Uma Avaliação Das Mudanças Na Política Do Moderfrota

            Em reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN)1, no final de fevereiro de 2003, aprovou-se a liberação de verba suplementar de R$ 800 milhões para o financiamento do programa setorial do Moderfrota2. Todavia, o voto do CMN introduziu importantes modificações nas regras do programa. Em síntese, as alterações foram as seguintes:

a) sob o argumento de que a elevação na Taxa Selic implicava em maior desembolso de recursos por parte do Tesouro para equalização dos financiamentos, os juros fixos da política setorial deveriam também acompanhar esse aumento. Assim, os juros foram elevados para 9,75% e 12,75% ao ano, conforme a faixa de renda (os anteriores eram de 8,75% e 10,75% a.a.);

b) foram alterados os patamares de renda bruta anual, quesito balizador do enquadramento dos produtores agrícolas aderentes ao programa; ou seja, para renda de até R$ 150 mil, juros de 9,75% a.a.; acima disso, juros de 12,75% a.a. Antes dessa mudança, o patamar de renda bruta era de R$ 250 mil anuais;

c) foram reduzidos os prazos para pagamento, de seis para cinco anos, no caso dos tratores, e de oito para seis anos no caso das colhedoras; e

d) os limites de empréstimo, que eram de 90% da solicitação para a faixa de renda bruta acima de R$ 150 mil, foram reduzidos para 80%, enquanto se mantiveram em 100% para a faixa abaixo dos R$ 150 mil de renda bruta.

            Do ponto de vista macroeconômico, as decisões relativas ao Moderfrota revelam-se pouco consistentes. As autoridades monetárias do atual governo têm procurado enfatizar, em suas declarações, que as recentes majorações na Taxa Selic são provisórias, diante do contexto de incerteza global (guerra do Iraque; declínio persistente nos ativos financeiros e patrimoniais; malversação de peças contábeis de relevantes conglomerados empresariais globais e desconfiança internacional quanto às orientações políticas do novo governo brasileiro).
            Se o aumento da Selic responde a uma lógica econômica de curto prazo, qual seria então a racionalidade da elevação, para 9,75% e 12,75%, nas taxas cobradas pelo financiamento das máquinas? Colocando de outro modo: onde estaria a racionalidade da elevação dos juros fixos dos contratos de longo prazo do Moderfrota, sem que se adicionem cláusulas que permitam a revisão nessas taxas assim que o momento econômico autorize os gestores da política monetária a reavaliarem para baixo a Selic?
            Outro agravante foi a redução da renda bruta do produtor para fins de classificação, nas faixas de juros estabelecidas. Esse procedimento exclui do acesso ao financiamento parcela de agricultores familiares que obtiveram ampliação de sua renda com a valorização verificada nos preços da principais commodities.
            Assim, um estabelecimento com 100 hectares de soja, adotando-se produtividade média de 50 sacos por hectare, alcançaria renda bruta anual próxima dos R$ 160 mil aos preços atuais recebidos pelos produtores (em SP, esse valor atingiria mais de R$ 180 mil). Esse simples exemplo evidencia que é expressiva a parcela dos excluídos, os quais deixarão de ter acesso a essa linha de crédito em condições mais vantajosas.
            O redução dos prazos para a quitação dos contratos consiste, igualmente, em modificação equivocada. Máquinas agrícolas automotrizes são bens de capital, merecendo, portanto, prazos elásticos para sua amortização, dentro de uma perspectiva de investimento produtivo. As colhedoras, que antes das mudanças poderiam ser amortizadas em até oito anos, agora devem sê-lo em apenas seis, obrigando o produtor a bloquear mais renda para o pagamento das parcelas, piorando os resultados da exploração econômica que se pretende apoiar através dessa política.
            Finalmente, a redução dos limites de financiamento para os produtores caminha na mesma direção das demais decisões, qual seja a de dificultar o acesso ao crédito, impondo maior contrapartida do interessado.
            Se é certo que o governo pretendia, com essas mudanças, reduzir as despesas com equalização financeira dos créditos concedidos, por outro, deveria considerar, na mesma balança, o quanto foi incrementada a arrecadação de IPI, com o aumento de quase 100% nas vendas de máquinas agrícolas para o mercado interno, afora o apoio na geração de saldo cambial próximo dos US$ 500 milhões com as exportações desses equipamentos.
            Ademais, precisa ficar claro se a decisão de fortalecer a agricultura brasileira (seja ela familiar ou empresarial) é uma efetiva prioridade do governo federal ou apenas retórica com vistas a encontrar nesse segmento econômico uma fonte extraordinária de recursos fiscais.


1
www.fazenda.gov.br

2 www.bndes.gov.br/produtos/agropecuario/frotaag.asp

Data de Publicação: 25/03/2003

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor