Utilização E Conservação Dos Fragmentos Do Cerrado No Estado De São Paulo

            O cerrado é o segundo bioma brasileiro em extensão, abrangendo mais de 200 milhões de hectares e ocupando cerca de 23% do território nacional. Está concentrado na região do Planalto Central e tem poucas unidades de conservação, com destaque para o Parque Nacional Grande Sertão Veredas (84.000 hectares), o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães (33.000 ha), o Parque Nacional da Serra da Canastra (71.525 ha), o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (60.000 ha) e o Parque Nacional de Brasília (28.000 ha). Do total da sua área de domínio, 45% já foram convertidos em pastagens cultivadas e lavouras diversas1.
            É um ecossistema muito rico e sua biodiversidade compara-se com a da floresta amazônica, apresentando fisionomia e composição florísticas variáveis: a campestre, as savânicas e a floresta2. Suas árvores características apresentam porte pequeno, casca grossa e troncos retorcidos, estabelecidas sobre gramínias diversas. Tem grande capacidade de regeneração após queimadas, naturais ou não, encontrando-se 53% da biomassa (quantidade de matéria vegetal viva) do ecossistema em até um metro de profundidade, onde estão parte das raízes.
            É conhecido o grande numero de espécies com potencial de uso econômico, não apenas para alimentação (mais de 80 espécies) como também para uso na área medicinal.
            Considerado um ecossistema de menor importância no passado, sua erradicação foi vista como mais interessante do que sua conservação. Com o avanço da tecnologia agrícola, tornou-se possível retirar grandes e repetidas colheitas desses solos, alterando profundamente sua paisagem. Apesar da baixa fertilidade dos solos onde se desenvolve, o que requer investimentos em adubação, a proximidade dos centros consumidores e a topografia plana predominante nessas áreas facilitam a sua mecanização, compensando a ocupação3. Estimulado pelas políticas públicas das décadas de 1950 a 1980, direcionadas à integração à economia estadual, esse ecossistema natural foi substituído por ecossistemas cultivados representados por atividades rentáveis como a da soja e a da pecuária, tornando-se uma grande fronteira agrícola do país. Essa condição o coloca em situação de risco permanente, diante das necessidades de aumentar a produção de carne e grãos-commodities.
            No entanto, com a perda da biodiversidade cada vez maior nos últimos anos e a ocupação desse bioma por diversas atividades econômicas, as áreas do cerrado passaram a fazer parte das preocupações ambientais, sendo incluídas entre os ecossistemas naturais mais ameaçados. Neste sentido, desde a década de 90, o Instituto de Desenvolvimento Biodinâmico (IBD), tem desenvolvido experimentos de manejo sustentável do cerrado.
            Em São Paulo, existem ainda alguns estudos nos municípios de Mogi-Guaçu, Itirapina, Pirassununga, Araraquara, São Carlos, Rifaina, Ribeirão Preto, Mogi-Mirim, Campinas, Botucatu, Corumbataí, Rio Claro e Batatais, ou seja, na região centro-oriental do Estado, no que se refere aos compostos químicos das espécies nativas com potencial econômico.
            As formações naturais de cerrado concentram-se principalmente no interior paulista e se distribuem fragmentariamente, convivendo com áreas intensamente modificadas pela ocupação humana. Essa fragmentação característica no nosso Estado4 dificulta a viabilização de uma exploração comercial racional de essências nativas, dada a pequena escala que impede um volume de produção/extração que justifique uma atividade econômica rentável, diferentemente do que ocorre em outros estados.
            O cerrado está localizado principalmente na região centro-norte do Estado de São Paulo, interrompido por outras formações vegetais, como nas proximidades de Campinas, Ribeirão Preto, Franca e Altinópolis. Em estudo que tem servido de referencial sobre o uso do solo, de 1962 a 1984, realizado por Serra Filho5 , foram localizadas as principais atividades desenvolvidas nessas áreas de cerrado do Estado:

    • Franca, Araraquara, Ribeirão Preto e São Carlos: pasto, cana, reflorestamento, culturas temporárias e citros;
    • Jales, Fernandópolis e Votuporanga: pasto e culturas temporárias;
    • Assis, Ourinhos e Marília: pasto, culturas temporárias e cana
    • Araçatuba: pasto e cana
    • Pirassununga e Leme: cana, citros e reflorestamento;
    • Baurú: pasto, cana e reflorestamento;
    • Botucatu: reflorestamento e cana.
            Da vegetação dos cerrados que originalmente cobriam o território paulista (14%), resta apenas 1% espalhado em inúmeros fragmentos. Menos de 10% dessa vegetação estão inseridos nas unidades de conservação estaduais e o restante se localiza em propriedades rurais particulares, em processo de conservação espontânea, fato que fragiliza a situação dos remanescentes.
            Com base nos processos de pedidos de autorização de supressão de vegetação encaminhados ao Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DEPRN), da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SMA), no período de 1996 a 2001, constatou-se6 que foram analisados 128 pedidos de supressão da vegetação do cerrado, vindos de Barretos, Rio Claro, Presidente Prudente, Sorocaba, Botucatu, Franca, Avaré, São João da Boa vista, Ribeirão Preto, Baurú, São Carlos e São José do Rio Preto. A primeira finalidade dos pedidos de supressão da vegetação é a atividade da pecuária, seguida dos loteamentos urbanos ou rurais. Depois da pecuária, que totalizou 4.148 hectares (39% da área total), a cultura de citrus (com 2.417há) foi a finalidade que requereu maior área de supressão. Atividades agrícolas como a cana-de-açúcar e a soja mostraram participação mais discreta. Dos processos analisados, 63% (uma percentagem significativa) obtiveram parecer favorável para a supressão.
            A substituição do cerrado, principalmente por pastagens, acarreta fortes impactos sociais e ambientais, reduzindo a biodiversidade - promovendo o predomínio da agricultura moderna fundada nas monoculturas, compactando, erodindo o solo e poluindo os recursos hídricos. Além destes impactos ambientais, acrescente-se a substituição desse bioma por áreas de expansão urbana, acompanhando o processo de interiorização do desenvolvimento - complexos agroindustriais e pólos petroquímicos e de tecnologia de ponta que promovem uma forte pressão demográfica. Incluem-se nessa modalidade os assentamentos de reforma agrária, que, necessários, requerem planejamento complexo e políticas públicas bem direcionadas.
            Em evento realizado em outubro de 2002, abordando o tema 'Conservação e desenvolvimento sustentado nos fragmentos de Cerrado do Estado de São Paulo ' - Programa BIOTA/FAPESP, reuniram-se técnicos e cientistas com o intuito de agregar e debater novas informações sobre os remanescentes do cerrado paulista que possibilitem a definição de diretrizes relativas a mecanismos de conservação desse ecossistema natural, principalmente nas propriedades particulares.
            Uma das posições defendidas durante esse evento enfatizou: a) a necessidade do conhecimento da realidade regional a partir do contato com as lideranças locais, formais e informais, agentes econômico-institucionais e os agricultores; e b) a compreensão da dinâmica atual do desenvolvimento e das dificuldades encontradas na produção agrícola, em particular na produção e reprodução dos agricultores de base familiar e assentados. Isto porque foi constatado que, em determinados segmentos de agricultores e comunidades rurais locais, pouco ou nenhum conhecimento existe sobre o emprego das espécies do cerrado, tanto quanto sobre as possibilidades de exploração econômica de algumas delas. O cerrado é 'normalmente visto como um 'mato' e por isso objeto de pedidos de autorização para o desmatamento'
            O documento resultante das discussões e das trocas de informações contém propostas que contemplam as seguintes ações:
  • levantamento das pesquisas que existem sobre as plantas de cerrado; a ecofisiologia dessas plantas e possíveis formas de obtenção dos seus produtos;
  • indicadores de conservação e degradação e estado de conservação, tamanho e a florística para avaliação da potencialidade econômica;
  • interação dos novos produtos com as espécies nativas e possibilidades de absorção do mercado para esses produtos.
  • ações governamentais cabíveis em prol da conservação e melhoria das atuais condições.
            Esse documento constituirá importante instrumento para a orientação das políticas públicas destinadas a preservar os fragmentos do cerrado no Estado de São Paulo.
 
 
1 COUTINHO, L. M.,   O conceito de cerrado   Revista Brasil Botânico  São Paulo, 1:17-24,  1978
2 TOLEDO FILHO, D. V.,   Composição Florística e Estrutura Fitissociológica da Vegetação de Cerrado no Município de Luiz Antonio (SP).  Dissert. Mestrado.  Campinas   UNICAMP, 1984 173p. 
3 CARMO, M. S. e COMITRE, V.   Estudos sócio-econômicos: tipologia dos agricultores e adequação das políticas públicas na conservação dos remanescentes de cerrado de domínio privado no Estado de São Paulo. Mimeo, 2002).
4 Serra Filho citado em SÃO PAULO.  SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE  Cerrado: bases para conservação e uso sustentável das áreas de cerrado do estado de São Paulo   São Paulo   Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 1997   serie PROBIO/SP   113p.
5 MENDONÇA, R. R., FORESTO, E. B.,  Caracterização dos pedidos de supressão da vegetação de cerrado no Estado de São Paulo, mimeo  2002.

 

Data de Publicação: 05/02/2003

Autor(es): Nilce da Penha Migueles Panzutti (panzutti@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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