O Mercado De Café E A Appc

            Constantemente ouvem-se comentários de que os preços de café começaram a subir a partir de 93, graças à intervenção no mercado feita pela Associação dos Países Produtores de Café (APPC) criada em setembro daquele ano. Este fato é, inclusive, citado como exemplo para justificar a intervenção atual nesse mercado. Dada a freqüência com que esse argumento é utilizado, gostaríamos de fazer alguns comentários a respeito do período em que foi criada a APPC, considerado um dos mais difíceis da nossa cafeicultura em anos recentes.
            Tudo começou em 1985, com a seca que também assolou as regiões cafeeiras do Brasil, fazendo com que os preços de café disparassem no final daquele ano e começo de 1986, tendo alguns produtores vendido café a mais de 400 dólares a saca. Como conseqüência desses preços, a produção de café no Brasil atingiu o volume recorde em 1987, ou seja, mais de 42 milhões de sacas. Entretanto, não foi só aqui que houve aumento de produção, mas em quase todos países produtores e foi essa avalanche de produção que na prática fez com as cláusulas econômicas do Acordo Internacional do Café fossem suspensas em 1989 e que os preços do produto desabassem para níveis de 40 dólares a saca em 1992. Contribuíram também para essa situação crítica a abrupta extinção do IBC (deixando o setor completamente à deriva) e a própria condição em que se encontravam os produtores na época, ou seja, bastante descapitalizados.
            Nesse contexto, o mercado de café fica muito complicado, pois a sua característica de demanda inelástica associada ao fato de que grande parte dos países produtores dependem desse produto como principal fonte de receitas cambiais, faz com que seja criado um círculo perverso: só se consegue vender mais café, reduzindo seus preços em proporção maior que o aumento na oferta (demanda inelástica) e com essa queda de preços os países produtores são obrigados a vender mais ainda, já que contam com uma quantidade determinada de recursos que deverá ser internalizada principalmente através das exportações de café.
            Tudo isso aconteceu em 1992 e 1993, resultando em estoques elevados nos países consumidores (mais de 20 milhões de sacas) e preços mais baixos ainda nos países produtores. Quem acompanha de perto as políticas e o mercado de café sabe que, além dessas questões de natureza técnico-econômica, contribuiu fortemente também para aumentar aqueles estoques uma jogada estratégica dos demais países concorrentes contra o Brasil (uma história longa que não cabe neste artigo), mas que não deu certo.
            Nesses anos de dificuldades, muitos países da América Central e da África não dispunham sequer de recursos para fazer a colheita de café. É claro que tal situação não poderia se perpetuar e aí entram os fundamentos de mercado. Foram reduzidos drasticamente os tratos culturais e muitas lavouras abandonadas e erradicadas (mais de 1 bilhão de pés só no Brasil), situação que passou a se refletir nos preços. Com efeito, as cotações médias dos arábicos brasileiros, segundo dados da Organização Internacional do Café (OIC), passaram de 56 cents em 1992, para 66 cents em 1993 e 143 cents em 1994, mostrando a nítida tendência de alta, já a partir de setembro de 1992; após ter chegado à cotação mais baixa do período, ou seja, 46 cents em agosto daquele ano, os preços passaram a ser ascendentes nos meses seguintes, terminando o ano com o produto cotado em 74 cents em dezembro. Em 1993, houve de início certa resistência no mercado a essa tendência de alta, que, no entanto, acabou se confirmando, configurando, assim, o começo do ciclo de preços elevados que atingiu o ápice em maio de 1997 (209cents).
            Por que os preços começaram a reagir a partir de 1992/1993? Simplesmente porque, a partir dessa época até 1997, sistematicamente, a produção mundial de café foi inferior à demanda, cuja diferença de volume em favor do consumo atingiu em média cerca de 6 milhões de sacas anuais. É, portanto, completamente equivocado o argumento segundo o qual os preços subiram devido à criação da APPC. Não foi também por causa das geadas de 1994, como muitos afirmam, embora, é claro, esse fenômeno tenha acentuado aquela tendência de alta, pois o mesmo tipo de café que era vendido a 40 dólares em 1992 fora negociado um mês antes da geada a 140 dólares. Essa mudança nos preços ocorreu porque tinha de ser assim mesmo, devido à interação de fatores endógenos ligados à própria dinâmica do mercado desse produto, ou seja, foi o mercado que funcionou...
            Na atual conjuntura mundial, estamos convivendo num contexto de produção maior do que o consumo, situação que deverá perdurar seguramente por mais uns 2 ou 3 anos, a menos que intervenham quaisquer componentes de natureza climática (secas, geadas, etc.), afetando diretamente o setor produtivo.
 


 

Data de Publicação: 01/06/2000

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Antonio Roger Mazzei (mazzei@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Roberto de Assumpçao (rassumpçao@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor