Agricultura Orgânica: Características E Aspectos Importantes Para Viabilização Dentro Da Ética

1 - Introdução

            Com o objetivo de informar sobre aspectos importantes que fazem parte das discussões e ações da construção de uma viabilidade da agricultura orgânica dentro da ética, relacionam-se, a seguir, algumas características relativas à eficiência, produtividade e manutenção dos princípios básicos dos processos de produção agrícola da agricultura orgânica. Muitas delas deixaram de ser aqui incluídas por já constituírem lugar comum, porém outras podem estar sendo esquecidas:

a) a produtividade física do processo é mais baixa para atividade individual;
b) os custos mais baixos por atividade e conjunto;
c) o aumento da produtividade não constitui seu único objetivo;
d) os consumidores de produtos orgânicos devem ser críticos, participantes e estão ou devem estar mais próximos dos agricultores;
e) há preços diferenciados para cima e 'nichos' de mercado;
f) há auto-restrições na utilização de insumos químicos nos processos orgânicos de produção;
g) deve haver um comportamento ético na produção e comercialização;
h) deve haver preocupação com a saúde do consumidor;
i) deve haver preocupação com a saúde do agricultor;
j) deve haver preocupação com a saúde e condições de trabalho e de vida do trabalhador rural;
l) deve haver preocupação com a preservação/regeneração do meio ambiente;
m) é um sistema de produção que navega contra a corrente do pensamento oficial e dos interesses das empresas transnacionais de insumos agrícolas;
n) a forma de se relacionar com a natureza no processo de produção agrícola é equilibrada; e
o) deve haver uma visão holística do processo de produção, pelo menos como ideal.
 

2 - Aspectos importantes a serem utilizados e observados para a viabilização da agricultura orgânica dentro da ética

            Neste contexto, relacionam-se a seguir alguns aspectos que se consideram importantes para a viabilização da agricultura orgânica dentro da ética:

a) o lucro é importante para qualquer tipo de agricultura;
b) deve haver limites ao lucro (consumidor, agricultor e trabalhador devem ser vistos como seres humanos);
c) que preço se está disposto a pagar pela viabilidade econômica da agricultura orgânica;
d) devem haver princípios éticos e mercado justo;
e) o papel do marketing na mídia é fundamental para viabilizá-la em larga escala;
f) as possibilidades de utilização mais intensa e constante de ações visando esclarecer os consumidores sobre os efeitos perigosos dos agrotóxicos sobre a saúde humana e meio ambiente atual e para as gerações futuras;
g) qual a estratégia que pode ser adotada para que se consiga não perder o controle do avanço da agricultura orgânica e para que a sua viabilidade econômica não seja alcançada às custas de suas filosofias e ideais (o lucro pelo lucro e as transnacionais entrando no mercado);
h) não se deve perder de vista os princípios fundamentais e éticos que deram origem aos movimentos alternativos de produção agrícola;
i) não se deve adotar os mesmos parâmetros;
j) pouco adiantará construir um processo diferente de produção, se ele trouxer consigo os mesmos desvios que estão presentes atualmente nos processos dominantes de tecnologia e comercialização; e
l) a nova agricultura poderá ter como uma de suas características principais estar fundamentada numa ciência agronômica não reducionista e na participação de um agricultor que tenha ou recupere suas capacidades de observação e de respeito pelo seu espaço de produção, reconheça e respeite o tempo da natureza e os consumidores como parceiros ativos e interessados.

            Considera-se que o ponto mais importante será não cair na 'armadilha' constituída pela tentação ou prática de adotar conscientemente ou não os mesmos conceitos e procedimentos que viabilizaram técnica e economicamente a agroquímica. Pois ao admitir ou agir desta forma, a agricultura orgânica estará se afastando dos princípios básicos ambientais e sociais que lhe deram origem.
            Uma postura séria na produção agrícola orgânica somente poderá predominar se forem mantidas as relações entre agricultura e cultura, o que implica que:

a) o novo sistema de produção deve, além de considerar e respeitar os limites estabelecidos pela natureza, valorizar o conhecimento prático dos agricultores, suas habilidades e se preocupar com a participação dos consumidores;
b) haja 'uma relação adequada entre pessoas e a terra, ... (que não seja)... um monólogo mas uma conversação. Se a terra tem algo a responder, o bom agricultor a ouve' BERRY(1983). Acrescente-se a essa opinião de Berry que o consumidor deve também estar participando dessa conversa;
c) se considere que '... o novo sistema de produção deve ter espaço para as respostas inovadoras dos agricultores às circunstâncias e às suas necessidades e às de sua terra, uma habilidade que normalmente é adquirida depois de muitos anos e começando na infância' EHRENFELD (1993); e
d) a questão central da nova agricultura '... é, como influenciar a cultura representada pelo sistema de produção agrícola desenvolvido pelos agricultores, sem arruiná-la, ou seja, como criar um sistema pelo qual agricultores e especialistas agrícolas possam interagir de uma forma que não seja condescendente com os agricultores ou negue a individualidade de seus problemas, e que ao mesmo tempo mantenha a integridade e a unidade das recomendações que os especialistas tenham a oferecer' EHRENFELD (1993).

            Ainda segundo EHRENFELD (1993) 'Qualquer agricultura que se deseje, seja sustentável, tem que ser constituída por algo maior do que um conjunto de recomendações técnicas que levem em consideração os limites ecológicos da produção agrícola. A tecnologia a ser desenvolvida e utilizada deverá ser apoiadora da cultura que a pratica, e também participar dessa cultura. Não deverá de modo algum ir no sentido contrário dela.'

3 - Erros que não devem ser cometidos na pesquisa e difusão de conhecimentos

            É fundamental que se evite a repetição do modo como foi feita a introdução dos processos agroquímicos de produção agrícola que se caracterizaram por:

a) ignorar a associação histórico-cultural dos agricultores com os seus processos produtivos;
b) tender a trazer todos os insumos de fora do estabelecimento agrícola ao invés de produzi-los;
c) desqualificar todo o conhecimento e práticas anteriores e presentes, o que foi e é fundamental para viabilizar e manter a sua predominância;
d) apresentar uma tendência à simplificação dos processos de produção agrícola e sua adaptação ao modelo industrial de produção;
e) adaptar plantas e animais à tecnologia ao invés de adaptar a tecnologia aos processos naturais de produção baseados na natureza;
f) procurar tornar invisível o conhecimento local, desprezando todo conhecimento que estiver fora dos parâmetros da ciência moderna; e
g) '... privilegiar uma mercadoria, um produto isolado, a dominância da racionalidade econômica, o grande comércio, a adaptação das plantas e animais às necessidades da indústria, a desconsideração, desvalorização e eliminação de subprodutos muitas vezes importantes para a ecologia, artesanato, construções locais, e para outras atividades das populações do local onde se produz' SHIVA (1993).

            A construção de uma agricultura mais humana e respeitadora do meio ambiente e de um mercado justo implica que se opte por:

a) uma concepção de produção e comercialização agrícolas na qual agricultores devem deixar de ser considerados apenas receptores de tecnologia, conselhos e informações e os consumidores devem passar a ter um papel ativo, fazer parte de ambos os processos, influindo diretamente sobre os mesmos;
b) uma ciência agrícola, que não deve se reproduzir ou espelhar-se no atual modelo, apenas substituindo-se os insumos e recomendações utilizadas. A nova agricultura deve incorporar a capacidade de produção de conhecimentos dos agricultores que já foi historicamente demonstrada e o interesse e participação dos consumidores;
c) tentar descobrir formas de trazer os agricultores e seu conhecimento local de volta para a produção de conhecimentos formal para a agricultura; e
d) reforçar um fator favorável ao desenvolvimento de uma agricultura com cultura, que é o fato de os agricultores tenderem a estar fortemente ligados aos seus pedaços particulares de terra (quando as têm) e constituir meta de quase todos transmitirem-na aos seus filhos e netos e de quererem também transmitir seus conhecimentos práticos da lavoura.

            Na realidade, o que se deve buscar construir é uma (agri)cultura que, como seu próprio nome diz, é uma cultura (conhecimento sobre como cultivar e criar no agro ou campo) que é passada, como o é a terra em si, de geração para geração, dos mais velhos para os mais moços. Essa transmissão do conhecimento agrícola é nesse caso cultural e histórica.
            Neste mesmo sentido, KLOPPENBURG JUNIOR (1991) considera que '... esse conhecimento (dos agricultores) é necessariamente local, uma vez que deriva da experiência direta dos processos de trabalhos, os quais são formados e delimitados pelas diferentes características de um lugar particular com um ambiente físico e social especifico e único'.
            Pode-se afirmar, portanto, que todas as correntes de agricultura (compreendendo orgânicos, naturais, biodinâmicos e outras) não agroquímica, de um modo geral, poderiam ser englobadas em uma categoria de agricultura com cultura, que terá de caminhar no sentido de obter uma produção física abundante, suficiente e econômica, porém respeitando os limites e funções adicionais de produzir simultaneamente conhecimentos sobre a própria produção, gerar empregos, contribuir para regenerar o meio ambiente local e regional e, em última instância, contribuir para a regeneração do planeta, tudo isso com remuneração justa para o agricultor e preços justos para o consumidor.
 

Literatura citada

BERRY, Wendell. A place on earth. San Francisco: North Point Press, 1983.

EHRENFELD, David. Beginning again: people and nature in the new millenium. New York: Oxford University ......Press, 1993. 216p..

KLOPPENBURG JUNIOR, Jack. Social theory and the de/reconstruction of agricultural science: local ......Knowledge for an alternative agriculture. Rural Sociology, v.56, n.4, p.519-548, 1991.

SHIVA, Vandana. Monocultures of the mind: perspectives on biodiversity and biotechnology. London: Zed .....Books, 1993. 183p.

Data de Publicação: 13/06/2000

Autor(es): Richard Domingues Dulley Consulte outros textos deste autor
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