Análise de resíduos, rastreabilidade e certificação de frutas e legumes

            Rastreabilidade, certificação e selo de qualidade dos produtos agrícolas são palavras cada vez mais presentes no nosso cotidiano. Os mercados importadores, principalmente de hortigranjeiros e de carnes, preocupam-se com a identificação de origem e o processo de produção como forma de garantir a qualidade ao consumidor. No nível do mercado doméstico, as exigências por qualidade, principalmente por parte dos consumidores de maior poder aquisitivo, são também crescentes.
            Nesse contexto, é importante destacar o papel do Laboratório de Análise de Resíduos de Pesticidas do Instituto Biológico (IB)1, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), que há 25 anos analisa, semanalmente, oito a doze amostras de frutas e legumes, coletadas de maneira aleatória pela Ceagesp, para fornecer resultados sobre a presença de agrotóxicos, com base na legislação vigente.
            O convênio entre o Instituto Biológico, por intermédio da SAA, e a Ceagesp (na época, empresa estadual), firmado em 1978, abrangia também a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). Os extensionistas da Cati, com base nos resultados das análises, orientavam os agricultores tanto no sentido de evitar produtos não-permitidos quanto de usar de maneira correta (quantidade certa no tempo certo) pesticidas cuja presença de resíduos estava acima do limite máximo estabelecido por lei.
            Atualmente, as partes envolvidas no acordo estão livres para fazer uso dos resultados das análises da forma que acharem mais conveniente, quer através de divulgação científica quer por meio de divulgação na mídia.
            Segundo o pesquisador Amir Bertoni Gebara, diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Proteção Ambiental do IB, no começo do convênio, eram analisados todos os tipos de produtos (frutas e legumes), inclusive frutas exóticas ou não muito comerciais. Com base nos resultados obtidos, começou-se a priorizar aqueles que apresentavam maior incidência de resíduos. Entre as frutas, destacam-se morango, goiaba, pêssego, figo, uva e maçã. Já entre os legumes, foram priorizados tomate, pimentão, alface, cenoura, vagem e brócolis.

Resultados

            Cerca de metade das centenas de amostras de morango, coletadas na Ceagesp e analisadas no Laboratório, apresenta resíduos de agrotóxicos, principalmente de produtos não-permitidos mas também de quantidades exageradas de pesticidas permitidos. 'O morango é o carro-chefe, o líder. O morango sempre foi o destaque como o vilão das frutas no que diz respeito a resíduos de pesticidas', diz Gebara.
            Quanto a outras frutas (goiaba, pêssego, figo, uva, maçã, etc.), o problema mais freqüente é o uso acima da quantidade necessária de pesticidas cuja aplicação é permitida, embora seja constatada também a presença de pesticidas não-registrados para aquela cultura.
            No caso do morango, o principal motivo talvez seja o fato de os agricultores não encontrarem pesticidas específicos, que possam combater pestes e pragas inerentes à cultura, segundo o pesquisador do IB. Ao mesmo tempo, os produtores têm acesso fácil, a baixo custo, a outros agrotóxicos. Assim, eles compram pesticida disponível no mercado, quer por razões culturais (de pai para filho) ou porque o vendedor os induz a usar aquele produto não-registrado para o morango.
            'Não quer dizer, necessariamente, que o consumidor vai comer o produto intoxicado, vai se envenenar', observa Gebara. 'De acordo com os conhecimentos atuais, não há informação quanto à toxicidade daquele produto em relação à ingestão de morango. Não foi feito nenhum estudo em largo espectro de um determinado pesticida, aplicado no morango e ingerido com tal freqüência, por uma pessoa de peso tal, de tamanho tal, ou uma criança, durante muito tempo e o que pode ocorrer.'
            Entre os legumes, o tomate ocupa a liderança, com pelo menos 50% das amostras registrando a presença de resíduos de pesticidas, entre não-permitidos e permitidos (acima do limite). 'De maneira geral, o tomate estaria para os legumes como o morango para as frutas', compara o pesquisador do IB. Com percentuais menores, aparecem produtos como pimentão, alface, vagem, cenoura e brócolis.
            As empresas fabricantes de pesticidas para tomate já estão registrando um grande número de produtos específicos para a cultura, segundo Gebara. 'Mesmo assim, ainda se encontra uma grande quantidade de resíduos.'

Setor privado

            O trabalho do IB já é reconhecido por empresas do setor privado, como a cadeia de supermercados Carrefour. Amostras de fornecedores de produtos perecíveis (abacaxi, tomate, laranja, limão, mamão, alface, cenoura, etc.) são enviadas regularmente ao Laboratório de Análise de Resíduos para controle, de maneira a atender às exigências de qualidade do selo de garantia de origem que vale para as lojas da rede em todo o mundo. Assim, 'eles têm um produto de qualidade, um produto diferenciado e, mais do que isso, com esse selo de garantia, eles têm facilidade de exportação', destaca Gebara.
            A vantagem dessa parceria é que ajuda a abrir fronteiras e romper obstáculos ao produto brasileiro, principalmente na forma de barreiras sanitárias. 'Se o Carrefour, por exemplo, quiser exportar uma manga produzida no Brasil, que tem o selo, para a França, ou para um outro país que tenha a cadeia da rede Carrefour, o importador não vai colocar obstáculo, porque ele sabe que aquilo vale para o mundo inteiro.'
            Além do Carrefour, empresas como Corn Products (antiga Refinações de Milho Brasil), Camil e Josapar, que atuam na área de alimentos, assim como outros produtores e exportadores em menor escala, utilizam regularmente o serviço do laboratório.
            Também os governos de outros Estados, por meio dos secretários de Agricultura, procuram o Laboratório do IB em busca de orientação e apoio para fazer convênios semelhantes. 'Só que por falta de recursos, por falta de infra-estrutura, de uma maneira geral, eles não conseguem levar isso para frente', conta Gebara.

Difusão

            Os resultados gerados pelo Laboratório são normalmente divulgamos no meio científico e na própria mídia (emissoras de televisão, jornal e rádio) sempre que algum jornalista procura o IB. 'Eu diria que isso (divulgação na mídia) é pouco representativo em função da importância do trabalho. E a Ceagesp divulga praticamente entre eles mesmos, se tanto', diz Gebara.
            A divulgação é um elemento essencial, talvez o 'único mecanismo', nesse processo na visão do pesquisador do IB. 'Nós analisamos isso e divulgamos quando alguém da mídia nos procura. Nós não procuramos a mídia. Como cientistas, nós divulgamos resultados no meio científico.'
            Amir Gebara acredita que a Secretaria de Agricultura e Abastecimento deveria explorar mais o potencial desse trabalho, divulgando intensivamente as informações por meio da mídia da capital e do interior e fazendo apresentações dos resultados. 'Eu acho que seria, senão uma grande bandeira de marketing do trabalho feito pelos cientistas e políticos do Estado de São Paulo, (pelo menos) um divulgador importante, um panorama, uma vitrine do que a sociedade paulista, paulistana consome.'

Orientação

            O pesquisador do IB defende uma ação integrada mais efetiva do poder público, por intermédio dos técnicos e das instituições estaduais e federais, e da sociedade organizada, não só no sentido de orientação intensiva ao agricultor como também de facilitar o registro de produtos pesticidas.
            Gebara lembra que o custo do registro no Ministério da Agricultura, além do atendimento às exigências do Ministério da Saúde e mesmo do Ibama, é alto, sem falar do tempo despendido, da perda de competição e da cobrança da matriz (a maioria são empresas multinacionais). Assim, focalizam-se 'sobretudo as culturas de grande impacto econômico, como soja, café, algodão, cacau, citros, cana-de-açúcar e assim por diante, enquanto as culturas menos importantes economicamente ficam descobertas'.
            'Eu sugeriria que houvesse uma interação entre os órgãos que regularizam isso, que autorizam, que estudam os registros específicos, junto com o encaminhamento dos estudos feito pelas indústrias, representante do consumidor, representante de produtor (como cooperativa), os institutos (de pesquisa) da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo... E se procurasse facilitar, talvez agilizar, no caso dessas culturas pouco representativas economicamente, para encontrar produtos que sejam eficientes para combater o alvo: o inimigo, o ácaro, o fungo ou o inseto qualquer ou uma erva daninha, de maneira que o agricultor tivesse rápido acesso e pouco custo...'
            No âmbito da SAA, uma idéia seria reativar a comissão que, alguns anos atrás, cuidava das pequenas culturas, buscando, por exemplo, apresentar produtos similares. Um produto registrado para ameixa poderia servir para nectarina, pêssego e frutas semelhantes de caroço. O mesmo poderia valer para outras frutas menores como framboesa e cereja. Ou no caso dos legumes folhosos o produto registrado para alface poderia ser o mesmo para escarola e couve. 'Agora, é muito importante que seja feito um acompanhamento rotineiro, constante, por meio de monitoramento. E, infelizmente, o único laboratório que ainda faz isso de forma perene é o nosso', diz Gebara.
            Para a população em geral, o pesquisador recomenda basicamente comprar produtos de época; lavar sempre com escova, sabão, detergente, água corrente, sempre que for possível, independente de qualquer suspeita; passar água de qualquer forma, quando não houver outra alternativa; descascar algumas frutas ou alguns legumes (uma boa parte dos resíduos de pesticida fica na casca); e diversificar - não comer sempre a mesma fruta todos os dias, para evitar o acúmulo no organismo de eventuais resíduos. E, em caso de qualquer suspeita, o consumidor 'deve voltar ao vendedor e dizer que aquilo não está atendendo às qualidades para consumo'.
            Uma das preocupações de Gebara é com a descontinuidade do trabalho, que 'passou por alguns percalços (nesses 25 anos). Nós tivemos alguns obstáculos a ultrapassar, sempre de ordem burocrático-administrativa: motivos de renovação de convênio, falta de recursos, falta de pessoal... Na verdade, o laboratório propriamente sempre teve interesse em dar continuidade a isso. Nesse momento, por exemplo, nós estamos parados... É uma questão administrativa. A Ceagesp mudou de presidência e está reavaliando o convênio, que eu espero seja retomado em breve. Então, fica esse período descoberto, quer dizer, fase de renovação de convênio, fase de autorização...'

1 Instituto Biológico: www.biologico.sp.gov.br

Data de Publicação: 25/04/2003

Autor(es): José Venâncio De Resende Consulte outros textos deste autor
Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros Consulte outros textos deste autor