A Importância Das Atividades Agropecuárias Na Formação Da Renda Dos Agricultores Familiares

            Desde os anos 70 a questão da relevância da agricultura familiar no Brasil vem sendo discutida acaloradamente tanto no meio acadêmico como nas áreas de formulação de políticas agrárias. Uma de suas vertentes (Graziano, Novo Mundo Rural, UNICAMP, 1999) mostrou recentemente a importância crescente das ocupações rurais não agrícolas, o que estaria revelando que uma das formas principais de geração de renda na agricultura não provém da atividade agropecuária mas de outras formas, como pesque-pague, turismo rural, etc.
            Sem negar a importância dessa pesquisa para o esclarecimento da suposta vitalidade do setor não agrícola na área rural, acreditamos que ela pode induzir à subestimação do aspecto agrícola, pelo menos em alguns segmentos da agricultura familiar, como mostram as tabulações dos dados do Censo Agropecuário do IBGE realizadas recentemente pelo Convênio INCRA/FAO (Novo Retrato da Agricultura Familiar: o Brasil Redescoberto, MDA, Março 2000).

Perfil dos agricultores familiares

            Segundo o Censo Agropecuário 1995-1996, existem no Brasil 4.859.864 estabelecimentos rurais, ocupando uma área de 353,6 milhões de hectares. Nessa safra, o Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária foi de R$47,8 bilhões. De acordo com a metodologia adotada1, deste total, 4.139.369 estabelecimentos são familiares, ocupam uma área de 107,8 milhões de hectares, sendo responsáveis por R$18,1 bilhões do VBP total. Os agricultores patronais são representados por 554.501 estabelecimentos, ocupando 240 milhões de hectares2.

BRASIL - Estabelecimentos, Área, Valor Bruto da Produção (VBP) e
Percentual do Financiamento Total (FT)

CATEGORIAS
Estab.
Total
% Estab.
s/ total
Área Total
(mil há)
% Área
s/ total
VBP
(mil R$)
% VBP
s/ total
% FT
s/ total
FAMILIAR
4.139.369
85,2
107.768
30,5
18.117.725
37,9
25,3
PATRONAL
554.501
11,4
240.042
67,9
29.139.850
61,0
73,8
Instituição Religiosa
7.143
0,2
263
0,1
72.327
0,1
0,1
Governo
158.719
3,2
5.530
1,5
465.608
1,0
0,8
Não identificado
132
0,0
8
0,0
959
0,0
0,0
TOTAL
4.859.864
100,0
353.611
100,0
47.796.469
100,0
100,0

                   Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 1995-1996. Elaboração: Convênio INCRA/FAO.

            Desse modo, os agricultores familiares representam 85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da área total e recebem apenas 25,3% do financiamento rural total. Mesmo assim são responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional. Isso revela que os agricultores familiares são mais eficientes na utilização da terra, já que com área menor contribuem proporcionalmente com uma parcela maior da produção que os patronais.
            A análise regional demonstra a importância da agricultura familiar nas Regiões Norte e Sul, nas quais mais de 50% do VBP é produzido nos estabelecimentos familiares. Na Região Norte, os agricultores familiares representam 85,4% dos estabelecimentos, ocupam 37,5% da área e produzem 58,3% do VBP da região. A Região Sul é a mais forte em termos de agricultura familiar, representada por 90,5% de todos os estabelecimentos da região, ou 907.635 agricultores familiares, ocupando 43,8% da área e produzindo 57,1% do VBP regional. O Centro-Oeste apresenta o menor percentual de estabelecimentos familiares entre as regiões brasileiras, representando 66,8% dos estabelecimentos da região e ocupando apenas 12,6% da área regional.
            A Renda Total (RT) anual por estabelecimento familiar, para o Brasil, foi de R$2.717, obtendo uma média de R$ 104 por hectare de área total. Os estabelecimentos patronais geram apenas R$ 44 por hectare. Entre os familiares, a RT varia de R$1.159 no Nordeste a R$5.152 no Sul.
            Ao se fazer uma tipologia de produtores percebe-se que o tipo A, de maiores rendas, está composto por 406.291 produtores e gera uma renda média anual de R$15.986, enquanto no outro extremo o grupo D, de menores rendas, está composto por 1.915.780 estabelecimentos e praticamente não obtém renda da produção agropecuária. Estes estabelecimentos estão principalmente localizados no Nordeste.
            A agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de apenas 30,5% da área, é responsável por 76,9% do Pessoal Ocupado (PO). Dos 17,3 milhões de PO na Agricultura brasileira, 13.780.201 estão ocupados na agricultura familiar. Enquanto na Região Sul a agricultura familiar ocupa 83,9% da mão-de-obra utilizada na agricultura, no Centro-Oeste, ela é responsável por apenas 54,1%.
            Em suma, os dados acima apresentados mostram que, embora existam as rendas rurais não agrícolas, a atividade agropecuária ainda é um fator de considerável peso na formação da renda da agricultura familiar e da ocupação rural, fato que tende a ser menosprezado por algumas análises recentes.
 

1 A concepção básica que norteou este estudo foi a de caracterizar os agricultores familiares a partir das relações sociais de produção, o que implica superar a tendência – frequente nas análises sobre o tema – de atribuir um limite máximo de área ou de valor de produção à unidade familiar, associando-a, equivocadamente, à “pequena produção”. O universo familiar foi, assim, caracterizado pelos estabelecimentos que atendiam, simultaneamente, às seguintes condições: a direção dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor e o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado. 
2 Os estabelecimentos restantes são formados por aqueles cuja condição do proprietário era “Instituição Pia ou Religiosa” ou “Governo (Federal, Estadual ou Municipal), em virtude de suas características peculiares, e por alguns poucos estabelecimentos em que não foi possível identificar se eram familiares ou patronais, por não possuírem informação válida sobre a direção dos trabalhos do estabelecimento. 

 

 

Data de Publicação: 04/05/2000

Autor(es): Carlos E. Guanziroli Consulte outros textos deste autor
Alberto Di Sabbato Consulte outros textos deste autor