Para as organizações não-governamentais (ONGs) entrevistadas, a recuperação das matas ciliares é relevante para os objetivos das organizações por conter a erosão, aumentar a recarga de aqüíferos e manter fauna e flora. Quanto ao envolvimento em projetos de recuperação de matas ciliares, 60% delas são responsáveis por implantação e execução de projetos e/ou programas de educação ambiental voltados ao tema.
            As principais fontes de recursos para projetos de recuperação de matas ciliares na região abrangida pela pesquisa são: FEHIDRO (Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos de São Paulo), recursos de membros e simpatizantes das entidades, recursos de outras ONGs. As ONGs entendem que o maior entrave para a implantação de projetos de recuperação de matas ciliares na região está na obtenção da adesão dos produtores, em decorrência do ônus financeiro e de outras dificuldades na manutenção das mudas pós-plantio. De forma unânime, os representantes das ONGs consideram que o trabalho de manutenção das mudas é mais difícil do que o de plantar.
            A maior parte das lideranças dos agricultores associa a redução das nascentes e da fertilidade do solo, bem como a diminuição de peixes, erosão e falta d’água, à falta de mata ciliar. Para elas, a ausência de matas ciliares afeta os agricultores ao reduzir os cursos d’água, o que dificulta a irrigação, causa erosão e piora o meio ambiente com redução da fauna.
            Cerca da metade das lideranças consultadas participa ou acompanha as atividades do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural (CMDR). Todavia, a terça parte dos entrevistados não participa pela não-existência ou pelo não-funcionamento do CMDR.
            Por outro lado, é baixa a participação das entidades representativas de produtores rurais nos comitês das bacias hidrográficas e muitos desconhecem até quem faz parte deles.
            Acreditam ser importante que as instituições ajudem na recuperação dos rios, principalmente mobilizando os agricultores na tomada de consciência sobre a importância das matas ciliares através de educação ambiental, em todos os segmentos sociais e para todas as faixas etárias. Porém, quando consultados, demonstram certo desânimo quando a iniciativa parte apenas do Estado.
            Para concluir, é generalizada a compreensão, em maior ou em menor grau, da importância das matas ciliares e a da necessidade de recuperá-las. Da mesma maneira, ocorre a manifestação sobre ser muito mais difícil e caro manter do que plantar. E, principalmente, ficou claro que a restauração do ecossistema ciliar dependerá do apoio estrutural e financeiro ao investimento para o plantio e de um decisivo mecanismo de ressarcimento ao produtor rural pelas áreas excluídas da produção comercial.
            Como se trata de alavancar a produção de bens públicos, entendemos que cabe ao Estado a prerrogativa de fomentar, subsidiar e instrumentalizar a geração de um mercado de serviços ambientais, ou outros mecanismos que possam se traduzir, para o setor agropecuário, na almejada compensação pela perda de áreas geradoras de renda.3

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1 O Projeto de Recuperação de Matas Ciliares está cadastrado como projeto prioritário do Governo do Estado, conforme Decreto no 49.535, de 19 de abril de 2005. Por força do referido decreto, foi pactuado um Acordo de Compromisso de Resultados entre as Secretarias de Estado envolvidas, com intuito de dar maior agilidade aos procedimentos necessários.
2 Foram visitados os municípios de: Mogi-Guaçu, Mogi-Mirim, São João da Boa Vista, Espírito Santo do Pinhal, Vera Cruz, Iacri, Garça, Tupi Paulista, Tupã, Pompéia, Quintana, Lorena, Cotia, José Bonifácio, São José dos Campos, Paraibuna, Jacareí, Santa Isabel, Igaratá, Monteiro Lobato, Vinhedo, Vargem, Jaguariúna, Louveira, Atibaia, Barra Bonita, Boracéia, Borebi, Lençóis Paulista, Jaú e Igaraçu.
3 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-112/2005.

Data de Publicação: 07/12/2005

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor