Café: Previsões De Safra Devem Ser Tratadas Com Mais Rigor1

Mercado externo

            Tomando-se as cotações para arábicos e robusta vigentes nos últimos doze meses no mercado internacional, percebe-se que o mercado externo de café ressentiu-se profundamente dos efeitos decorrentes do plano de ordenamento da oferta implementado pelos países signatários da Associação dos Países Produtores de Café (APPC). Exemplificando, em junho de 2000, na Bolsa de Nova Iorque, as cotações para o arábica oscilavam em torno de US$ 123,00/sc. 60 kg de café beneficiado. Transcorridos doze meses, a cotação declinou para a média de US$ 79,00/sc. Tal fenômeno reproduz-se também para o robusta, com preços cotados na Bolsa de Londres apresentando queda de US$ 52,00/sc. para US$ 34,56/sc., em igual período (Figura 1).

Figura 1 – Trajetória de Preços¹ Recebidos pelos Produtores para Arábica na Bolsa de Nova Yorque, Arábica em São Paulo e Robusta na Bolsa de Londres, Junho de 2000 a Junho de 2001

¹ em sacas de café beneficiado de 60 kg

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados da Gazeta Mercantil, junho de 2001 
            Quais as lições a tirar dessa experiência? Em primeiro lugar, ficou patente que controles sobre o mercado jamais funcionam quando existe oferta excessiva do produto e, em caso contrário, a regulação se torna inútil, pois com o mercado desabastecido a tendência de aumento de preços é inapelável. Aliás, esse foi o caso da intervenção similar ocorrida entre 1993-1994, que algumas lideranças insistem em utilizar como exemplo de sucesso quando, de fato, foi uma política desnecessária. A propósito, um grande cafeicultor ironizou a respeito: 'a retenção só funciona quando desnecessária'.
            Caso não bastasse essa evidência, há estudos apontando que, ao longo do último século, todas as ações de intervenção sobre o mercado de café resultaram em perda de mercado para o produto brasileiro. Não se pode admitir que seja por falta de inteligência, associada com a cumplicidade de um ministro sem orientação política coerente e susceptível às pressões particularistas que as lideranças de nossa cafeicultura, trouxeram do passado a velha figura do guarda-chuva. Aproveitando-se da política brasileira, diversos países passaram a produzir café, convertendo-se em exímios competidores do produto nacional.

Mercado interno

            Com o início da colheita de café nas principais regiões produtoras, é esperado queda nas cotações, ainda que pesem as restrições dos produtores em negociar o produto estocado. Esse maior movimento de vendas decorre da necessidade, por parte dos cafeicultores, em levantar recursos para financiar a colheita da nova safra através da venda de seus estoques. Nesse ano, em especial, face a política de retenção implementada pelo governo federal e com respaldo das principais entidades atuantes na gestão da política cafeeira, os estoques elevaram-se, o que tornou ainda mais acentuada a queda de preços no mercado ao longo do mês de junho. Dessa forma, após iniciar o mês em patamares de R$ 136,00 para os finos, R$ 125,00 para os duros, R$ 119,00 para riados e R$ 112,00 para os de bebida rio, os preços apresentaram forte elevação com a especulação sobre os riscos de geada no País, atingindo, em 18 de junho R$ 143,00 para finos e R$ 130,00 para duros. No fechamento do mês, os preços caíram, com finos cotados a R$ 123,00, evidenciando a elevada queda ocorrida no período.
            Quanto ao mercado de robusta, os preços acompanharam a queda observada no arábica, ainda que em menor intensidade. Os robustas sem descrição e os com até 10% de broca tiveram ligeiro decréscimo nos preços ao longo do mês. O primeiro tipo a cair de R$ 58,00 em primeiro de junho para R$ 55,00 em vinte e nove do mesmo mês; para o segundo tipo, os preços apresentaram a mesma tendência, com queda de R$ 60,00 para R$ 57,00 no mesmo período.
            Assim, como os preços nas bolsas internacionais declinaram acentuadamente durante a vigência do plano de retenção, os preços recebidos pelos cafeicultores no Estado de São Paulo caíram em igual magnitude (Figura 1).

Café: comentários sobre a safra

            O Ministério da Agricultura divulgou novo número sobre a produção brasileira de café, ano safra 2001/2002, chamado de segunda previsão. De acordo com essa estimativa, o Brasil deverá produzir volume de 27,4 milhões de sacas, assim distribuído por estado: Minas Gerais, 12,2 milhões de sacas; Espírito Santo, 6,74 milhões; São Paulo, 2,8 milhões; Bahia, 2,35 milhões; Rondônia, 2,1 milhões; Paraná, 540 mil sacas. Foi estimado também que do total produzido cerca de 8 milhões de sacas serão de robusta, o que coloca o País em segundo lugar na produção mundial desse tipo de café, liderado pelo Vietname. Embora tenha aumentado pouco em relação ao levantamento anterior, acreditamos que esse número está mais próximo da realidade, levando-se em consideração o desempenho da atividade e as condições climáticas que vigoraram nos últimos anos nas diversas zonas cafeeiras. Analistas têm questionado um ou outro número apontado para os estados, (exemplos: Bahia e Espírito Santo) mas todos são unânimes em afirmar que o volume global jamais poderá ultrapassar 30 milhões de sacas (como têm insistido algumas fontes).
            Concordamos que a questão de previsão de safra deveria ser tratada com mais seriedade por todos segmentos da cadeia de café. Uma das áreas de excelência que o extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC) possuía era justamente a área de levantamento de safras, que, infelizmente, foi desmantelada pelo governo anterior.
            Como já temos assinalado em várias oportunidades, essa questão torna-se mais importante quando se trata de produto de demanda inelástica, como é o caso do café, para o qual qualquer variação na quantidade ofertada acarreta variação mais do que proporcional nos seus preços. É claro que inúmeros agentes de mercado sabem disso e tentam tirar proveito dessa característica do mercado, espalhando notícias tendenciosas ou resultantes de procedimentos sem qualquer fundamento teórico. É bom insistir sempre que qualquer previsão subjetiva não pode ter qualquer credibilidade técnica se não possuir como referência um levantamento ao nível das unidades de produção feito anteriormente. Conclui-se daí que a maior parte dos levantamentos feitos para café no Brasil não tem validade estatística, pois não são baseados em levantamentos dessa natureza. Como podemos ter tanta certeza? Simplesmente porque é muito elevado o custo de se fazer levantamento objetivo com todo rigor estatístico necessário. Inicialmente, é preciso dispor de um bom cadastro de produtores e técnicos especializados para, a partir desse cadastro, delimitar uma amostra representativa do universo que se pretende estudar. Na fase do levantamento propriamente dito, é preciso selecionar bem os entrevistadores, que precisam conhecer a diversidade dos sistemas de produção de café, bem como as nuanças ligadas a essa atividade. Caso contrário, pode ocorrer que alguns produtores, ao perceber que seu entrevistador nada entende da atividade, se neguem a responder perguntas, ou, respondendo, o façam de forma tendenciosa.
            Infelizmente, tem-se observado absurdos nos dados divulgados pela imprensa. É preciso, entretanto, assinalar que a não divulgação de levantamento realizado, sob qualquer pretexto, acaba prejudicando o próprio setor, pois os preços acabam sendo formados com base em expectativas criadas por segmentos com diferentes interesses específicos. Foi o que ocorreu com o segundo levantamento da EMBRAPA para a safra 2000/2001. Esperava-se que a segunda pesquisa corrigisse para menos os 26 milhões de sacas estimados no primeiro levantamento. Quando os resultados apontaram para produção de 30 milhões de sacas, o setor produtivo foi surpreendido. Pressionado pelas lideranças, esse número não foi divulgado.
            Os prejuízos causados por esse comportamento resultaram do fato de que o mercado já operava tendo como base um volume de produção da ordem de 32-33 milhões de sacas. Ou seja, se o volume de 30 milhões de sacas tivesse sido divulgado, é provável que os produtores recebessem cerca de R$ 10,00 a R$ 15,00 a mais pela saca de café naquele ano. Para aqueles que julgarem exagero de nossa parte a afirmativa sobre as pressões para que os resultados do segundo levantamento de 2000 não fossem divulgados, citamos o caso concreto ocorrido em São Paulo. O IEA/CATI faz levantamento sistemático de previsão de safras para as principais culturas do Estado e, no caso do café, havia estimado para 2000 produção da ordem de 3,4 milhões de sacas no Estado, contrariando expectativas de algumas lideranças que esperavam no máximo 2,5 milhões de sacas. Inconformados com o número, essas lideranças provocaram uma reunião da Câmara Setorial do Café para que o IEA e a CATI fossem questionados, visando especialmente proceder revisão dos números e censura pelos membros dessa Câmara. Felizmente essas instituições mantiveram-se firmes em seu posicionamento técnico, cujo acerto foi confirmado nos levantamentos posteriores, que alteraram inclusive para mais aquela previsão inicial.
            Outro procedimento, no mínimo estranho, que se tem praticado com relação aos levantamentos de safra são as previsões baseadas em taxas de crescimento histórico, mesmo que recentes. Isto pode ser válido para estimar consumo futuro (taxas de crescimento mais estáveis), mas, quando se trata de oferta de café, pode-se levar a equívocos grosseiros, dependendo da conjuntura mundial pela qual passa o setor. Um exemplo desse erro são as estimativas de produção mundial de café para o ano 2003, feitas por empresas de consultoria. Projetar volume maior para 2003 em relação ao ano anterior é temeridade, pois tudo indica que se as condições de clima não comprometerem, 2002 será o ano de produção máxima nessa fase cíclica de preços baixos para o café. A partir desse ano poderá ter inicio nova fase de produção decrescente em escala mundial. Quem faz estimativas de produções futuras para o café devia saber dessas coisas...!
 
 

1 Convênio DESR/ESALQ/USP-IEA/APTA-SAA
 

Data de Publicação: 13/07/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor