Agricultura Ecológica E Organização

            A Comissão Técnica de Agricultura Ecológica-CTAE, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo-SAA pretendem, através do Curso Regional de Agricultura Ecológica, interiorizar suas ações levando conhecimento técnico e difundindo práticas adequadas a uma agricultura ecologicamente sustentável mas também estimulando a discussão de como cada região pode se organizar para promover o fortalecimento da rede produtor-pesquisa-extensão-intermediários-consumidor eticamente comprometida com os princípios básicos da agricultura ecológica.
            Este texto foi elaborado para ser material de leitura do módulo voltado à questão da organização. Tem como objetivo dar subsídios para produtores e técnicos interessados em se estruturar para integrar a organização de agricultura ecológica, já existente no Estado. A questão da organização, orientada por princípios éticos que transcendem a própria questão da opção tecnológica, é um aspecto fundamental para a determinação dos contornos do grupo em expansão, para que este possa crescer tendo como único limite o interesse da sociedade, manifesto através das compras feitas pelo consumidor. A organização pode ser construída cientificamente com o respaldo de diversas áreas do conhecimento: administração, ciências sociais, psicologia e ciência política, principalmente.
            Pretende-se, neste texto, reunir algumas informações consideradas fundamentais para homogeneizar a visão de mundo dos participantes do curso, dando subsídio para um trabalho participativo que coloca como protagonista principal o agricultor.
            Na primeira parte faz-se um breve retrospecto da estrutura atual da organização da agricultura ecológica no Estado de São Paulo; na segunda faz-se uma caracterização da importância do caráter local da pesquisa e da organização sócio-econômica na agroecologia, em função da grande diversidade dos ecossistemas no Estado. A parte três enfatiza a importância da ética como forma de regulação do mercado; a seguinte faz algumas considerações, fundamentadas nas ciências políticas e sociais, sobre a importância das organizações serem construídas pelos interessados, com autonomia. Ao se tratar na parte cinco das formas de organização coloca-se a questão dentro do marco legal do País e das formas praticadas pela sociedade. Encerra-se com algumas considerações para montagem da oficina participativa sobre o tema do módulo e faz-se algumas considerações a partir da experiência piloto realizada em Pindamonhangaba.
 

1- ORGANIZAÇÃO DA AGRICULTURA ECOLÓGICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

            No Estado de São Paulo, a agricultura ecológica é praticada através de três padrões tecnológicos fundamentais: o orgânico, o biodinâmico e o natural.
            A agricultura orgânica, segundo EHLERS (1994) se desenvolveu através dos trabalhos de compostagem e adubação orgânica realizados por Howard no Institute of Plant Industry na Índia, entre os anos de 1925 e 1930. Seus conhecimentos foram difundidos por Lady Balfour, na Inglaterra, que fundou a Soil Association e por Rodale, nos Estados Unidos, que desenvolveu experimentos em sua fazenda na Pensilvânia e iniciou a publicação da revista Organic Garden and Farm.
            No final da década de 70, três Estados Norte Americanos: Maine, Oregon e Califórnia criaram definições formais para agricultura orgânica com o intuito de regulamentar a rotulagem dos alimentos. Nos anos 80, o Departamento de Agricultura Americano a definiu como: 'um sistema de produção que evita ou exclui amplamente o uso de fertilizantes, pesticidas, reguladores de crescimento, aditivos para a alimentação animal compostos sinteticamente. Tanto quanto possível, os sistemas de produção baseiam-se na rotação de culturas, estercos animais, leguminosas, adubação verde, lixo orgânico vindo de fora da fazenda, cultivo mecânico, minerais naturais e aspectos de controle biológico de pragas para manter a estrutura, produtividade do solo, fornecer nutrientes para as plantas, controlar insetos, ervas daninhas e outras pragas' (USDA,1984 IN:EHLERS, 1994).
            No Brasil foi introduzida principalmente através dos trabalhos de Adilson Paschoal e Ana Maria Primavesi. Em 1976, um grupo de agrônomos começou a se reunir dentro da Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo. Em 1989 criou-se a Associação de Agricultura Orgânica-AAO com personalidade jurídica e sede, desde o ano seguinte, no Parque de Exposições Fernando Costa. A normatização da produção ocorreu com base em estudo encomendado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz-ESALQ, e o cadastramento dos produtores ocorreu em parceria com o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural-IBD e a Associação Mokiti Okada-MOA. Isto permitiu a organização das feiras de produtos orgânicos, inaugurada em fevereiro de 1991, e que são atualmente em número de quatro. Já está prestes a obter seu registro junto a International Federation of Organic Agriculture Movements-IFOAM, como certificadora.
            O selo de certificação de qualidade da AAO, criado em 1996, permitiu um novo salto na estratégia de comercialização com o surgimento de empresas de comercialização e a entrada nos supermercados. Cerca de quarenta produtores o utilizam. Existem três empresas comercializando a produção: Horta e Arte, Aldeia e a Primo Sabor. Existem quinze lojas de seis cadeias de supermercados colocando produtos orgânicos a disposição dos consumidores. (DULLEY, s/data). O selo para produtos processados é de 1997.
            A AAO conta hoje com cerca de um mil e quinhentos associados sendo quinhentos atuantes. Tem cento e quarenta e oito produtores certificados dos quais setenta e cinco produzem hortaliças e dezessete café. Este número vem crescendo rapidamente nos últimos anos. São vendidos cerca de 50.000 kg/ano nas feiras e 500.000 kg/ano através dos supermercados (SANTIAGO, 1998).
            Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região-A.A.N.C.R., foi criada em 1991, por produtores associados à Mokiti Okada. Posteriormente optaram pela técnica orgânica e pretendem adotar as normas da IFOAM para certificação, mas ainda estão longe de cumprir as exigências para o reconhecimento. Conta com cinco técnicos para dar orientação e fazer a certificação. Tem cento e treze associados sendo trinta e cinco deles produtores e atua em um raio de cinqüenta quilômetros do polo regional. A produção é fundamentalmente de hortaliças, pães, lácteos e ovos comercializada através das quatro feiras que existem na cidade sede. A mais antiga delas tem sete anos e está localizada no Parque Ecológico; a maior ocorre no Bosque Jequitibá e conta com cerca de dez produtores. Existe uma empresa, a Armazen, que coloca a produção nos supermercados da cidade.
            A agricultura biodinâmica surgiu como uma manifestação da antroposofia, ciência espiritual do filósofo austríaco Rudolf Steiner. Em palestras proferidas em 1924 ele ressaltou a importância de manter a qualidade do solo e introduziu os 'preparados biodinâmicos' que têm como objetivo estimular as 'forças naturais do solo'. Como conseqüência foi formado o 'Círculo Experimental de Agricultores Antroposóficos' que dedicou-se a pesquisa e difusão dos conhecimentos. Em 1934 foi fundada a Cooperativa Agrícola Deméter para atender aos consumidores interessados na qualidade dos alimentos.
            As principais características da agricultura biodinâmica são: 1. Cada propriedade é como um organismo que deve buscar sua individualidade, reduzindo sua dependência de insumos externos; 2. Interação entre a produção animal e vegetal; 3. Respeito ao calendário biodinâmico que indica as melhores fases astrológicas para as diversas atividades agrícolas; 4. A utilização dos preparados biodinâmicos; 5. Uso de composto; 6. Cercas vivas e outras medidas paisagísticas; 7. Uso de leguminosas como culturas mistas, adubação verde; 8. Cultivo de ervas e seu emprego na forragem; 9. Culturas de bordadura e vizinhança; 10. Proteção das aves;11. Culturas pioneiras nas terras pobres; 12. Culturas secundárias ou de inverno; 13. Estabulação sadia; 14. Reflorestamento nos moldes naturais; 15. Diversas práticas relativas a campos e pastagens (KOEPF, 1983 IN: EHLERS, 1994).
            A Fazenda Deméter e o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural-IBD estão localizados em Botucatu, em São Paulo. O IBD, fundado em 1981, atua em experimentação, pesquisa, publicação e certificação. É o maior certificador de produção orgânica e biodinâmica da América Latina, reconhecido pela IFOAM. A área total das propriedades certificadas no Estado é de trezentos e sessenta ha, representando cerca de oito por cento da área que atende no país (GREGORI JR., 1993). Tem cerca de vinte mil ha certificados na América Latina. Cerca de noventa por cento dos produtos que certifica são para o mercado internacional (HARKALY, 1998). O IBD indica consultores e colabora com a Fundação Elo na organização de cursos.
            A Agricultura Natural surgiu dos ensinamentos do mestre Mokiti Okada, motivada pelo princípio de purificação do espírito pela arte e do corpo pelo alimento. Acreditam que a Natureza, em estado puro e original, é a expressão da Verdade. Por esta razão a atividade agrícola deve tomá-la como modelo.
            Na mesma época, em 1938, Masanobu Fukuoka chegava a conclusões semelhantes. Para ele o respeito às leis da natureza era fundamental, por isto a atividade agrícola deveria exercer a menor intervenção possível no ambiente e nos processos naturais. De acordo com o método que chamou de 'não fazer', o agricultor não deve arar a terra, aplicar inseticidas e fertilizantes e nem mesmo utilizar-se dos compostos, tão defendidos por Steiner e Howard, mas, sim aproveitar ao máximo os processos que já ocorrem espontaneamente na natureza, sem esforços desnecessários e desperdício de energia. Seus ensinamentos na Austrália deram origem ao método conhecido como permacultura.
            No Japão, foi a corrente de Mokiti Okada a que mais se desenvolveu. Em 1968, foi constituída a Corporação Atami para comercializar os produtos naturais. A partir de 1972 ocorreram encontros anuais sobre agricultura natural. Em 1976 foram fundadas duas Estações Experimentais: a de Nayoro, em Hokkaido, e a de Ishigaki, em Okinawa. Em 1982 foi criada uma terceira em Ohito, em Shizuoka, e foi fundado o Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento da Agricultura Natural que dá apoio técnico aos produtores com escritórios espalhados pelo Japão e em alguns outros países (EHLERS, 1994 e GREGORI Jr., 1993).
            Em 1991 foi criada na sede da Organização das Nações Unidas-ONU a World Sustainable Agriculture Association-WSSA, que visa disseminar as idéias de Mokiti Okada.
            As práticas agrícolas mais recomendadas são: rotação de culturas, uso de adubos verdes, emprego de composto e uso de cobertura morta. Para o controle de pragas e doenças estimulam a manutenção das características naturais do ambiente, a melhoria das condições dos solos e do estado nutricional dos vegetais, o emprego de inimigos naturais e, em último caso, produtos naturais não poluentes (MIYASAKA, 1993 IN: EHLERS, 1994). Difere da orgânica principalmente pela sua resistência ao uso de excremento de animais que consideram conter impurezas. Isto impulsionou as técnicas de compostagem de vegetais e também a utilização de microorganismos que auxiliam os processo de decomposição e melhoram a qualidade dos compostos (EHLERS, 1994).
            Em São Paulo, a MOA iniciou suas atividades em meados dos anos 80. Foi inaugurado o Centro de Pesquisas de Agricultura Natural em dezembro de 1989, em Mairinque, São Paulo. Suas atividades são financiadas pela Igreja Messiânica Mundial. As principais atividades do Centro são: pesquisa e experimentação, assistência técnica aos agricultores da região; assessoria e consultoria; treinamento de pessoal; produção e comercialização de hortifrutigranjeiros e plantas ornamentais; documentação e divulgação da agricultura natural.
            A MOA não tem selo e portanto sua atuação na comercialização é personalizada. Trabalham com cerca de duzentos produtores que recebem assistência técnica e adquirem o Bokashi, o composto que desenvolveram. Cerca de outros trezentos agricultores fizeram algum contato com o Centro, receberam alguma orientação técnica mas não o mantém de forma continuada.
            A principal atividade dos duzentos produtores assistidos é a produção de hortaliças mas existem alguns praticando uma agricultura de transição com frutas, flores e cereais. Não usam mais adubos químicos mas podem recorrer eventualmente a pesticidas. Seus produtores estão em várias regiões do Estado. Estes produtores entregam sua produção no Centro de Distribuição da Barra Funda, em São Paulo, onde cada unidade da Igreja Messiânica e as lojas distribuidoras vão buscar os produtos. A Korin Agropecuária, com loja em São Paulo, na Vila Mariana, é o principal canal próprio de escoamento para estes produtores.
            Ocorrem também vendas pelos canais normais de comercialização, sem que o produto seja caracterizado pela sua qualidade diferenciada, ou utilizando o selo das certificadoras.
            É importante registrar dois outros grupos ligados à agricultura natural, sediados em São Paulo. A Associação Mokiti Okada, movimento desmembrado da Fundação Mokiti Okada, e que hoje se caracteriza como orgânico e não mais natural, uma vez que faz uso de excremento de animal e a Associação dos Produtores de Agricultura Natural-APAN.
            As experiências vividas com as inovações introduzidas nos mecanismos de comercialização, as feiras e a introdução das mercadorias nos supermercados, demonstraram que existe uma grande demanda insatisfeita, o que determina que a agricultura ecológica pode ser estimulada junto aos produtores como uma alternativa agrícola economicamente viável. Dado ser tecnologia mão-de-obra intensiva constitui-se em alternativa importante para a viabilização da agricultura familiar. Desta forma, o incentivo à sua utilização contribui para a sustentabilidade da agricultura tanto no que diz respeito à questão do ambiente natural com do social.
            Paralelamente às instituições organizadas pela sociedade civil com fins lucrativos ou não existe, desde 1992, a Comissão Técnica de Agricultura Orgânica-CTAO, que mudou de denominação para Agricultura Ecológica em 1994, então, após ampla discussão entre seus membros. Entretanto, por deliberação do Secretário, em 1997 voltou a ser denominada 'Orgânica', voltando em 1999 a denominar-se Ecológica. É constituída por representantes de cada uma das instituições da Secretaria da Agricultura e Abastecimento e tem como missão principal promover a expansão desta forma alternativa de agricultura, no Estado. Entre as atividades desenvolvidas é importante ressaltar o I Curso de Agricultura Ecológica realizado em Campinas, em maio de 1995 e a existência de uma Estação do Instituto Agronômico, em São Roque, voltada à Agroecologia.
 

2 - AGRICULTURA ECOLÓGICA E O ECOSSISTEMA

            O Estado de São Paulo apresenta uma grande diversidade de ecossistemas o que define realidades e problemas distintos para a prática da agricultura ecológica. Isto determina que os cursos de capacitação sejam feitos de forma regionalizada. A base tecnológica da agricultura ecológica pode ser identificada em termos de alguns princípios básicos que atestam a sua diversidade e dependência das características naturais locais. São eles (REIJNTJES et al., 1992):

  • Assegurar condições propícias para o crescimento das plantas, especialmente através do manejo da matéria orgânica para intensificação da vida do solo;
  • Otimizar a disponibilidade de nutrientes e balancear o seu fluxo, especialmente através da fixação de nitrogênio;
  • Reduzir as perdas resultantes dos fluxos de radiação solar, de ar e de água através do manejo adequado;
  • Reduzir as perdas resultantes do ataque de pragas e doenças através da prevenção e de tratamento;
  • Explorar a complementaridade e a sinergia no uso dos recursos genéticos, o que envolve a combinação desses recursos em sistemas integrados de produção nos estabelecimentos agrícolas com alto grau de diversidade funcional.
  •             Isto estabelece a necessidade de definir novas estratégias para o trabalho pesquisa-extensão além do desenvolvimento de um estrutura local integrada e complementar a produção agrícola. Segundo Reijntjes et al. (1992) esta estrutura deve conter:
     

  • Agricultores: 'não apenas com seu conhecimento do ecossistema e da cultura local mas também com sua experiência na realização de experimentos informais e na adaptação de tecnologias às condições locais'. São eles quem sugerem as necessidades de pesquisa para os profissionais;
  • Artesãos e comerciantes têm um papel importante na fabricação de implementos e maquinários adaptados às condições locais;
  • Instituições oficiais de pesquisa devem contribuir com pesquisa básica, aplicada e adaptável enquanto os órgãos de extensão devem buscar as oportunidades para os agricultores trocarem experiências e sistematizarem seus próprios processos de validação e adaptação de tecnologias;
  • Empresas comerciais são importantes para a venda de insumos em escala comercial como defensivos naturais, nutrientes suplementares, máquinas e equipamentos, informações e assistência técnica ou para comercialização do produto in natura ou com algum grau de processamento;
  • Organizações não-governamentais podem atuar de forma complementar às redes oficiais de pesquisa e extensão, construindo a capilaridade necessária ao desenvolvimento da agricultura ecológica, e também em segmentos como a certificação, fundamental para a organização deste mercado diferenciado. As unidades regionais podem estimular este processo através de um programa de estágios para estudantes universitários da região;
  • Organizações de agricultores para estimular, pressionar e fiscalizar os diversos segmentos desta estrutura de pesquisa e fornecimento de serviços para atuarem de maneira compatível com os princípios básicos da agricultura ecológica e permitirem eficiência e eficácia na estruturação da produção ecológica desde o estabelecimento agrícola até a mesa do consumidor.
  •             As unidades públicas de pesquisa-extensão têm se voltado principalmente para questões da produção em grande escala, monocultora e homogeneizadora das condições naturais de produção. A comparação entre os fundamentos da agroecologia com o modelo tradicional dá a dimensão do esforço radical de transformação pelo qual estes órgãos têm que passar para se ajustar a este modelo.
                Na agricultura ecológica, as características locais e a diversidade são insumos importantes no desenvolvimento da tecnologia. Isto faz com que a pesquisa tenha que ser repensada, ampliando o papel do agricultor e do extensionista e das trocas de experiência. Isto implica na necessidade de melhorar a sistematização das observações feitas na propriedade definindo a necessidade do tipo de apoio do extensionista.
                A construção das redes de troca de experiências deve estar entre as prioridades locais e devem se constituir em fonte de referência fundamental para os pesquisadores orientarem seus trabalhos.
     

    3 - O MERCADO E A ORGANIZAÇÃO DA REDE REGIONAL

                Um produtor pode estar motivado a produzir ecologicamente por razões éticas ou econômicas. No caso da primeira alternativa isto deve esta associado a sua sensibilidade aos danos causados ao ambiente, a saúde de sua família, ou dos consumidores de seus produtos. No segundo caso, pode ter conhecimento que existem consumidores interessados em obter um produto mais saudável mesmo que tenham que pagar um adicional por isto. Estas duas motivações podem não ser excludentes mas na agricultura ecológica é importante garantir que, em caso de conflito, predominará o primeiro.
                Esta é a principal distinção, no plano econômico, entre o padrão tecnológico 'Moderno' e a agricultura ecológica: a forma personalizada de organização do mercado como forma de subordinação da ética do lucro a da qualidade do produto e do ambiente.
                A relação impessoal de mercado, entre produtor e consumidor, na nossa sociedade atual, faz com que o produto passe a ser visto por todos como desvinculado das condições em que foi produzido e dos fins a que se destina. Consumidores hoje começam a exigir mudanças e a valorizar conhecer a procedência, mesmo que isto não lhes traga nenhuma garantia de maior confiabilidade. Cada dia mais se vê nas prateleiras dos supermercados produtos embalados com algum tipo de identificação do produtor.
                No caso dos produtos da agroecologia as relações entre produtor e consumidor não podem ser despersonalizadas porque importa conhecer a qualidade do produto proveniente da sua forma de produção. Desenvolveram-se assim instrumentos de agilização desta relação, com a preocupação de continuar a garantir ao consumidor a qualidade esperada do produto.
                A forma mais direta ocorre dentro de um grupo constituído pela identidade religiosa ou de filosofia de vida. Uma outra estratégia foi o estabelecimento de contratos formais e informais entre grupos de produtores e consumidores. A literatura americana é farta na descrição destes contratos .
                A medida que um número maior de consumidores valoriza estes produtos e que a sociedade se organiza para encontrar meios para satisfazê-los, sem por em risco a diferenciação efetiva da qualidade do produto, vai se estabelecendo um novo mecanismo de regulação social que pode ocorrer através da forma jurídica de uma empresa ou de uma sociedade civil.
                Quando os valores espirituais não são os principais determinantes das exigências tecnológicas do grupo surge a necessidade de constituir uma Comissão de Ética, chamada a arbitrar sempre que haja dúvidas sobre um comportamento inadequado. A experiência recente da AAO, em São Paulo, vem demonstrando a necessidade de que esta Comissão envolva cada vez mais os consumidores.
                Vê-se assim que a produção agroecológica exige alguma forma de organização complementares e reguladoras do mercado, ao longo de cada uma das etapas do processo produtivo, desde a pesquisa até o consumidor final. É um mercado organizado através de agentes comprometidos com a qualidade do produto e do ambiente, acompanhados por um grupo guardião desta ética. Assim, o caráter personalizado das relações se repete envolvendo pesquisa/extensão, fornecedores de insumos e equipamentos assim como processadores dos produtos agropecuários.
                A questão que se coloca, neste ponto, é como o grupo de produtores agroecológicos de uma região planeja se integrar ao mercado e as organizações já existentes: as certificadoras, as empresas comerciais e também às instituições oficiais de pesquisa e extensão. O importante é conhecer as vantagens e desvantagens da integração o que exige um conhecimento prévio das possibilidades e limitações destes órgãos.
                Como este mercado está em construção, e pode não ser visível a toda a sociedade local, existe a necessidade dos interessados se organizarem para divulgar localmente suas demandas por serviços e mercadorias de forma a agirem como elementos catalizadores e estimuladores destes novos negócios.
     

    4 - ORGANIZAÇÃO LOCAL: PRINCÍPIOS BÁSICOS

                Onde inexiste organização local em agricultura ecológica, o setor público e o setor privado devem fazer esforços para introduzí-la e assistí-la, sempre que houver um interesse manifesto. Podem assumir o papel de catalizadores sem que isto signifique que o caráter participativo do processo seja comprometido. É importante, entretanto, enfatizar alguns aspectos que devem caracterizar estas organizações.
                Segundo ESMAN, M & UPHOFF, N.T. (1984) acredita-se hoje que estas organizações locais devam se basear, o máximo possível, em papéis aceitos, princípios de obrigação, sanção do grupo, critérios de status e sucesso e formas de trabalho coletivo. Enfatiza-se a importância de trabalhar no processo 'aprender fazendo' e não em um modelo definido ex-ante.
                As instituições locais podem estar ou não associadas ao governo local e neste último caso são denominadas de terceiro setor. São definidas como organizações que agem em nome de ou são efetivamente acompanhadas pelos seus membros e estão de fato envolvidas nas atividades estimuladoras da constituição do grupo. Está baseada em mecanismos voluntários, motivados pelos interesses e valores da comunidade. A cooperação é buscada através de processos de barganha, discussão, acomodação e persuasão.
                Uma característica importante para o sucesso é a construção de canais de comunicação entre duas ou mais instituições semelhantes e também a integração vertical com as instituições públicas e privadas atuando no setor. As comunidades locais devem manter canais múltiplos de contato com os centros de decisão para obter os benefícios da especialização na comunicação e para desfrutar caminhos alternativos de influência. A efetividade das organizações locais exigem grandes transformações das estruturas centralizadas.
                O desempenho das organizações locais depende fundamentalmente da relação interativa com as agências do governo guardando sua autonomia para que não seja afetada por mudanças na orientação da política de governo e para fortalecer os laços de solidariedade da comunidade .
     

    5 - FORMAS DE ORGANIZAÇÃO

                Organizações podem ser formais, quando legalmente constituídas, ou informais, quando existem mas não estão legalmente constituídas. Podem ser formadas por:
     

    • Pessoas físicas - toda pessoa natural, todo ser humano;
    • Pessoas jurídicas - união de indivíduos que através de um trato reconhecido por lei, formam uma nova pessoa com personalidade distinta de seus membros.


     

    Data de Publicação: 21/10/1999

    Autor(es): Yara Maria Chagas de Carvalho Consulte outros textos deste autor
    Paulo Florencio da Silva Consulte outros textos deste autor