Café: Mudança Estrutural Do Mercado

            Em fevereiro o mercado internacional de café não apresentou grandes oscilações na cotação para o mês de maio, tanto em Nova Iorque como em Londres, apesar de que no dia 16 a cotação para o café arábico em Nova Iorque, para o mês de março, ficou abaixo de 60 centavos de dólar por libra peso, a menor dos últimos sete anos e meio. Para maio, porém, verificou-se que as cotações flutuaram em torno da média de US$ 86,40 por saca de 60 quilos, indicando que há tendência à estabilização (Figura 1). O mesmo ocorreu no mercado de Londres para o café robusta, em que a cotação para maio teve pequenas variações em torno da média de US$ 37,62 por saca de 60 quilos.

Figura 1 – Cotação do Contrato C, Segunda Posição, Bolsa de Nova Iorque –
Arábico e Bolsa de Londres – Robusta, 1/02 a 28/02/2001

 

Fonte: Elaborada a partir de dados básicos da Gazeta Mercantil, jan./fev.2001. 
            Assim, o comportamento do mercado em fevereiro é de relativa estabilidade, interrompendo a queda contínua que ocorre desde dezembro de 1999. O mercado, contudo, começa a indicar uma relativa estabilidade na baixa, o que permitirá que os produtores estabeleçam estratégias para a comercialização de seus estoques e da safra que se inicia em maio, mesmo com as incertezas derivadas dos baixos resultados da política de retenção das exportações implementada pelo Governo brasileiro.

Mercado interno

            Os preços praticados para as diferentes qualidades de café apresentaram ligeiras oscilações ao longo de fevereiro de 2001. Acompanhando as cotações na Bolsa de Nova Iorque, os preços já se encontram em patamares similares aos verificados no final da crise do início da década de 1990. Para os cafés considerados finos (Sul de Minas e Mogiana), os preços, após declinarem para R$ 127,5 por saca, encerraram o mês com cotação de R$ 132,5/sc, valor idêntico ao praticado no início do mês. A trajetória dos preços poderia apresentar quedas caso não ocorressem pequenas desvalorizações do real observadas desde o início do ano. Finalmente, as bebidas rio e riado apresentaram o melhor desempenho de preços dentre os quatro tipos analisados, uma vez que estavam cotadas a menos de R$ 120/sc em 31 de janeiro, elevando-se para mais de R$ 125/sc em 23 de fevereiro. Esse resultado pode ser reflexo da política de retenção, pois esses tipos de bebida são os mais procurados para atender à exigência de retenção de 20% do volume embarcado. (Figura 2)

Figura 2 – Cotações por Saca de Café Verde, Tipo 6 para Melhor, Safra 2000/01,
FOB Armazém, 31/01/2001 a 23/020/2001

 

Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Escritório Carvalhaes, fev.2001.

O consumo mundial de café

            Inexiste consenso em relação ao volume de café consumido no mundo. Segundo a Organização Internacional do Café (OIC), por exemplo, o consumo em 2000 teria sido da ordem de 102 milhões de sacas. Recentemente, foi divulgado pela International Coffee Report, da F.O.Licht, estudo analisando os dados de importação líquida e de variação de estoques no qual se concluiu que o consumo de café nesse ano oscilou entre 81 e 82 milhões de sacas nos países importadores, com crescimento de 1,3% no período 1996/2000. Somando-se esse volume aos cerca de 25 milhões de sacas consumidos nos países produtores, chega-se a 106-107 milhões de sacas consumidas no mundo em 2000.
            Entre os importadores, as maiores oportunidades de crescimento são apresentadas pelos países do leste e sul da Europa, como Polônia, Hungria, Espanha e Portugal. A Rússia também consiste num mercado a ser trabalhado na mediada em que apresenta um consumo de apenas 0,3 quilo per capita. Da mesma forma, acreditamos que o Japão dispõe ainda de elevado potencial de crescimento, pois, embora seja o terceiro principal país importador, em termos de consumo per capita coloca-se em décimo quinto lugar com apenas 2,8/3,0 quilos. Ainda na Ásia, além da Coréia do Sul, a China, com um consumo atual da ordem de 300 mil sacas, é citada com estardalhaço, por alguns analistas, como a salvação do mercado de café. Não se leva em conta, porém, que apenas 10% do total de seus 1,2 bilhão de habitantes, são considerado como população economicamente ativa, o que poderia ser até significativo se não representassem uma cultura fortemente voltada para o consumo de chá, predominando a imagem de que o café não faz bem à saúde. Essas barreiras só poderão ser removidas a médio e longo prazos à custa de elevados investimentos em marketing.
            No estudo inicialmente mencionado, a projeção de consumo para 2005, estimada em 85-86 milhões de sacas, foi elaborada a partir da pressuposição de crescimento entre 2,5 % e 4.0% na renda real dos países consumidores de café. Neste caso, o crescimento médio do consumo do produto ficaria em torno de 1,25% ao ano, inferior portanto ao observado nos últimos anos (1,3%). Aparentemente, nesse estudo, foram tomados como base para a análise os preços médios que vigoraram no período 1996-2000. Nesse caso, corre-se o risco de os resultados estarem subestimados, pois é quase certo que as cotações dos próximos anos, em valor corrigido, fiquem abaixo da média dos preços observados em 1996-2000, o que pode induzir a um incremento no consumo projetado, apesar da eventual perda de qualidade devido à maior presença do robusta/conillon na formação dos blends.
            Apenas a título de exercício, se esse crescimento for de 1,5%, haverá no ano 2005 um consumo total nos países importadores de mais de 87 milhões de sacas. Por outro lado, se o consumo crescer 2,5% nos países produtores, haverá um crescimento médio global da ordem de 1,7% ao ano, o que elevaria o consumo mundial para 115 milhões de sacas daqui a cinco anos. Quando se faz o mesmo exercício a partir do volume estimado pela OIC, de 102 milhões de sacas, chega-se ao consumo de 111 milhões de sacas no ano 2005. Qual a importância desses dois números diferentes para a economia cafeira no mundo? Essa diferença de 4 milhões de sacas não seria a mesma de hoje? Entendemos que ela é relevante em função das condições momentâneas de mercado, ou seja, quando há excesso de café, a magnitude dessa diferença afeta menos os preços do que quando há escassez do produto. O que estamos sugerindo é que, se as projeções da F.O.Licht estiverem corretas, haverá uma reversão de preços muito mais pronunciada no próximo ciclo de altas que poderá ter início dentro de 2-3 anos.

Café orgânico em alta

            Analistas do mercado brasileiro de alimentos são unânimes em diagnosticar a expressiva expansão da demanda por produtos orgânicos certificados. Ainda que mais caro, o café orgânico torrado e moído apresenta crescimento da demanda que, segundo alguns torrefadores desse segmento, se situa acima dos 30% ao ano. Isso mostra que os consumidores, crescentemente preocupados com uma alimentação mais saudável, têm sido bastante receptivos ao café orgânico, principalmente nas principais capitais do Centro-Sul do País. As redes supermercadistas, atentas ao fenômeno, mostram-se predispostas a ampliar o espaço para os produtos orgânicos, podendo inclusive criar no futuro estabelecimento voltado exclusivamente para a comercialização de produtos orgânicos.
            Dentre os cafés ofertados nos supermercados, podem ser encontradas diversas marcas. O Café Ituano/EcoLinea, com selo do Greenpeace (que possui forte apelo junto aos consumidores), trabalha com um café considerado gourmet. Ademais, a empresa desenvolveu estratégia inovadora em que pretende comercializar por e-business seu café orgânico junto aos associados do Greenpeace. Os cafés Prima-Qualità da Cooxupé, o BioCafé (marca pertencente a Olivier Anquier) e o Café Bom Dia orgânico (todos com selo da Associação de Agricultura Orgânica – AAO) são outros exemplos de café orgânico nos supermercados. O Café Bom Dia possui lavoura própria, em fase final de conversão para o sistema orgânico, e ainda adquire café verde de diversos cafeicultores familiares concentrados na região de Machado (MG). O grupo abastece mais de dez redes supermercadistas e exporta volume considerável com a marca da empresa. O Café Pelé (uma das marcas brasileiras mais conhecidas no exterior) e outros inúmeros torrefadores distribuem regionalmente café torrado e moído orgânico. Finalmente, o produtor do Café Native, certificado pelo Instituto Biodinâmico (IBD), possui cerca de 300 hectares com café orgânico e estabeleceu parcerias com cafeicultores familiares do Sul de Minas, pretendendo processar em 2001 mais de 8.000 sacas de café beneficiado. Para esse ano, aguardam-se lançamentos, por parte das torrefadoras mencionadas, de café solúvel orgânico (do tipo liofilizado) e do cappuccino (envolvendo, além do café, o leite em pó e o açúcar igualmente orgânicos).

O esgotamento da política de retenção

            Sem qualquer resultado positivo, pode-se concluir que a política de ordenamento da oferta (retenção) encontra-se exaurida. Em janeiro de 2001, os estoques de café nas cooperativas brasileiras aumentaram em 47,5%, em comparação com o mesmo mês do ano anterior. Esse é um sintoma claro de que o País exportou menos e ao mesmo tempo abriu espaço para os concorrentes, que se apropriaram, pelo menos momentaneamente, da ausência brasileira. Ademais, o Brasil poderia ter obtido US$ 400 milhões adicionais em exportações e consequentemente menor congestionamento nos seus armazéns, caso não tivesse implementado a equivocada política de retenção. No maior mercado consumidor, os Estados Unidos, por exemplo, o Brasil perdeu a liderança enquanto principal fornecedor, declinando para o quarto lugar atrás de México, Colômbia e Guatemala. No âmbito interno, os cafeicultores têm sido penalizados em mais de R$ 15,00/sc (mais de 10% sobre os atuais preços de mercado) devido ao repasse dos custos da política por parte dos exportadores. Além disso, a inclusão dos cafés especiais na retenção é de flagrante inconsistência, uma vez que a média de preços nesse segmento supera o limite de US$ 1,05 por libra peso, definido como patamar para a suspensão com a liberação dos estoques retidos. Importadores como a renomada Illy são obrigados a adquirir cafés comuns para depositá-los e assim poder embarcar os lotes premiados em seu último concurso nacional. A falta de habilidade de nossas lideranças da cafeicultura em conseguir deixar de fora esses cafés mostra a irresponsabilidade de sua atuação. Finalmente, também alguns exportadores passaram a obter vantagens com a política, ao depositar cafés comprados em leilões oficiais (com preços baixos, prazos elásticos e financiamento com juros subsidiados) e, paralelamente, solicitar financiamento igualmente subsidiado para aquisições de cafés na proporção de 20% sobre o total embarcado. Portanto, os exportadores financiavam com dinheiro público duas vezes o mesmo café, consistindo em prática aparentemente legal embora eticamente condenável.
 

Dívidas do café são prorrogadas

            Em reunião realizada em 22 de fevereiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) prorrogou por mais um ano as dívidas do setor cafeeiro, estimadas em R$ 260 milhões, a vencer este ano, desde que sejam pagos 10% do valor da dívida no ato da repactuação. Os interessados devem procurar o Banco do Brasil até 30 de março próximo. Desse valor total, R$158 milhões (crédito de custeio transformado em pré-comercialização da safra 1999/00) venceriam entre janeiro e março de 2001; R$ 70 milhões (empréstimo de colheita transformado em pré-comercialização da safra 1999/00), entre abril e junho de 2001; e R$ 40 milhões (pré-comercilização da safra 2000/01) no período de abril a junho de 2001. Alguns analistas consideram inócua a prorrogação para 2002, como medida para impedir a queda de preços, diante do excesso de oferta do produto. Ações dessa natureza, porém, são o mínimo que se pode fazer face à descapitalização em que vive o setor, agravada em parte pelo plano de retenção que impediu a entrada no Brasil de montante significativo de dólares (US$ 400 milhões).

Data de Publicação: 05/03/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor