Café: Brasil Já Tem Seu Blue Mountain

Mercado do café em 2001

            As cotações do café nos diferentes mercados em 2001 continuaram com tendência de queda. No caso dos arábicas nos mercados de Nova Iorque (Arábica-NY2a, Arábica - OICBR) e BMF(Arábica - BMF) e no âmbito dos produtores paulistas (Arábica - PRSP), a redução média das cotações, entre janeiro e dezembro de 2001, alcançou 32,44%. Entretanto, o ritmo de aceleração desse declínio arrefeceu no segundo semestre do ano, contabilizando apenas 10,08%, sobretudo, porque nos últimos três meses do ano, ocorreu uma relativa estabilização nas cotações (gráfico 1).
            No caso do café robusta na Bolsa de Londres (Robusta-LO), a redução nas cotações ao longo do ano atingiu 38,36% e, no segundo semestre do mesmo ano, 24,64%, indicando forte tendência de queda das cotações para esse produto, embora também apresente relativa estabilização no último trimestre do ano (gráfico 1).

Gráfico 1 – Cotações do café verde em diferentes mercados em 2001

                                Fonte: Gazeta Mercantil

            As cotações encontram-se em patamar muito baixo, principalmente no caso do robusta que possui enorme excedente no mercado mundial. No caso de a oferta global (arábica e robusta) manter-se no próximo ano-safra, espera-se que os preços, ainda que instáveis, flutuem em torno das médias observadas no último trimestre de 2001. Maior recuperação das cotações somente ocorrerá a partir de 2003, quando se espera redução significativa de oferta, sinalizando ao mercado a chegada do momento de inversão de tendência para as atuais cotações. Ademais, a esses preços, além da ocorrência de fatores climáticos, inúmeros países iniciaram vigoroso processo de abandono e erradicação de lavouras (inclusive o Brasil), implicando em redução na área cultivada, com efeitos contracionistas sobre a produção nos próximos anos.

Descolamento do arábica: nova hipótese para a análise do mercado

            Desde 2000 até o presente, consagrou-se, entre os analistas da economia cafeeira, a tese de que a sobre-oferta de café robusta no mercado internacional deprimia o mercado do arábica, puxando para baixo suas cotações, ainda que a oferta deste se mantivesse em razoável equilíbrio. Todavia, alguns fenômenos observados no mercado de arábica brasileiro sustentam a hipótese de que teve início um processo de descolamento para os produtos de qualidade superior.
            Tanto a conquista de significativos ágios nas dezoito transações efetuadas no âmbito do concurso da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA – em inglês), em que se pagou em média US$ 390,00 pela saca de 60 quilos (o primeiro colocado recebeu mais de US$ 730,00/sc), como a ampliação do número de alianças com torrefadores (caso da filial brasileira da Illy Café que adquire mais de 120 mil sacas de arábica de bebida extrafina pagando em média R$ 200/sc) e com distribuidores internacionais (caso da aliança entre a Fazenda Ipanema e a Starbucks) legitimam a hipótese de que as cotações de arábicas de qualidade deverão descolar-se do produto commodity. Ademais, a profusão de cafés superiores e gourmet nas gôndolas dos supermercados, conquistando maior aceitação e visibilidade, fortaleceu ainda mais a possibilidade desse descolamento. Portanto, os cafeicultores que se mantiveram fiéis ao esforço de obtenção de cafés de qualidade serão reconhecidos e valorizados pelo mercado, enquanto aqueles que permanecerem ofertando cafés indiferenciados terão que aguardar cerca de dois anos para sentir a reação positiva nos preços recebidos.
            Pode-se argumentar que o mercado para arábicas finos é ainda muito pequeno, sendo os lotes negociados pouco representativos face à dimensão da oferta brasileira. De fato, não há como negar que diante do gigantismo dessa oferta os arábicas de qualidade representam pouco mais que um punhado de gotas em um oceano. Mas também é igualmente verdadeiro que tem havido novos e promissores clientes interessados em cafés finos, dispostos a reconhecer, por meio de melhores preços, os cafeicultores que ofertam produto de qualidade superior. Potencialmente, o incremento de clientes com essa demanda permitirá a ampliação do tamanho desse mercado que, em curto espaço de tempo, pode deixar de ser apenas um nicho.

Elevados ágios valorizam o café verde brasileiro

            Nesse concurso, foram selecionados 18 vencedores que receberam o prêmio Cup of Excellence. Um lote de 96 sacas, oriundo de uma propriedade situada em Paraisópolis , sul de Minas Gerais, conquistou o primeiro lugar, sendo arrematado, por meio de leilão eletrônico, pela Ueshima Corporation, principal torrefadora e distribuidora de café no mercado japonês.
            Esse concurso merece três destaques. O primeiro refere-se ao aspecto de agregação de valor às exportações, tema que se tornou recorrente na mídia especializada, devido à preocupação do governo brasileiro com o equilíbrio macroeconômico. O resultado do evento demonstra que é perfeitamente possível agregar valor ao produto, sem transformá-lo, ou seja, mesmo na forma de 'café verde', como é denominado o produto que não sofreu qualquer processo de transformação industrial. Isso ocorre porque existem mercados dispostos a pagar mais por um produto selecionado/diferenciado que atenda às suas exigências específicas. Trata-se de segmento representado por clientes de café, cujas preferências organolépticas coincidem com os padrões de qualidade estabelecidos pelos organizadores do concurso.
            Este alicerça-se no conceito de 'qualidade', cuja natureza é eminentemente relativa, ou seja, existem diferentes padrões de consumo que não necessariamente coincidem com os padrões estabelecidos pelo concurso. As diferenças na apreciação ou percepção de diversas bebidas de café podem ocorrer tanto no mercado interno quanto no externo. Sabe-se, por exemplo, que em algumas regiões do oriente médio preferem-se as bebidas tipo rio zona. Ainda que seja um assunto que mereça mais discussão, deve-se registrar que outros tipos de bebidas produzidas pelo Brasil deveriam merecer a oportunidade de participar de eventos similares, evidentemente com outro corpo de juízes, mais sintonizados aos gostos e preferências de outros mercados consumidores.
            O segundo ponto a ser considerado é a relação com o marketing dos Cafés do Brasil. Nesse aspecto, o resultado econômico não deve ser medido apenas pelo valor propriamente dito de venda dos lotes premiados, mas também pelo efeito multiplicador que pode exercer sobre toda a cafeicultura do País. Por isso, entendemos que essa iniciativa merece todo apoio do agronegócio café, desempenhando a administração pública inclusive o papel de financiador, se for caso, com o objetivo específico de consolidar definitivamente a imagem de que o Brasil dispõe não só de condições físicas apropriadas (solo e clima) como também de recursos humanos (empresários rurais) para produzir cafés que atendam às preferências de exigentes consumidores do mundo. Comparativamente às outra formas de se fazer o marketing (igualmente importantes), os concursos da BSCA, aparentemente, são de custo reduzido, mas de eficácia indiscutível, pois conseguem alcançar justamente os formadores de opinião (juizes internacionais) nesse setor de bebidas. Entretanto os resultados só devem aparecer a médio e longo prazos, ainda que o concurso mantenha sua periodicidade anual.
            Finalmente o terceiro ponto é relativo ao valor pago ao primeiro colocado (US$ 735,00/sc, ou R$1.727,00/sc calculados pelo taxa de câmbio do dólar, R$ 2,35). Embora o concurso tenha todo o mérito por agregar valor ao produto do Brasil, equivoca-se quem pensa que o lote vá atender algum cliente disposto a pagar esse preço pelo produto. Ainda que desconheçamos o destino dos demais lotes leiloados, sendo possível admitir-se que componham blends especiais para o atendimento de demandas específicas, no caso do primeiro colocado, o produto foi direcionado para uma estratégia de marketing da própria indústria compradora (confecção de brindes e/ou para ser servido em eventos específicos no exterior: feiras, simpósios etc.) que contassem com a presença da arrematante. Isso, entretanto, não desmerece ou invalida o resultado do concurso. Pelo contrário, trata-se de uma reafirmação de que a nossa produção diferenciada permite o preparo de excelentes e memoráveis xícaras de café.

Perspectivas para 2002

            Segundo os novos resultados, divulgados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) sobre a produção mundial de café em 2001/02, o volume foi de 115,7 milhões de sacas de café, número esse 1,5% inferior à produção alcançada no ano 2000/01 (117,5 milhões de sacas). Os números apontados para Brasil, Vietnã e Colômbia, os três maiores produtores mundiais, foram de 33,7 milhões, 13,3 milhões e 11,0 milhões de sacas, respectivamente. Ainda de acordo com o USDA, o consumo mundial correspondente ao mesmo período teria sido 111 milhões de sacas.
            Com relação à produção global, aparentemente, os dados mostram-se consistentes, embora possam ser feitas ressalvas quanto à produção desse ou daquele país, como parece ser o caso do Brasil, por exemplo. Segundo a CONAB, a produção brasileira em 2001 foi de 28 milhões de sacas, correspondendo, portanto, a uma diferença de 5,7 milhões de sacas em relação à estimativa estadunidense. A divulgação dessa diferença prejudica bastante o funcionamento do mercado, sobretudo por se tratar de produto de demanda inelástica. Há estudos mostrando que esses números díspares poderiam levar a uma diferença de preços de quase US$ 20 por saca.
            As perspectivas para o mercado em 2002 não são favoráveis aos cafeicultores, pois é bem possível que será o período em que se produzirá a maior safra mundial sob ciclo de preços baixos, significando, portanto, que as cotações poderão continuar deprimidas. Só o Brasil, segundo a estimativa da CONAB, produzirá de 10 a 12 milhões de sacas a mais em relação à produção de 2001, volume esse que dificilmente poderá ser compensado pela anunciada redução da produção em outros países (caso do Vietnã). Na Colômbia, poderá até repetir-se a mesma produção de 2001, apesar das dificuldades internas por que passa o país, dificuldades essas que, aliadas a outras medidas desenhadas para a sua política de café, poderão afetar sua estrutura produtiva desse setor.
            Em 2001, o Brasil, bateu recorde histórico nas exportações de café (verde, solúvel e torrado), recuperando o terreno perdido no mercado internacional após o fracasso do plano de retenção das exportações, que operou no período de junho de 2000 a maio de 2001. Os embarques atingiram 23,38 milhões de sacas, o maior nível nos últimos 15 anos, fazendo com que o Brasil respondesse por 25,60% das exportações internacionais, superior aos 20,70% verificados em 2000. O aumento das exportações em 30% acentuou a tendência de redução dos preços internacionais, uma vez que a demanda internacional se manteve estável. Assim, a receita das exportações brasileiras de café reduziu-se em 20%, para US$ 1,43 bilhão.
            Para o ano 2002, a expectativa do setor é de continuidade na agressividade dos embarques brasileiros, em função da maior safra nos últimos 15 anos a ser colhida e da taxa de câmbio que deverá continuar favorável.


Data de Publicação: 23/01/2002

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor