Governo Federal Retorna À Política De Compra De Café

Política cafeeira – comentários sobre as mudanças na política setorial

            Após reunião, no início de julho de 2002, das lideranças do Conselho Nacional do Café (CNC) com o presidente da República, acompanhadas do ministro da Agricultura e de deputados federais vinculados à cafeicultura, foi aprovado um conjunto de decisões, que muda a política setorial até então em execução. Na verdade, em maio de 2000, pressionado por algumas lideranças, o governo lançou o frustrado programa de retenção das exportações, gerando prejuízos estimados em mais de US$ 400 milhões para o agronegócio brasileiro.
            Superado o equívoco da retenção, sucede-se uma forte expansão da oferta do produto resultante dos enormes investimentos em plantio e modernização do setor, ocorridos no período de 1994 a 1999, associada ao crescimento dos estoques do café em mãos dos países importadores. Inicia-se, assim, forte pressão do setor visando contornar a crise enfrentada via renegociação das dívidas e novos créditos para colheita e estocagem, amparadas em novas intervenções governamentais no mercado do produto.
            Inicialmente, o governo propôs recursos para a pré-comercialização, que poderiam ser transformados em crédito de estocagem e novos créditos para estocagem por até 180 dias, com o objetivo de retirar no curto prazo do mercado cerca de 6 milhões de sacas. Essas propostas enfrentaram várias dificuldades para ser implementadas, referentes à garantia do financiamento e da armazenagem em depósitos de terceiros, que avalizassem o crédito do agente financeiro.
            No final de julho de 2002, o governo federal decidiu pelo alongamento da dívida por 12 anos dos financiamentos efetuados a partir de 23 de junho de 2001. Do total de R$ 70 milhões de financiamento tomados pelos produtores, R$ 30 milhões foram liberados antes dessa data, beneficiados pelo alongamento da dívida negociada em outubro de 2001. Assim, os R$ 40 milhões tomados após 23/06/2001 não tinham sido beneficiados com o alongamento das dívidas, o que passa a ocorrer agora, dando isonomia no tratamento dos créditos desses produtores.
            Todavia, nos momentos de crise, os produtores não se esquecem da antiga política promovida pelo extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), que regulamentava todo o setor, comprava o produto, administrava cotas de exportação e emitia diferentes tipos de certificados comerciais e financeiros. Assim, no pico da colheita da safra atual e sem perspectiva de recuperação nas cotações internacionais a curto prazo, mesmo que beneficiado por uma desvalorização do real da ordem de 48% acumulada até o final de julho, o setor voltou a exercer forte pressão para que o governo implementasse alguma forma de intervenção no mercado do físico de café, com o objetivo de aliviar a oferta crescente para os exportadores, o que manteria a tendência de preços baixos. Associado a isto vieram se somar as reivindicações dos exportadores afetados pela crise internacional de credibilidade e pela redução dos financiamentos às exportações.
            Neste cenário, as autoridades brasileiras acabaram decidindo por implementar o mercado de opções para o café, com a finalidade de estimular a recuperação dos preços nos próximos sete meses. Assim, decidiu-se pelo lançamento de contratos de opção de venda de café, safra 2001/02, por intermédio da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB). Anunciou-se que os recursos destinados a essa operação atingiriam o montante de R$765 milhões, suficiente para a aquisição de aproximadamente 6 milhões de sacas. E fixaram-se os preços mínimos para arábica e robusta, respectivamente de R$ 130,00 e R$ 77,00 para vencimento em dezembro, e de R$ 135,00 e 80,00 para março. Caso tais patamares de preços não sejam alcançados, o produto seria entregue à CONAB, em concordância com o preço de opção a vencer nos meses de dezembro de 2002 e março de 2003.
            O mercado de opções é um mecanismo financeiro moderno e eficiente de comercialização de produtos agropecuários, permitindo razoável segurança ao produtor sobre a rentabilidade que poderá obter, pois trata-se de uma garantia de preço. Tal mecanismo deve de fato ser incentivado e melhor difundido junto aos produtores. Todavia, concomitantemente ao incentivo de maior uso desse contrato financeiro para o café, o governo deveria estabelecer também as regras para a desova desse estoque formado (consultando sempre os interesses maiores da sociedade em geral), caso seja obrigado a receber o produto na situação em que o mercado sinalize preços inferiores aos estabelecidos como mínimos para o fechamento dos contratos de opção.
            A política de leilões de contratos de opção de venda torna-se contraditória e competidora com a política de estocagem voluntária. Algum cafeicultor vai estocar voluntariamente, correndo risco de não assistir a uma prevista subida dos preços quando o governo já oferece R$ 130,00 e R$ 77,00 para dezembro de 2002?
            A segunda política divulgada estabelece que os exportadores terão linha de crédito de R$ 320 milhões (R$ 150 milhões já disponibilizados pelo FUNCAFÉ) para a formalização de Adiantamento de Contratos de Crédito (ACCs). De fato, com a crise internacional (escândalos contábeis nos EUA, vultosas perdas dos bancos na Argentina e desconfiança internacional quanto à solidez da economia brasileira), fecharam-se as linhas de crédito facilitadoras das exportações. A aguda falta de liquidez poderá constranger as exportações de café, derrubando os preços no mercado interno e agravando a crise por que passam os cafeicultores.
            Sem dúvida, é medida necessária e inteligente. Porém, trata-se de empréstimos subsidiados, uma vez que, com taxa de 9,5% ao ano para esse crédito (as linhas existentes no mercado estão entre 25% e 26%), embute-se um subsídio enorme para os nada empobrecidos exportadores de café.
            Para viabilizar o mercado de opções aos produtores de café, o governo federal incluiu esse produto na Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Isto ocorreu através do decreto n.º 4.325, de 08/08/2002. Com isso, o produtor terá acesso a operações de AGF para a colheita e EGF para a comercialização, com base nos seguintes preços mínimos: R$ 113,00 por saca de 60 kg para o café arábica, tipo 6, e R$ 64,00 para o café conillon, tipo 6.
            Em prosseguimento às decisões governamentais, a CONAB fará, em 21/08/2002, o primeiro leilão de venda de contrato de opções de café. O volume ofertado será de 1,280 milhão de sacas, das quais 280 mil sacas (do tipo robusta) separadas em 2,8 mil contratos e o restante (1 milhão de sacas do tipo arábica) em 10 mil contratos (cada contrato possui 100 sacas). Na prática, os produtores vão comprar o direito de vender para o governo os cafés arábica e robusta, respectivamente a R$ 130,00 e a R$ 77,00 por saca, com datas de vencimento que estão marcadas para dezembro, e a R$ 135,00 e R$ 80,00 por saca, com vencimento em março de 2003. Os produtores que participarem do leilão terão de pagar um prêmio mínimo de 0,50% sobre o preço de exercício, sendo que o leilão está limitado a 10 contratos por produtor. Já estão agendados os próximos leilões para 28 de agosto e 04, 11, 18 e 27 de setembro.
            Vale destacar que o incentivo à maior utilização dos contratos de opção com a finalidade de modernizar a comercialização de produtos agropecuários é algo imprescindível e, portanto, bem vindo. Porém, nesse caso específico, aparece o outro lado da intervenção que é a eliminação do risco da atividade, transferindo-o para o governo, pois os preços estão garantidos (ainda que possam ser bastante menores aos anunciados em decorrência da prática do leilão sobre os prêmios). Outra dificuldade adicional consiste na abertura do pleito de política similar para outras atividades perenes e semiperenes (como a laranja e a seringueira e até mesmo o boi gordo). Diferentemente das culturas anuais, em que os ajustes entre oferta e demanda ocorrem em períodos curtos (em geral de uma única safra), nas perenes isso pode levar de quatro a cinco anos, tornando extremamente complexa a implementação de uma política de incentivo à utilização dos contratos de opção.
            Portanto, estamos iniciando a maior mudança na política brasileira do café desde 1989, cujos resultados e conseqüências deverão ser avaliados nos próximos 12 meses, para se ter clareza sobre os benefícios privados e públicos, bem como os custos sociais de tal política.

Resultado brasileiro do comércio internacional de café

            As exportações brasileiras de café caíram 23,66% em 2002, em função dos preços baixos para os produtos exportados, acompanhando assim a tendência de queda nas exportações do agronegócio brasileiro (-13,3%). Na comparação entre os primeiros semestres de 2001 e 2002, observa-se crescimento de 13,04% no volume embarcado de café, enquanto as receitas diminuíram 23,66% no mesmo período. Contrariando esse panorama geral, têm-se os casos do conillon e do café torrado. No primeiro caso, observa-se forte crescimento na receita cambial (418,82%) e no volume embarcado (668,41%). A surpresa fica para os embarques de café torrado (e/ou moído), com incremento de mais de 2.000% nas receitas cambiais e de 3.381,63% no volume (mais de 36.760 sacas) no primeiro semestre de 2002 (tabela1).

TABELA 1 – Receita cambial e volume das exportações de café (conillon, arábica, torrado e solúvel), Brasil, primeiro semestre de 2001 e 2002.

Tipo
Receita (1.000 US$)
Incremento

%

Volume (saca de 60 kg)
Incremento

%

2001
2002
2001
2002
Conillon 
7.813,17 
40.536,50 
418,82 
201.428 
1.547.787 
668,41 
Arábica 
585.620,01 
412.715,47 
-29,53
8.420.806 
8.339.735 
-0,96
Torrado 
59,59 
1.334,30 
2.139,13 
1.056 
36.766 
3.381,63 
Subtotal 
593.492,77 
454.586,27 
-23,40
8.623.290 
9.924.288 
15,09 
Solúvel 
113.142,41 
84.846,97 
-25,01
1.205.219
1.186.287 
-1,57
Total 
706.635,19 
539.433,24 
-23,66
9.828.509 
11.110.575 
13,04 
Fonte: Conselho dos Exportadores de Café Verde do Brasil, 2002.

            A diminuição dos embarques de países concorrentes no mercado de robusta (Vietnã e Indonésia principalmente) permitiu que o Brasil ampliasse suas entregas nesse mercado. Sem dúvida, também contribuíram o grande volume de nossa safra dessa espécie e a depreciação cambial ocorrida ao longo do primeiro semestre de 2002.
            No mercado de café solúvel, as exportações praticamente mantiveram-se estáveis em volume, mas a redução nas receitas foi de 25,01%, indicando que as cotações do café solúvel caíram mais que o dobro das do café em grão.
            Estatísticas preliminares de julho de 2002 indicam um volume exportado de 2,2 milhões de sacas, desde que adicionado a esse resultado, os embarques de café solúvel (média de 200 mil sacas/mês). Mantida a tendência de exportações dos últimos meses, o Brasil poderá atingir o volume total de exportação de café de 27 milhões de sacas, conquistando uma participação de 32% do mercado internacional do café, contra uma participação média de 20% nos anos noventa.

 

Data de Publicação: 14/08/2002

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor