A Reforma Agrária e o Banco Da Terra

            A Constituição Federal garante a todos os brasileiros ou estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à propriedade, subordinada ao atendimento de sua função social, e prevê a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária, assim como a expropriação de terras com culturas ilegais (psicotrópicos), destinando-as à reforma agrária.
            O Estatuto da Terra prevê, entre as medidas de acesso à propriedade rural, a compra e venda, a desapropriação por interesse social, a doação, a arrecadação dos bens vagos, a reversão de posse do Poder Público de terras de sua propriedade, indevidamente ocupadas e exploradas, a qualquer título, por terceiros, e a herança ou legado.
            Um ponto importante a ser citado, quando da análise das políticas a serem implementadas no âmbito desta questão, é que a Constituição prevê que o orçamento fixará anualmente o volume de Títulos da Dívida Agrária (TDAs), bem como o montante de recursos para atender ao programa de reforma agrária.
            Partindo das premissas constitucionais e da legislação pertinente, pode-se analisar a criação do Banco da Terra, a qual se baseia no direito do trabalhador rural a um empréstimo para a aquisição de terra a ser destinada ao seu trabalho com a sua família, o que também está previsto na Constituição Federal.
            A implementação do Banco da Terra, com a criação do Fundo de Terra e da Reforma Agrária, ocorreu em 1998 mediante a Lei Complementar no 93, de 04/02/98, que foi regulamentada em maio de 2000.
            Deve-se considerar, nesta questão, que o uso da desapropriação tem sido fonte de conflitos e de debate, relativamente a aspectos administrativos, jurídicos e políticos e não raras vezes com recorte estritamente ideológico, assim como sobre insuficiências técnicas nos laudos de vistoria dos imóveis; morosidade nos trâmites administrativos e jurídicos; falta de estrutura da administração pública para levar a cabo as ações previstas em Lei; e os altos valores das indenizações.
            A busca de alternativas, por parte dos agentes governamentais, levou à implantação do Banco da terra, deslocando a intervenção pública direta sobre a estrutura fundiária (desapropriação) para uma função indireta (fornecimento de crédito), de forma que o mercado passe a ser também um local privilegiado de solução dos conflitos fundiários.
            Uma opção de política que estimule o acesso à terra, mediante a concessão de crédito criado para este fim, vem, de fato, estimular as práticas já correntes no mercado de terras, podendo ampliar o número de negócios realizados em menor período. O resultado é a dinamização de uma prática usual, acrescida de um incentivo para que as unidades que já não conseguem se manter devido à exiguidade de área permaneçam na atividade rural. Este incentivo é importante como complemento a uma política de reforma agrária que conviva com o incremento constante de demanda por terra, pois crescem novos contingentes de trabalhadores rurais ou agricultores familiares expropriados que estarão parcialmente sendo atendidos .
            É neste contexto que esta análise da questão fundiária considera o Banco da Terra como uma instituição que permite a gestão de uma política pública importante, mas necessariamente complementar frente às necessidades da estrutura social e fundiária brasileira, que resultaram no surgimento de vários movimentos sociais mais ou menos organizados por todo o país..

Fundo da Terra (abrangência ou inovações) e limitações

            Denominado Fundo de Terras e da Reforma Agrária, o Banco da Terra foi criado com a finalidade expressa de financiar programas de reordenação fundiária e de assentamento rural. A origem dos recursos que formam o Fundo tem várias fontes e inclui TDAs (específicas para o Programa de Reordenação Fundiária) e retorno dos financiamentos concedidos com recursos do próprio Fundo e do INCRA. Apresentam-se aqui duas questões: uma relacionada com os critérios para a divisão de recursos de uma mesma fonte, entre dois instrumentos de política fundiária, a fim de se definir qual valor corresponde às indenizações de desapropriação para reforma agrária e o que se destina ao Programa de Reordenação Fundiária; e a outra relacionada com o novo destino do retorno dos financiamentos concedidos pelo INCRA.
            O uso desses recursos é feito a partir da apresentação do Programa de Reordenação Fundiária, para a compra de imóveis rurais e a implantação de infra-estrutura básica prevista, além das despesas resultantes da implantação do Programa. São liberados para o financiamento individual ou coletivo de trabalhadores rurais não proprietários e para aqueles cuja propriedade não atinja o módulo familiar, cuja renda gerada seja insuficiente para o próprio sustento e de suas famílias, ou suas cooperativas e associações.
            Este mecanismo de crédito fundiário compreende medidas de acesso à propriedade rural, por meio de transações de compra e venda. Aqui, o Poder Público age disponibilizando recursos para que a transação se efetive mediante contrato entre as partes (comprador ou compradores e vendedor). Esta lei facilita transações para aqueles que dispõem de recursos mínimos suficientes para honrar os compromissos contratados e que não se encontram entre aqueles potencialmente beneficiados das ações de reforma agrária estrito senso.
            Há grande diversidade na população que busca o acesso à terra, o que requer realmente políticas distintas. Os diferentes graus de exclusão social, bem como a existência ou não de organização familiar dos diversos grupos de sem-terra ou 'quase sem-terra', são capazes de indicar a capacidade do indivíduo ou do grupo em pagar o financiamento, que engloba desde os investimentos básicos à elaboração do projeto nos moldes estabelecidos. Podemos comparar, por exemplo, um trabalhador rural integrante de grupo familiar, que possua infraestrutura e relacionamento já estabelecido com o mercado consumidor, com outro cuja origem e experiência anterior não permitem realizar os resultados de produção e inserção no mercado nos três anos de carência. Ainda será necessário aos beneficiários desta política discutir seu futuro desempenho diante das condições de financiamento.
            A garantia do financiamento no caso do Banco da Terra é o imóvel que está sendo comprado ou, caso a compra esteja sendo realizada por meio de associações ou cooperativas, a cobrança da garantia pessoal dos beneficiários. Além das providências previstas, relativas à liberação e reembolso dos recursos, às taxas de juros, aos redutores previstos e aos percentuais de rebate que correspondam a diferenciações regionais favorecendo áreas mais pobres, há maleabilidade para acrescentar despesas não previstas e o estímulo à formação de consórcios de municípios para contribuir com o Programa Banco da Terra. Esses pontos segundo o Programa buscam contribuir para a viabilização econômica e social deste novo tipo de assentado.

Uma questão que deve ter duas respostas

            O país passa a dispor de dois instrumentos de política fundiária. Assim, é necessário ressaltar as características do Banco da Terra que podem contribuir para o avanço na minoração de problemas sociais e econômicos que afetam uma parcela da população. Porém, não substitui nem diminui a necessidade e a importância do processo de reforma agrária, que, no atual quadro de exclusão social e de pobreza presentes em todo o país, torna mais clara ainda essa nossa herança agrária negativa.
            O Banco da Terra traz a possibilidade de permitir o acesso à propriedade rural a um contingente da população que percorre os caminhos da expropriação. Porém, o público alvo desta política, que tem sido amplamente divulgada, difere do que deve ser atendido com a política de reforma agrária.
            É importante vislumbrar que, em prazos distintos, cada política especifica nesta área deverá mostrar os ganhos sociais e econômicos correspondentes e que, em uma realidade diversa, os caminhos também podem ser diversos na busca de resultados realmente significativos e que possam atender às demandas sociais, tanto as visíveis e organizadas politicamente quanto as apresentadas por meio de mecanismos de mercado.

Data de Publicação: 23/07/2001

Autor(es): Ana Victoria Vieira Martins Monteiro (ana.monteiro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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