O El Niño E A Safra De Feijão Da Seca 2002/03 No Estado De São Paulo

            O El Niño 2002/03 foi anunciado em julho de 2002. Quais foram, até o presente momento, os seus efeitos sobre o mercado brasileiro de feijão e quais serão esses efeitos para os próximos meses em 2003? Segundo CLIMATE (2003a), as condições de anomalia de temperatura na superfície do mar (SSTA) do Pacífico tropical, uma das principais variáveis para caracterizar a ocorrência do El Niño-Oscilação Sul (ENOS), continuaram em dezembro de 2002, com +1°C ao longo da maioria do Pacífico e +2°C em vários locais entre 175°W e 100°W (figura 1).

Figura 1

            Entre outubro e dezembro de 2002, em grande parte do território brasileiro, exceto na região sul, choveu menos que o normal, com a anomalia de precipitação variando entre -75 e -225 mm. Já no sul choveu até +300 mm acima da média histórica nesse período, conforme os dados do CLIMATE (2003b) (figura 2). Este fato explica em grande parte os problemas ocorridos com a primeira safra de feijão 2002/03 no território nacional, que teve atraso no plantio em várias regiões, bem como problemas de colheita, principalmente no sul do País, com a conseqüente elevação nos níveis de preços na segunda quinzena de novembro, época em que normalmente ocorre queda nos preços com o aumento da quantidade ofertada.

Figura 2 - Anomalous precipitation (mm) for October-December 2002. Analysis is made by merging raingauge observations and satellite-derived precipitation estimates

            O atraso no plantio, ao lado de quebra na produção e perspectivas de menor oferta a médio prazo, ditou, portanto, os níveis elevados de preços de equilíbrio no mercado, mesmo em dezembro e janeiro. Entre 02/08/02 e 17/01/03, os preços recebidos pelos produtores paulistas apresentaram média excepcional de R$82,63 por saca de 60 quilos (figura 3).

            A Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)1, com base no último levantamento de campo, estima o plantio de 1,4 milhão de hectares na primeira safra de feijão 2002/03, com queda de 0,5% em relação à safra anterior, e produção de 1,3 milhão de toneladas , com queda de 1.2% (tabela 1). A estimativa de queda na produtividade de apenas 0,8% poderá ser revista em função das anomalias climáticas já ocorridas até o final de 2002.

TABELA  1- Comparativo de Área, Produção e Protuvidade da Cultura de Feijão, Primeira  Safra, por Região, Brasil, 2001/02 e 2002/03

Estados e Região  Área (em mil ha)  Produção (em mil t)  Produtividade (kg/ha) 
2001/02  2002/03  Var (%)  2001/02  2002/03  Var (%)  2001/02  2002/03  Var (%) 
Tocantins  2,7 2,7 1,4 1,4 500,0 500,0
Norte  2,7 2,7 1,4 1,4 519,0 519,0
Bahia  406,0 385,7 -5,0 169,7 212,1 25,0 418,0 550,0 31,6
Nordeste  406,0 385,7 -5,0 169,7 212,1 25,0 418,0 550,0 31,6
Paraná  390,8 414,2 6,0 453,3 455,6 0,5 1.160,0 1.100,0 -5,2
Santa Catarina  115,4 106,2 -8,0 117,7 106,2 -9,8 1.020,0 1.000,0 -2,0
Rio Grabde do Sul  124,4 131,9 6,0 114,4 121,3 6,0 920,0 920,0
Sul  630,6 652,3 3,4 685,4 683,1 -0,3 1.087,0 1.047,0 -3,7
Minas Gerais  219,3 222,4 1,4 218,2 206,8 -5,2 995,0 930,0 -6,5
Espírito Santo  12,1 12,1 9,0 9,0 740,0 740,0
Rio de Janeiro  2,9 2,9 2,2 2,2 760,0 760,0
São Paulo  85,0 72,3 -15,0 117,3 65,2 -44,4 1.380,0 902,0 -34,6
Sudeste  319,3 309,7 -3,0 346,7 283,2 -18,3 1.086,0 914,0 -15,8
Mato Grosso  3,9 3,9 4,3 4,3 1.100,0 1.100,0
Mato Grosso do Sul  2,9 1,5 -50,0 2,8 1,5 -46,4 980,0 980,0
Goías  42,8 45,7 6,7 73,6 82,3 11,8 1.720,0 1.800,0 4,7
Distrito Federal  9,1 9,1 19,1 19,1 2.100,0 2.100,0
Centro Oeste  58,7 60,2 2,6 99,8 107,2 7,4 1.700,0 1.781,0 4,8
Norte/Nordeste  408,7 388,4 -5,0 171,1 213,5 24,8 419,0 550,0 31,3
Centro/Sul  1.008,6 1.022,2 1,3 1.131,9 1.073,5 -5,2 1.122,0 1.050,0 -6,4
Brasil  1.417,3 1.410,6 -0,5 1.303,0 1.287,0 -1,2 919,0 912,0 -0,8
Fonte:  Companha Nacional de Abastecimento  (CONAB).

            Os preços médios mensais recebidos pelos produtores de feijão do Estado de São Paulo, no período de 1996-2002, tiveram grande oscilação, com destaque para os preços acima da média entre abril de 1998 e março de 1999, correlacionados à ocorrência do El Niño 1997-98, considerado o maior do século XX em termos de SSTA por ALSHEIMER & MORALES (2001). A partir de junho de 2002, os níveis de preços passaram a ser novamente muito favoráveis aos produtores, chegando a R$100,95/sc. em dezembro de 2002 (figura 4).

            Os impactos globais esperados do atual El Niño, segundo CLIMATE (2003c), são: 1) continuidade da seca acima da média sobre a maior parte da Indonésia, Micronésia e norte/nordeste da Austrália durante os próximos três meses; 2) seca acima da média sobre o sudeste da África durante janeiro a março de 2003; 3) seca acima da média sobre o nordeste do Brasil e o norte da América do Sul durante janeiro a abril de 2003; e 4) chuvas acima da média sobre regiões costeiras do Equador e norte do Peru entre fevereiro e abril de 2003.
            O El Niño 2002/03 foi caracterizado como um episódio fraco até o presente momento pelos especialistas. Apesar disso, os impactos globais já manifestados até o momento, assim como os esperados para os próximos quatro meses, enquadram-se dentro dos padrões típicos da ocorrência de El Niño que são estiagem no nordeste brasileiro no verão e excesso de chuvas no norte do Peru, etc. O aquecimento (ou esfriamento) anormal nas águas superficiais (ou profundas) dos oceanos ocorre globalmente, não sendo o Oceano Pacífico uma exceção. A diferença está na extensão deste, a maior de todas, que permite que as anomalias ocorridas permaneçam por um longo período, potencializando os impactos globais, segundo os especialistas. Desse modo, tanto o aquecimento como o esfriamento das águas é muito lento, merecendo portanto o acompanhamento em tempo real da evolução de suas variáveis.
            Diante desse panorama, os produtores de feijão do Estado de São Paulo, que historicamente são beneficiados pela ocorrência do El Niño, em termos de mercado, conforme estudos do Instituto de Economia Agrícola (IEA), se sentirão estimulados a aumentar significativamente sua área em cerca de 15%. Os atuais níveis de preços, em vários segmentos do mercado, já seriam suficientes para dar entusiasmo aos produtores.
 
 

1 http://www.conab.gov.br

Literatura citada

ALSHEIMER, F; MORALES, R. El Niño and La Niña: general information effects on west and southwest Florida. Disponível em: http://www.marine.usf.edu/nws/elnino. Acesso em: 9 abr. 2001.

CLIMATE PREDICTION CENTER. Forecast Forum – December 2002. Disponível em: http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis_monitoring/bulletin/figt18.gif. Acesso em: 22 jan. 2003a.

CLIMATE PREDICTION CENTER. El Niño/Southern Oscillation (ENSO) Diagnostic Discussion. Disponível em: http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis_monitoring/enso_advisory/advfig3.gif. Acesso em: 22 jan. 2003b.

CLIMATE PREDICTION CENTER. El Niño/Southern Oscillation (ENSO) Diagnostic Discussion. Disponível em: http://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/analysis_monitoring/enso_advisory/. Acesso em: 24 jan. 2003c.
 

 

Data de Publicação: 29/01/2003

Autor(es): Ikuyo Kiyuna Consulte outros textos deste autor
Humberto Sebastiao Alves (hsalves@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Consulte outros textos deste autor