Caminhamos Para Uma Bioeconomia?

            Jeremy Rifkin 2 é autor de quatorze livros sobre impactos das mudanças científicas e tecnológicas na economia, força de trabalho e no meio ambiente. Seu livro mais recente, 'O século biotécnico', publicado em janeiro de 1998, traz a público as mais recentes novidades em relação aos avanços da engenharia genética nos mais diversos campos da ciência. Tece considerações também sobre os impactos que poderão causar na sociedade.
            Rifkin considera, por um lado, que a atenção de pesquisadores, agricultores, consumidores e a sociedade está voltada principalmente para a verdadeira revolução que está ocorrendo na área de computadores e telecomunicações. Por outro, destaca que há uma outra área do conhecimento científico na qual as conseqüências para os seres humanos, em seu dia-a-dia, poderão ser muito mais abrangentes e drásticas. É o campo da biotecnologia.
            Da leitura do livro, pode destacar-se aspectos relativos à produção agrícola e economia, ainda quase totalmente desconhecidos e provavelmente nunca pensados, sequer como remota possibilidade, por pesquisadores, agricultores e consumidores. O livro discute e traz exemplos concretos dos atuais avanços na biotecnologia, especialmente na engenharia genética. Estes breves comentários sobre esse livro pretendem apenas mostrar um pouco do que já está ocorrendo e destacar algumas das perspectivas para a agricultura, conforme os cenários descritos por esse autor.
            O principal fato que é preciso ser internalizado e absorvido, intelectual e emocionalmente, é o de que, do ponto de vista científico, não há mais barreiras entre as espécies. A espécie humana conseguiu desenvolver uma ferramenta que lhe dá o poder de criar natureza. Rifkin (1998) diz que 'As novas ferramentas constituem a derradeira expressão do controle humano, ajudando-nos a moldar e definir o modo que gostaríamos de ser e como gostaríamos que o resto da natureza fosse.' Por outro lado, o autor considera que as revoluções da informática e genética estão saindo dos laboratórios para juntas constituir uma linha de frente, científica, tecnológica e comercial, uma poderosa nova realidade que vai ter profundo impacto nas nossas vidas pessoais e coletivas nas próximas décadas. E, principalmente, que as rupturas científicas ocorridas na área da biotecnologia estão saindo dos laboratórios e indo para o uso comercial, trazendo incríveis benefícios mas também sérios riscos.
1  Comentários sobre o livro “O Século biotécnico”  de  Jeremy  Rifkin 
2  Co-autor do livro Quem deve brincar de Deus ? A criação artificial da vida e o que isso significa para o futuro da raça humana (1977), previu que até o ano 2000  haveria fabricação espécies transgênicas, clonagem, bebês de proveta, fabricação de órgãos humanos, cirurgia genética em seres humanos etc.. Na oportunidade, foi criticado pela comunidade científica e meios de comunicação como sendo “alarmista” e que levaria pelo menos cem anos para que esses avanços ocorressem de fato.

          As conseqüências previstas são de que, nas próximas décadas, o modo de vida vai mudar mais rápido do que nos últimos mil anos.
            Para objetivar esta resenha em torno do campo da agricultura/economia, destacamos a afirmação do autor: 'A agricultura global poderá encontrar-se no meio de uma grande transição na história do mundo, com um crescente volume de alimentos e fibras sendo produzidas em ambientes fechados 'indoor agriculture' através de cultura de tecidos em gigantescos recipientes de bactérias, a uma fração do preço de produzi-las no campo. A mudança para a agricultura interior poderia significar preços mais baixos e oferta mais abundante de alimentos, milhões de fazendeiros tanto nos países desenvolvidos como nos subdesenvolvidos, arrancados de suas terras, detonando uma das maiores catástrofes sociais na historia mundial'. Relata um caso especifico e concreto da produção em laboratório da baunilha, em escala comercial em barris, através do isolamento do gene que codifica o itinerário metabólico que resulta no sabor baunilha, produzindo-o em banho de bactéria – eliminando a fava, a planta, o solo, o cultivo, a colheita e o agricultor. A aplicação da engenharia genética, e clonagem em animais serviria para estabelecer-se 'animais fabricas', destinados a secretar, em seu sangue e leite, produtos químicos e drogas a custo baixíssimo, destinados ao uso humano.
            Da união da utilização de computadores e biotecnologia identifica o autor a emergência de um novo campo de pesquisa – a bioinformática – e o surgimento da bioeconomia. Rifkin considera, 'O casamento de computadores com genes altera para sempre nossa realidade no nível mais profundo da experiência humana'. Uma nova e poderosa realidade tecnológica está se formando pela fusão das tecnologias computacionais e genéticas, aplicadas numa economia biotécnica. Isto significaria que estamos passando de uma grande era econômica para outra, na qual o gerenciamento econômico seria determinado pelo gerenciamento dos genes.
            Considera que a era industrial está terminada, marcada também pelo encerramento da idade do fogo. Destaca que foi com o fogo que a espécie humana pôde derreter, fundir o mundo inanimado e formatá-lo sob a forma de utilidades. O fogo permitiu que se aquecesse iluminasse e utilizasse a força dele derivada.
          Uma novidade nessa nova era, que identifica e vislumbra, é a possibilidade do patenteamento da vida, seus componentes e processos, que até recentemente era inaceitável e inviável. E seria dentro dessa nova perspectiva, e a partir das novas tecnologias, que a economia e a sociedade se reorganizariam. E isso porque a economia e a sociedade constituiriam historicamente apenas amplificações dos próprios princípios e práticas da natureza.
            Segundo Rifkin, depois de milhares de anos fundindo, derretendo, soldando, forjando e queimando matéria inanimada de modo a criar coisas úteis, o ser humano estaria agora juntando, recombinando, inserindo, transformando matéria viva em utilidades econômicas. Refere-se à observação do escritor científico inglês Lord Ritchie-Calder, que afirma: '...assim como nos manipulamos metais e plásticos, nós estamos agora manufaturando matéria viva'.
            Observa ainda o autor que a velocidade com que estão sendo feitas as descobertas científicas é muito rápida e que as possibilidades de aplicações comerciais '...estão limitadas apenas pelo alcance da imaginação humana e pelas idiossincrasias e caprichos do mercado'.
            Ressalta uma diferença fundamental da biotecnologia em relação à genética convencional, que é o fato de que ela não trabalha e manipula mais espécies, mas sim genes. E conclui Rifkin: 'A nova tecnologia genética permite-nos combinar material genético através dos limites naturais, reduzindo toda vida a materiais químicos manipuláveis. Esta radical forma de manipulação biológica muda nosso conceito de natureza e de relação com a mesma.' Neste sentido, a produção agrícola, que tradicionalmente decorre de uma relação obrigatória com a natureza, poderá se 'libertar' dessas condições naturais de produção. Superada essa necessidade do trabalho de campo característico da produção agrícola convencional, o trabalho necessário à nova produção agrícola passaria a ser o de reprogramar o código genético das coisas vivas, de modo a que atendam às nossas necessidades e desejos culturais e econômicos relacionados com os produtos agrícolas.
 

 

Data de Publicação: 01/06/2000

Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor