Inovações institucionais e a pesquisa pública para a agricultura

            Ao contrário do pensamento comum à maioria das pessoas, as instituições de pesquisa científicas e tecnológicas (IPCTs) para a agricultura não desenvolvem apenas artefatos tecnológicos ou novas técnicas. Busca-se, também, resolver problemas da comercialização e dos efeitos do crescimento econômico que são de ordem privada, de regulação e de política pública.
            Outro papel, muitas vezes ignorado, mas propulsor dos grandes ciclos de inovação, é o de formar ideologias modernizadoras que sustentem processos de investimento, criação e adoção de inovações. Portanto, um processo de criação de demanda por inovação.
            Além disso, a recomendação de mudanças institucionais, por meio de normas públicas e privadas, responde por grande parte do ganho de eficiência deste setor, pois determina a forma como as transações se organizam e são reguladas nos agronegócios. A forma como as transações ocorrem, e sua regulação dentro e fora das organizações, é uma das linhas de pesquisa mais prolíficas da ciência econômica, cujo grau de formalização matemática já avançado permite obter modelos robustos e resultados muito mais aplicados e com impacto mais direto sobre o bem estar social.
            No caso da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), o maior grupo de pesquisadores, empenhados em buscar soluções para diversos entraves institucionais e econômicos, está lotado no Instituto de Economia Agrícola (IEA). Este grupo trabalha com parcerias dentro e fora da APTA, criando ampla rede de competências e canais de aplicação dos resultados alcançados1.
            As vantagens competitivas associadas à estrutura do IEA, nesse sentido, são diversas em todo o seu processo produtivo. Primeiro, apresenta capacidade de entendimento dos problemas do setor, dada sua ampla inserção interdisciplinar em diversos segmentos da sociedade. Segundo, dispõe de ágil estrutura operacional de levantamento de dados para diagnóstico. Terceiro, tem capacidade de elaboração de hipóteses testáveis para que seu diagnóstico esteja aberto à refutação. Quarto, constrói modelos para se testar hipóteses com base em sofisticadas técnicas de programação e argumentos econométricos. Quinto, os resultado produzem grandes possibilidades de aplicação com impacto direto na sociedade e com ampla divulgação.
            É importante entender que as soluções alcançadas pela pesquisa para agricultura ocorrem tanto com base em tecnologia quanto com base em política pública ou gestão de agronegócios. Ambos produtos são mensuráveis, aplicáveis e apropriáveis e devem ser avaliados.
            Mas o principal argumento é que a consistência analítica da economia aplicada à agricultura se mostra cada vez mais fundamental. A inovação passa a ser precedida pelo papel da pesquisa em consolidar uma ideologia transformadora que possibilite legitimar e catalizar investimentos para a ciência, tecnologia e inovação (CT&I), bem como desenvolvê-la com redes de relacionamentos e propiciar a incorporação dos resultados.
            Portanto, há um equívoco comum de inversão causal ao se afirmar, taxativamente, que a inovação produz desenvolvimento, quando se observa estaticamente a relação entre investimentos em P&D em proporção ao PIB e o grau de industrialização dos países. Na verdade, o desenvolvimento institucional produz recursos para a inovação tecnológica e o crescimento econômico. Afinal, são as transformações econômicas que movem a história, já dizia o maior dos filósofos alemães.
            Colocar a inovação como predecessora do desenvolvimento significa colocar a dialética de ponta-cabeça em termos de relações causais. Essa percepção nem sempre é obtida pelas análises tradicionais do progresso técnico. Afinal, quando se fala que as instituições de pesquisa devem atender a demanda tecnológica dos segmentos produtivos, o que se está dizendo em boa análise econômica é que há manifestação de dada preferência do consumidor. Portanto, já se formou o consumidor de inovações que passa a demandar certo tipo de conhecimento aplicável. Daí surgem estudos que irão responder a essas demandas. Logo, a formação da ideologia modernizadora precede a inovação.
            Foi assim em São Paulo e no Brasil, pois todo o processo de modernização agropecuária se deu após terem sido cunhadas e internalizadas as idéias de desenvolvimento econômico e progresso técnico nos anos 1940, com base no esforço do criador do IEA, Ruy Muller Paiva. A modernidade estrutural brasileira emerge com base na criação da economia aplicada pelos esforços pioneiros de Eugênio Gudin, também contemporâneo da década de 1940. Naquela época, em 1942, a principal instituição de pesquisa agropecuária, como as demais instituições paulistas do gênero, havia sido quase extinta nas suas funções científicas autônomas, passando a compor um grande departamento junto com a extensão rural (à época, fomento agrícola).
            Os estudos e análises econômicas da agricultura estadual por parte da estrutura precursora do atual IEA (criada em 09/09/1942) permitiram formar um quadro de compreensão das principais questões do desenvolvimento da agricultura, ao formular um escopo de políticas modernizadoras da agropecuária com o uso intensivo de insumos e, por conseguinte, de sementes selecionadas no bojo da ideologia da revolução verde. Isto viria sustentar a reforma recriadora do Instituto Agronômico em 1954, numa estratégia, cuja prerrogativa era a criação de demanda por insumos modernos para a internalização da indústria.
            Esse processo, no seu início aplicado na agricultura paulista, ganhou dimensão nacional a partir da metade dos anos 1960 quando foi criado o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e viveu seu apogeu com a implementação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) na década de 1970. Não sem razão, a transformação do Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária (DNPEA) na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) deu-se em 1973. Verifica-se assim a relação causal, uma vez que foi a estratégia de desenvolvimento econômico que forjou as instituições necessárias à sua implementação e não o contrário.
            A explosão de produtividade manifestada na agropecuária brasileira na metade dos anos 1960 em diante, com o SNCR, incorpora ensinamentos dos estudos da economia aplicada à agricultura de décadas anteriores. As idéias de 'crédito facilitado' e 'preços remuneradores' são importantes contribuições de Ruy Muller Paiva e equipe, que, inclusive, participaram ativamente de projetos estratégicos para a modernização setorial. Exemplo é a concepção do projeto que levou à construção do Entreposto Terminal São Paulo, da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo, inaugurado em 1966.
            Os fatos históricos mostram, portanto, que a pesquisa em economia aplicada à agricultura, na busca de novos conhecimentos e inovações, constrói as condições em que são formados o perfil e o tamanho da demanda por inovações. Daí seu papel de ser considerada essencial para o delineamento de políticas públicas de desenvolvimento científico e tecnológico da agricultura.
            Enquanto ramo da ciência que foca o desenvolvimento, está na alça da análise da economia aplicada à agricultura a verificação da consistência das instituições de pesquisa científicas e tecnológicas e de suas programações, de maneira a conduzi-las para que internalizem conhecimentos gerenciais e programáticos que produzam inovações que transformem a realidade. Noutras palavras, conhecer a demanda por inovações e avaliar a resposta dos IPCTs aos atributos dessa demanda requer uma visão econômica consistente do processo de mudanças no qual se pretende atuar.
            O conhecimento aplicável em inovações está um estágio além da tradicional análise de retrovisor de avaliação de impactos a posteriori. O processo inovativo implica no papel dos IPCTs de dar existência a um vetor da mudança, na forma de novo conhecimento, resultante da pesquisa e das condições que facultem o acesso a esse vetor por parte dos agentes produtivos.
            Não há mais espaço para a idéia de geração espontânea em inovações tecnológicas e gerenciais. A existência de uma nova variedade para dada lavoura com elementos quantitativos de produtividade e qualidade não garante que esses benefícios venham um dia a ser apropriados pelos agropecuaristas e pela sociedade.
            Numa realidade em que a lógica financeira permeia toda a cadeia de produção agropecuária, a inserção desse conhecimento nos sistemas de produção, mais que a multiplicação biológica dessa nova variedade, exige que sejam criadas as condições de multiplicação econômica que o torne acessível ao empreendedor rural. Este não compara mais apenas diferenciais de produtividade física e de ganhos de qualidade. Pensa em quanto custa o acesso a essa inovação, sendo fundamental na determinação desse processo o padrão de financiamento que garante ao agropecuarista a compra da semente selecionada.
            Esta é a razão para a frustração de inúmeras equipes de melhoristas da pesquisa pública que vêem ampliado o uso de material privado, boa parte dele importado, cujos meios de comercialização permitem financiamentos mais vantajosos ao produtor. Isto, a despeito de enorme esforço em testes de campo e em divulgação em que patente a superioridade do material genético que produziram.
            A explicação econômica para tal ocorrência é que, numa agropecuária inserida na lógica financeira, o padrão de financiamento que lastreia a compra de insumos como sementes selecionadas é a emissão de Cédulas de Produto Rural (CPR) ou venda prazo safra. Assim, são superados os velhos mecanismos em que bastava a disponibilidade de oferta abundante do novo material.
            As empresas de insumos, em especial nas cadeias de produção de commodities, organizaram sistemas comerciais em que, mais que vender insumos, 'vendem financiamento' e muitas delas combinam estruturas de oferta de agroquímicos e sementes. Os agropecuaristas, ao contrário da década de 1970 quando a semente pública avançou com o crédito rural subsidiado, não mais fazem contrato de financiamento em banco público (como o Banco do Brasil) para adquirir a 'melhor semente'. Agora, comparam ofertas de condições financeiras de algumas firmas (prazos e custos) e fecham contrato com elas, no qual está embutida a semente junto com outros insumos.
            A estrutura pública de pesquisa científica e tecnológica não tem como ofertar financiamento e nem desenvolveu mecanismos eficientes (como franquias e outros instrumentos) para estruturar canais de comercialização. Mesmo até que consigam bom desempenho em contratos de replicação de material genético para que seus materiais pudessem ser utilizados em larga escala.
            Daí a perda de participação no mercado de sementes das commodities agropecuárias de ciclo anual dos materiais genéticos públicos. Em função disso, avaliar os impactos de dada tecnologia mostra-se uma temática mais complexa que os velhos modelos de taxas de retorno e de mensuração de custo/benefício podem dar conta.
            Na situação atual, materiais excepcionais podem conseguir baixa taxa de adoção e retornos econômicos ínfimos exatamente pela não-compreensão por parte dos IPCTs da complexidade contemporânea do 'mercado tecnológico'. Isto implica em mudanças nos parâmetros de avaliação, não apenas da programação como também do desempenho das instituições de pesquisa científica e tecnológica focadas na agricultura.
            O princípio central de sistemas de avaliação é que esse mecanismo deve possibilitar o aprendizado e mudança numa instituição de pesquisa. Além disso, deve possibilitar entender porque muitas das recomendações da pesquisa não têm correspondente incorporação.
            Entretanto, deve-se tomar o cuidado de delimitar claramente o objeto a ser avaliado, os critérios de avaliação, sua abrangência, para que a alocação de recursos seja reflexo do seu potencial de retorno social. Porém, a ausência de um mecanismo desse tipo não seria mais desejável do ponto de vista da prestação de contas e transparência à sociedade, além do aspecto gerencial. Somado a esses pontos, constitui-se numa ferramenta imprescindível ao pesquisador preocupado em inserir-se num processo de inovação tecnológica ou institucional. Com a possibilidade de correção de rumos, o impacto do seu investimento em capacidade intelectual seria mais bem valorado, assim como mais evidente ficaria o seu papel na sociedade2.
            A demanda por mudança institucional nem sempre tem sua face clara e evidente, da mesma forma como problemas produtivos nem sempre estão clamando claramente ao pesquisador. É necessário diagnosticar ineficiências, a partir dos resultados indesejáveis do setor, aparentes, observados ou previstos. Esse diagnóstico deve buscar mostrar o tamanho da ineficiência causada por uma determinada configuração institucional.
            Muitas vezes, investigar um problema institucional envolve criar novas formas de observar a dinâmica do setor. As formas básicas de organização das transações utilizadas como unidade de análise, muitas vezes, já não dão conta de explicar as ineficiências, dada a complexidade crescente do setor em função de novas formas de organização financeira, operacional, logística, de consumo, de comércio exterior, de movimentos sociais, dos atributos tecnológicos e de aspectos culturais. Nesse aspecto, é imprescindível a capacidade intelectual interdisciplinar do pesquisador para o entendimento recriador da demanda por inovação institucional.3 
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1 A pesquisa no IEA é eminentemente aplicada, focada em problemas reais, de urgente resolução. Portanto, além das publicações dos pesquisadores que fazem parte do seu sistema competitivo de avaliação individual, há outras formas de transferência e aplicação do conhecimento, como palestras, cursos e pareceres demandados tanto por órgãos governamentais quanto pela sociedade em geral. 
2 No IEA/APTA, há um grupo de pesquisadores cuja linha de pesquisa é a Gestão de Pesquisa e Desenvolvimento e de Processos Inovativos. Diversas metodologias e ferramentas estão sendo buscadas para oferecer suporte à avaliação de inovações tanto de ordem institucional quanto tecnológica, em que participam os programas de pesquisa, tecnologias e serviços da APTA.
3 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-50/2006.

Data de Publicação: 02/06/2006

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor