Café: agregar valor é preciso, mas...cautela também!

            Com justa razão os cafeicultores se preocupam em capturar fatia maior do preço de seu produto vendido no varejo. Afinal, sem o seu esforço em produzir, nem existiria a cadeia do produto.
            Embora seja justa a pretensão, não se pode esperar que, do ponto de vista teórico, a parcela recebida pelo produtor como proporção do preço final no varejo seja sempre crescente. Para que isso possa acontecer, é preciso alterar certas condições, sobretudo de natureza estrutural, dentro da cadeia. Por exemplo, uma participação maior dos próprios produtores, através de associações ou cooperativas, no processamento industrial e na distribuição do café.
            Em geral, o que acontece é o contrário. Por que isso? Seria 'malandragem' da parte dos demais elos da cadeia produtiva? Não, não é isso! Esse fato ocorre simplesmente porque, com o processo de agregação de valor ao longo da cadeia, se está aumentando o valor do denominador sem alterar o valor do numerador. O resultado disso, logicamente, é a redução da proporcionalidade, ou seja, do valor relativo do preço recebido pelo produtor.
            Pode-se dizer com isso, então, que para o produtor seria indiferente agregar valor a seu produto, já que não lhe acrescentaria qualquer vantagem? A resposta também é negativa. Ele pode ser beneficiado de duas maneiras: primeiro, pela ampliação do mercado do produto, o que lhe permitirá expandir os negócios; e, segundo, pela transformação do produto em bens de consumo de maior elasticidade renda, dependendo de tipo de contrato feito entre fornecedor e indústria. Exemplo que se aproxima desse caso é o acordo entre citricultores e indústria de suco de laranja.
            Em qualquer dessas duas situações, fica ressaltada a importância do funcionamento das câmaras setoriais, com os diversos elos da cadeia se articulando de forma harmônica, pensando sempre no bom desempenho, não de um setor em particular, mas no conjunto dos segmentos que compõem o negócio, que se estendem da produção até o consumidor final.
            Entre as preocupações dessas câmaras, a transparência (obviamente dentro de certos limites) deveria ser a questão prioritária. Argumenta-se que isso seria utopia, mas pensamos como aqueles que defendem a idéia de que a sociedade, em todas as suas esferas, não pode evoluir se não se dispuser de um norte utópico como referência. Isso entretanto é assunto complicado que passa inclusive pelo campo da ética nos negócios, que, aliás, já está sendo considerada como disciplina necessária na área de administração.
            Essa reflexão me veio à mente, após a leitura de prestigiosa revista 1, argumentando o equívoco que se comete ao se proceder à análise simplista de comparar evolução de preços ao nível do produtor com evolução ao nível do varejo. Com base em dados da Organização Internacional do Café (OIC)2, o analista mostra que, entre maio de 1997 e setembro de 2002, o indicador de preço composto elaborado pela instituição, ao nível do produtor, caiu de US$ 1,80 por libra peso (453g) para US$0,48, ou seja, uma redução de 73%. Por outro lado, segundo o U.S. Bureau of Labor Statistics, entre agosto de 97 e setembro de 2002, o preço no varejo americano teria caído de US$ 4,67 para US$ 2,92 a libra peso, o que representa queda de 37% (tabela 1).

Tabela 1 - Variação de preços de café em nível de produtor e de varejista

Segmentos maio/97
(cents/lb)
ago.97
(cents/lb)
set.02
(cents/lb)
Variação relativa
%
Variação absoluta
(cents /lb)
Produtor 1,80 - 0,48 -73 1,32
Varejista - 4,67 2,92 -37 1,75
Fonte: F.O . International Coffee Report,v.17,n,14,19/12/02

            O autor do artigo chama a atenção para dois pontos: primeiro, o erro que se comete ao se trabalhar só com percentuais, sem atentar para os valores absolutos dos números correspondentes. Isto porque grandes variações percentuais podem corresponder a pequenas variações em termos absolutos; em contrapartida, pequenas variações percentuais podem corresponder a grandes variações absolutas. É o que acontece quando se compara preço de café verde com o preço do café no varejo. De fato, os 73% correspondem a uma variação absoluta de apenas US$ 1,32 por libra peso (US$ 1,80 menos US$ 0,48).
            Em contrapartida, os 37% de variação no preço de varejo correspondem a uma variação absoluta de US$ 1,75 por libra peso (US$ 4,67 menos US$ 2,92). Na realidade, conclui-se que o preço do café no varejo americano teve uma queda real por libra peso de US$ 0,43 maior (US$1,75-US$ 1,32), quando comparada com a variação de preço do café verde, ou seja, uma diferença de 32%.
            Significaria isso que os varejistas americanos estariam, então, em condições mais desfavoráveis em relação aos produtores? Não se pode concluir isso. Da mesma forma que não se deve ser simplista trabalhando com números percentuais elevados, representativos de valores baixos absolutos, precisamos também tomar cuidado ao tirar conclusões quanto à rentabilidade de determinado setor, ao se trabalhar com números percentuais baixos, representativos de valores elevados, sem se levar em conta a escala de produção do segmento considerado. Ou seja, embora tenha havido redução maior nos preços de varejo, isso pode ser compensado com ganhos maiores decorrentes de grande escala de produção (de vendas, no caso, além da maior estabilidade dos preços), como acontece no segmento dos grandes varejistas, contrariamente ao que se verifica no setor da produção primária em que a questão de escala, além de mais complicada, é cercada ainda de dúvidas teóricas.
            Mas a matéria chama particular atenção para um segundo ponto importante: o equívoco comum de se querer aplicar no varejo o percentual de queda observado no preço do café verde. No caso em análise, se aplicarmos o mesmo percentual de queda de 73% do café verde ao preço de varejo, este cairia para US$ 1,25 a libra peso, e não US$2,92 como de fato ocorreu. Ora, esse resultado seria completamente irrealístico, segundo o autor, pois sequer cobriria os custos de importação, processamento, marketing e outros custos que agregam valor.
            O equívoco de se estabelecer relação direta entre preço de café verde e preço de varejo pode ser demonstrado de outra forma, ou seja, levando-se em conta a participação do preço da matéria-prima (café verde) no preço do produto final. Embora estatisticamente seja constatado que mais de 70% da variação do preço no varejo sejam influenciados pelo preço do café verde, esse último representaria em média apenas 25% (variação de 20% a 27%, conforme a época) do preço final do café moído.
            Assim, basta uma operação aritmética para demonstrar que, por conta da queda do café verde (73% no período), se poderia esperar uma redução da ordem de 19% no preço de varejo. A análise, entretanto, fica ainda incompleta quando não se leva em conta a variação ocorrida em outros insumos, que representariam 75% em média do preço final. A resultante seria claramente inferior aos 19% encontrados, baseados apenas numa análise parcial, pois certamente os demais fatores de custos tiveram aumento no período.
            Oportunamente, podemos voltar a esse assunto, respaldados em dados empíricos e análise mais aprofundada. A finalidade desse comentário, porém, é de apenas chamar a atenção para o fato de que precisamos, sim, tomar decisão visando agregar valor à produção primária (ganhariam mais o produtor e o País). Mas a questão tem que ser muito bem analisada antes de se realizar os investimentos, dada a maior complexidade desse processo, quando comparado com a produção da matéria-prima, no caso, o café verde.
 


 

Struning, W.C. Green Coffe Prices and the USA Consumer. F.O.International Coffee Report. London, v.17,n.14, dez 2002.

www.ico.org



 

Data de Publicação: 04/04/2003

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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