Aspectos Econômicos Da Recomposição De Matas Ciliares E Preservação De Mananciais

            No início do século passado, como não havia pressão generalizada sobre as reservas de recursos naturais, ainda não existia uma consciência da necessidade de preservar e conservar os sistemas naturais. Muitas vezes, pela absoluta inexistência de conhecimento sobre a complexidade e a fragilidade dos sistemas ecológicos, foram organizadas ações altamente predatórias. Por exemplo, por força da chamada 'Lei Oswaldo Cruz', os proprietários de áreas com matas ciliares foram obrigados a derrubá-las, com vista ao controle e eliminação do mosquito transmissor da febre amarela.
            Porém, com crescimento da população mundial e o desenvolvimento econômico das nações, começa a ocorrer o chamado 'consumo' de meio ambiente, e a se alterar de forma marcante as relações entre o homem e a natureza. A industrialização e a evolução tecnológica, usualmente aplaudidas como conquistas da sociedade moderna, passam a ser responsabilizadas pelas agressões ao meio ambiente e pelo uso predatório dos recursos naturais e vistas, inclusive, como formas potenciais de restrições ao próprio crescimento econômico.
            Dentre os muitos problemas de preservação e recuperação de ecossistemas com que a comunidade paulista se depara, destaca-se sobremaneira a questão da preservação e restauração florestal do Estado de São Paulo. Recente levantamento da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado de São Paulo (SMA) estima a existência de 3,4 milhões de hectares cobertos por vegetação nativa, representando cerca de 13,7% da área total. Os pequenos fragmentos remanescentes distribuem-se de forma heterogênea, notando-se certa concentração na Serra do Mar e nas unidades de conservação sob gestão pública.
            As áreas florestadas são de suma importância não apenas pela sua contribuição como berço de biodiversidade como também pela sua reconhecida afinidade e funcionalidade no ciclo da água. Neste atributo, destaca-se a mata ciliar, fundamental para o equilíbrio ambiental, cuja recuperação proporciona benefícios muito significativos sob vários aspectos.
            Do ponto de vista local, protege a água e o solo, reduzindo o assoreamento dos rios e o aporte de poluentes; constitui-se em corredores, possibilitando o fluxo gênico entre remanescentes florestais; fornece alimentação e abrigo para a fauna; e funciona como filtros naturais controlando a disseminação de pragas e doenças nas culturas agrícolas. Do ponto de vista global, destaca-se sua função estratégica na contenção do efeito 'estufa', pois florestas em crescimento fixam carbono e contribuem para a redução dos gases de efeito estufa.
            Uma das preocupações do legislador ao instituir o Código Florestal (Lei Federal n.º 4.771/65) foi a proteção da flora, da fauna, do solo e das águas. As chamadas florestas de preservação permanente demonstram esta preocupação. O Artigo 3º desta Lei cria outras situações de proteção, na mesma defesa, desde que declaradas por ato do poder público.
            Embora o Código Florestal tenha mais de 30 anos, não houve mecanismo que pudesse incentivar a reposição das áreas desmatadas. O custo é por demais oneroso para ser absorvido apenas pelos agricultores, visto que o interesse é de toda a sociedade. Um programa destes, financiado pelo poder público para que o custo fosse diluído por todos, seria também por demais oneroso.
            Com o propósito de avaliar o peso dessa legislação para o proprietário rural, através de uso da programação linear, obteve-se uma diminuição de 10,76% na renda bruta anual de uma propriedade à margem do Rio Pardo, referente à implantação de mata ciliar em 30 hectares classificados como área de preservação permanente1.
            Posteriormente, ao observar a questão tendo como referência geográfica a microbacia do Córrego São Joaquim, em Pirassununga (SP), foi realizada a simulação de um projeto de adequação ambiental à luz da legislação vigente, onde foram avaliadas 28 propriedades, individualmente e para a microbacia como um todo2. Verificou-se que, em um horizonte de projeto de 20 anos, em 19 das propriedades analisadas, os fluxos financeiros apresentavam taxa interna de retorno (TIR) acima de 15%; em 4 delas, a TIR encontrada foi positiva, porém abaixo de 15%; e, para 5 propriedades, o fluxo apresentou-se negativo, não permitindo estimar a TIR.
            Os resultados apresentados na análise econômica mostram que, apesar de ser um investimento atraente, para mais de 50% dos agricultores, o fluxo de caixa dos primeiros 10 anos dificulta sua adoção, pois invariavelmente as propriedades apresentaram rentabilidade negativa nos anos iniciais do projeto. Assim sendo, possíveis programas de recuperação e preservação ambiental nessas áreas deverão levar em conta essa questão.
            O agricultor, ao praticar uma agricultura que respeite a sustentabilidade do sistema ambiental explorado, estará também contribuindo para a manutenção de uma produção de água mais regular e segura, além de melhor qualidade. Consequentemente, a sociedade urbana precisa melhor avaliar e reconhecer essa contribuição da agricultura, compartilhando dos custos impostos pela observância das restrições ao uso do solo que conduzam a uma agricultura moderna e sustentável. A esse propósito, através da estimativa do excedente do consumidor3, verificou-se que um aumento na vazão média do córrego São Joaquim, que possibilite captação de mais 4,1% de água, já seria suficiente para tornar a estimativa do valor do benefício social igual ao montante despendido pelos agricultores com a adoção das medidas mitigadoras.
            Finalmente, creio ser bastante oportuna uma política de 'renda mínima' para as pequenas propriedades que necessitem recompor as áreas de preservação permanente às margens de cursos d'água. Essa política, aplicada em áreas de mananciais, poderia viabilizar as pequenas propriedades sem condições de cumprir a lei, pois têm de ser cultivadas em toda a sua extensão para propiciar uma expectativa de renda compatível com a subsistência de uma família.
 

1TOLEDO, Paulo. E. N. de & MONTICELLI,, Cícero J.    Estimativa do custo privado da recuperação de matas ciliares.    Informações Econômicas, SP, v.26, n.1, janeiro de 1996. p.13-21.

2 TOLEDO, Paulo. E. N. de   Relação Custo/Benefício da Adequação Ambiental da Produção Agropecuária, Microbacia do Córrego São Joaquim, Pirassununga, SP   In: FOURTH INTER-AMERICAN DIALOGUE ON WATER MANAGEMENT.   Foz do Iguaçu, 02-02 de setembro de 2001.   Abstracts.   Foz de Iguaçu: Inter-American Water Resources Network/ Organização do Estados Americanos - OEA, 285p.

3O conceito de 'excedente do consumidor' é definido como a diferença entre o valor efetivamente pago pelo produto e o valor máximo que o consumidor estaria disposto a pagar para ter uma quantidade adicional, versus a alternativa de não tê-lo. Permite estimar os benefícios sociais de um projeto de investimento.

Data de Publicação: 26/03/2003

Autor(es): Paulo Edgard Nascimento De Toledo (ptoledo@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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